por Carlos, e a remediar todas as más consequencias das suas leviandades. Estava sempre prompta a advogar-lhe os pleitos, a minorar-lhe as culpas.
Mas tambem o que ella n?o conseguisse de Carlos, ninguem mais na terra o conseguiria.
Deixar adivinhar desejos, era formular pedidos; uma supplica, timidamente expressa, valia por uma ordem imperiosa. E comtudo Jenny nunca procurava tornar apparente este predominio; antes se esfor?ava por o dissimular.
Conhecendo, mais por muito reflectir do que por experiencia, que n?o a tinha, os mil mysterios e caprichos do cora??o humano, toda a sua admiravel diplomacia feminina estava em saber fazer-se obedecida, brincando; em aceitar e agradecer, como concess?es espontaneas, o que lhe dizia a consciencia ser o resultado de suas insinua??es e pedidos.
Desenvolvia-se de ordinario uma perfeita tactica, e engenhosamente tecida da parte de Jenny, em quasi todas estas conferencias intimas entre os dois irm?os.
Virtuosa e sympathica hypocrisia, com que Jenny, para dominar, se humilhava!
Quando os anjos nos imitam na dissimula??o, ainda ent?o n?o perdem a sua candura. S?o sempre anjos. Ro?am com as azas pelo l?do do mundo, mas levantam-se immaculados.
Quem ensinára a Jenny, cuja vida se deslisára quasi toda no tracto intimo de sua pouca numerosa familia, esta sciencia do cora??o, que dizem só adquirir-se no muito lidar com os homens e com o mundo? Já o indicamos:--a sua indole pensativa, os seus habitos de reflex?o. Mais se aprende na leitura meditada de um só livro, do que no folhear levianamente milhares de volumes. Assim tambem no estudo dos caracteres. Observadores ha, que, após annos e annos gastos a viver com os homens, morrem em ingenua ignorancia a respeito d'elles; outros que, na solid?o do gabinete, perscrutam no proprio cora??o os segredos dos mais, decifram-os, porque, descobertas ahi as leis principaes e communs a toda a natureza humana, facil é adivinhar depois as secundarias, d'onde procedem as differen?as. Surprende devéras quando se vê saír d'esses cantos obscuros um homem a todos desconhecido, e que a todos parece conhecer. Como e onde aprendeu este homem tudo isto? Pela observa??o desapaixonada em si, ou, quando muito, nos seus mais proximos; depois a intelligencia, vigorada por este ensino, abalan?ou-se, guiada por vestigios na apparencia insignificantes, a induc??es fertilissimas.
Carlos n?o sabia resistir muito tempo á irm?. Sem suspeitar que cedia, recuava passo a passo. Aproximava-se do fim, onde a habil contendora o queria levar, e, ao attingil-o, ficava surprendido de haver realisado, com t?o pouco custo, suppostos sacrificios, cuja ideia só, momentos antes, o tinha feito desanimar de emprehendel-os.
Por n?o differentes processos, cada dia se vergava, por assim dizer, ás m?os de uma crean?a o caracter geralmente considerado inflexivel de Mr. Richard Whitestone.
E com tal habilidade aprendera Jenny a occultar estas pequenas, mas importantes victorias, que a todo o instante obtinha sobre os seus, que mal vinha á ideia do bom gentleman, quando, muito convencido do que dizia, se jactava de ser firme nas suas resolu??es, e pouco propenso a revogar projectos formados, que, n'aquelle mesmo momento talvez, lhe estavam dando seus actos solemne desmentido.
Taes eram os principaes membros da familia Whitestone, com quem travaremos mais intimo conhecimento nos varios capitulos d'esta singelissima historia, em cujo decurso, desde já o declaramos, para n?o alimentar illusorias esperan?as, a ac??o prosegue desimpedida de complicadas peripecias.
III
NA AGUIA D'OURO
Era uma das ultimas noites do carnaval de 1855.
Havia menos estrellas no céo, do que mascaras nas ruas. Fevereiro, esse mez inconstante como uma mulher nervosa, estava nos seus momentos de mau humor; mas, embora; o folgaz?o entrudo ria-se de taes severidades e dan?ava ao som do vento e da chuva, e sob o docel de nuvens negras que se levantavam do sul. Gra?as á cheia do Douro, a cidade baixa podia bem prestar-se n'aquella época a uma parodia do carnaval veneziano.
á porta dos theatros apinhava-se a multid?o; os altos brados dos vendedores de senhas e os agudos falsetes dos mascarados atordoavam os ouvidos. Dos cabides dos guarda-roupas, provisoriamente armados nas lojas circumvizinhas aos principaes sal?es de baile, pendiam vestuarios correspondentes a todas as épocas e a todas as na??es, e alguns, aos quaes n?o era possivel assignar época, na??o, classe ou condi??o social conhecida.
Numerosos grupos de espectadores paravam diante das exposi??es de mascaras á venda e tornavam o transito n'aquellas ruas quasi impraticavel. Era uma fascina??o analoga á que produz um conto de Hoffmann em imagina??es excitaveis, e exercida n'elles por tantas mascaras enfileiradas, cuja diversidade comica de express?o e de gesto lembrava um enxame de cabe?as mephistophelicas, surgindo á luz para se rirem das loucuras da humanidade.
Estes absortos contempladores a cada passo vinham a si, desagradavelmente acordados pelas pragas energicas dos conductores de carruagens, prestes a atropellal-os, ou pela interjei??o pouco harmoniosa dos cadeirinhas obrigados por causa d'elles a irregularidades no andamento da sua grave e benefica tarefa. Só ent?o, e ainda a custo, se dispersavam, para, alguns passos mais
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