Tratado das Ilhas Novas | Page 5

Francisco de Souza
aventureux du capitaine Jean Alphonse,
Saintongeois.--Foi em Saintonge, perto de Cognac, que elle estabeleceu
o seu domicilio; d'ahi o appellido de Saintongeois com que o vemos
tratado depois de sua morte, qualificação que ficou servindo de titulo á
pertenção franceza de o haverem por seu conterraneo.
Léon Guérin, tratando de João Affonso no seu livro intitulado--Les
Navigateurs Français,--não occulta que Charlevoix «por falta de estudo
a este respeito, e depois d'elle muitos autores francezes, dizem ser
nascido em Portugal ou na Galliza, asserção esta, de que os estrangeiros
e em particular os portuguezes, altivos por sua antiga gloria maritima,
se assenhorearam para juntar este navegador aos que illustraram o seu
paiz.»
Charlevoix viveu nos annos que decorreram de 1682 a 1761. As suas
obras sobre as colonias e marinha de França demonstram bem que lhe
não faltou estudo sobre a historia maritima do seu paiz. Não era elle
homem que ignorasse a publicação das Viagens aventureiras de João
Affonso, nem o tratamento de Saintongeois que no titulo d'ellas lhe deu
o editor, e que de leve privasse a sua patria da maternidade de tão
illustre filho.
Um escriptor mais recente, o sr. Pierre Margry, no seu trabalhado
livro--Les navigations françaises--consagra a este navegador uma boa
parte da sua obra. Nem um palavra, porém diz sobre a questão da sua
nacionalidade. Para o autor, João Affonso é seu e todo seu.
Teve, porém, o sr. Pierre Margry o cuidado de informar de espaço os
seus leitores da Hydrographia de João Affonso, exhibindo extratos e

offerecendo juizos, que acceitamos, sobre os logares que João Affonso
descreveu por observação propria. Por ali vemos que quanto diz
respeito ao Mar Roxo, costas do Malabar e de Malaca, e mesmo além
d'esta, foi felizmente percorrido, examinado, e descripto por João
Affonso.
Ora, é de notar que João Affonso escreveu o seu livro nos annos de
1544 e 1545.
Até áquelles annos os nossos escriptores das cousas da India apenas
mencionam a ida áquelles mares e regiões de tres navios francezes, no
anno de 1527, procedidos de Dieppe; um aportou na ilha de S.
Lourenço (Madagascar); outro commandado por Estevão Dias, o
Brigas de alcunha, portuguez, que por travessuras que havia feito no
Reino se havia lançado em França, chegou a Diu na entrada de junho
d'aquelle anno, onde depois de obter seguro do mouro capitão da cidade,
foi com todos os seus prezo e mandado ao Sultão Badur, acabando ali
miseravelmente, como contam Barros, e Mendes Pinto na sua immortal
«Peregrinação,» cap. 16 e 20.
A terceira, commandada por outro portuguez, o Rozado, natural de villa
do Conde, foi perder-se na costa occidental de Çamatra em uma bahia
perto de Panaajú, cidade do rei dos Batas, que d'elle houve alguma
artilharia.
Nota a historia de França ainda, no anno de 1529, uma segunda
expedição áquellas regiões, a qual sahida de Dieppe tambem, tinha por
termo as Molucas, e por commandante João Parmentier que foi morrer
na mesma costa do sul de Çamatra, pelo que ficou mallograda a
expedição e o navio voltou d'ali a França.
Se a historia da nossa dominação no Oriente não fosse bastante,
apontariamos o occorrido em Diu ao Brigas, para mostrar o perigo de
qualquer navegação europea isolada e trato com os povos d'aquellas
regiões, por aquelles tempos.
Por outra parte o zelo e vigilancia do Governo Portuguez em repellir
d'ali o concurso de qualquer outra nação da Europa não podião então

ser excedidos; as instrucções secretas e verbaes dadas a Nuno da Cunha
ao ir governar a India assás provam o que levamos dito. Veja-se Sousa,
nos Annaes de D. João III.
A passagem de Portuguezes conhecedores das nossas navegações e
conquistas ao serviço de França era então mui frequente, uns por
despeitados e mal premiados se passavam; outros captivos por
corsarios francezes, que desde o reinado de D. João II, e por todo o de
D. Manuel e D. João III infestaram as costas do reino e os mares dos
Açores.
O governo Francez (em nome da liberdade dos mares!!) favorecia
desfaçadamente taes actos.
O caso occorrido com D. Pedro Castello Branco e com Francisco I de
França, narrado por Couto, mostra bem as ideas d'este monarca sobre
taes actos. D. Pedro roubado por corsarios francezes ao voltar da India,
foi a França reclamar a sua fazenda. Francisco I não teve pejo de uzar á
vista d'elle d'umas estribeiras e d'uns anneis pertencentes á fazenda que
fôra roubada. D. Pedro á vista das negativas e despejo d'el-rei, o teve
tambem de lhe dizer que aquellas estribeiras de que elle usara no dia
anterior, e aquelles anneis que elle tinha nos dedos, os mandara elle D.
Pedro fazer e eram fazenda sua.
Por estes meios foram os francezes, desde o começo das nossas
navegações longiquas, senhores dos nossos roteiros, cartas e diarios
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