immortal, Luz do Amor, Luz da Vida!
Assim dizia elle á Morte no seu grande hymno, já atraz citado e que
ficará como uma das maiores glorias da sua lyra.
Assim deve ter sido a sua--uma transição insensivel, uma serena
Euthanásia, bella como todos os seus sonhos de poeta! Assim se deve
ter evolado, para a Luz immortal do Grande Mysterio, a sua alma boa e
pura, sempre voltada para o Amor e para a Vida!
Luiz de Magalhães.
ANTONIO FEIJÓ, O QUE MORREU DE AMOR
(Lido na Academia Brasileira, sessão de 28 de Junho de 1917)
A Morte astuciosa--ou caridosa?--antes de apoderar-se finalmente da
nossa vida, enceta a sua tarefa inexoravel hospedando-se pouco a pouco
nos melhores recantos d'ella. Todo o homem que dobrou os quarenta
annos conhece essa primeira visita e tem de preparar-se para essa longa
hospedagem. Cada coração, que só carinhos e affectos alojava, eis que
um dia recebe ordem de aboletamento para a pavorosa Intrusa, de que
lhe cumpre fazer companheira de casa. E o espaço, a principio exiguo,
que ella reclama, nunca mais deixa de alargar-se em seu proveito. Os
seres mais queridos, os mais amados, temos de perdel-os para que ella
lhes ocupe o logar. Vão faltando os parentes, vão morrendo os amigos,
um a um, em periodos cada vez menos espaçados. Começamos, ao
romper da vida, crendo-nos donos do Universo, e com que pressa o
nosso dominio se limita, se estreita, até n'elle nos sentirmos demais!
Quando emfim a nossa hora chega, já não é senão um fragmento ultimo
e minimo da vida que abandonamos á Morte. O coração, a que ella faz
parar a fatigada corda, estava tão atravancado de cadaveres que já não
podia bater livremente.
Estou experimentando o sobresalto d'esses avisos sinistros, e já não são
os primeiros. Ha seis annos era o conde d'Arnoso, deixando um claro,
que nada e ninguem mais preencherão, na calma felicidade dos meus
dias. Em 1915 foi Ramalho Ortigão, esse ao menos depois de uma
longa e bem aproveitada vida. Quasi ao mesmo tempo, em 21 de
setembro do mesmo anno, morria em plena mocidade e formosura
Dona Mercedes Feijó, a mulher querida de um dos meus mais fieis
amigos. E agora, a 21 do mez, vinte e um mezes exactos depois da
desgraça a que não conseguiu mais resignar-se, é António Feijó que
morre por sua vez, que morre de amor e de saudade por aquella que era
o raio de sol da sua vida.
Morreu de amor o poeta amoroso que as neves da Scandinavia e a
fleugma profissional da diplomacia nunca fizeram esquecer de que era
um conterraneo de Diogo Bernardes e de que a sua alma fôra tambem
creada á beira da poesia e da melancholia tão lyricas do Rio Lima.
Morreu de amor o loiro fidalgo minhoto, herdeiro de muitas gerações
de cavalleiros e trovadores, cuja antiga formação affectiva e moral
nunca se alterou no seu perpetuo exilio, nem no convivio mediocre ou
mesquinho dos seus contemporaneos. Morreu de amor Antonio Feijó,
tão verdadeiramente como se morria de amor em Portugal no seculo
XIII, no tempo d'aquelle Dom Pedro Roiz que mandou esculpir no seu
tumulo essa causa unica da sua morte. Morreu de amor, começou a
morrer de amor no momento em que viu para sempre
Deitada no caixão estreito,
Pallida e loira, muito loira e fria,
aquella mulher tão amada a quem sem o saber, sem a conhecer, tantos
annos antes, fizera propheticamente, num dos seus mais bellos sonetos,
o commovedor necrologio.
Antes de morrer de amor, no entanto, menos desafortunado que Dom
Pero Roiz, Antonio Feijó vivera de amor. Sua mulher dera-lhe, em
seguida a um longo noivado, quinze annos de intima ventura e dois
formosos filhos. Mas Dona Mercedes Feijó era em tal grau a imagem
da Belleza e da Graça que perdel-a, depois de ter vivido longo tempo
sob a sua luz e calor, tinha de ser, como foi, a maxima angustia. Feijó
sabia, podia medir com dolorosa precisão o tamanho e o valor da sua
perda. Creio que poucas vezes encontrei creatura feminina tão
seductoramente bella. Dona Mercedes era filha de pai sueco e de mãe
equatoriana. Cruzamento do Polo e do Equador, como alguem disse,
não é possivel imaginal-o mais feliz, alliando a pureza quasi divina das
raças do norte á exhuberancia e alegria meridionaes. Era como um raio
de sol corporizado; e comprehendia-se bem que da vida d'ella, mais do
que da propria, vivesse o namorado companheiro. Não o sentiam talvez
em toda a verdade senão os intimos da casa, porque Antonio Feijó era
pouco expansivo e resguardou sempre o sacrario do seu Lar da luz crua
e por vezes grosseira em que, por dever de officio, tinha de mover-se.
Para as pessoas extranhas elles eram, sobretudo, um prestigioso casal
de diplomatas a
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