Sol de Inverno | Page 6

António Feijó
pelas brancas avalanches das
neves hyperboreas e sempre saudoso do ardente e claro sol do seu paiz
distante.
Ouçamos as lindas quadras finaes do _Inverno_, onde esse sentimento
tão docemente se exprime:
Nasci á beira do Rio Lima,
Rio saudoso, todo crystal;
D'ahi a
angustia que me victima,
D'ahi deriva todo o meu mal.

É que nas terras que tenho visto,
Por toda a parte por onde andei,

Nunca achei nada mais imprevisto,
Terra mais linda nunca encontrei.
São aguas claras sempre cantando,
Verdes collinas, alvôr d'areia,

Brancas ermidas, fontes chorando
Na tremulina da lua-cheia...
É funda a mágoa que me exaspéra,
Negra a saudade que me devora...

Annos inteiros sem primavera,
Manhãs escuras sem luz d'aurora!
Oh meus amigos, quando eu morrer,
Levae meu corpo despedaçado,

Para que eu possa, já sem soffrer,
Dormir na Morte mais
descansado!
V
A critica inscreveu o nome de Antonio Feijó no rol dos parnasianos
portuguezes.
Não discutamos essas classificações d'escolas, que nem sempre são
precisas, nem fundamentaes. Se o parnasianismo se caracteriza, de
facto, pelo rigoroso cuidado da forma, pelo culto da belleza verbal, das
linhas marmoreas da phrase, do seu corte lapidar, da riqueza das rimas,
da euphonia dos rythmos, do poder evocativo das imagens,--Feijó pode
chamar-se, com acerto, um parnasiano. A miudo elle repetia o preceito
de mestre Theo: _Ce qui n'est pas bien fait, n'est pas fait_. Mas o que
elle foi, na verdade, sem contestação e fundiariamente, foi um lyrico,
na mais ampla plenitude da designação.
Toda a sua obra é dominada por essa nota emotiva, por esse accento de
viva sensibilidade que constituem a essencia do lyrismo. O amor, o
eterno amor, o enlevo da belleza, as torturas da paixão, as suaves
melancholias, os tedios enervantes, as graças preciosas da

galanteria,--são a substancia psychica da sua poesia.
Essas emoções sabia elle cristalisal-as n'uma forma requintadamente
perfeita e na maior variedade de tons e de estructura estrophica. Ha
poetas que se fixam n'um metro, ou pouco mais, e quasi não variam de

tonalidade. O verso de Feijó é ricamente polymorpho e a escala dos
seus tons muito extensa. A sua versificação tem amplitude e largueza;
mas, tem, egualmente, elegancia, frescura e graça. Esculpe
poderosamente o alexandrino, mas torneia delicadamente a redondilha
menor e modela, com arte, as mais extranhas formas da estrophe
composita.
Feijó, pelas qualidades do seu espirito refinado e distincto, não podia
ser um poeta popular. O seu publico, de _conhecedores_ e _dilettanti_
da arte pura, tendo o culto do bello e um gosto exigente, foi sempre um
circulo limitado, essa elite intellectual e esthetica, restricta em todos os
paizes, mas, naturalmente, muito restricta no nosso. Além d'isso, a sua
perfeita dignidade de escriptor e a sua aprumada linha moral,
tornavam-n'o avesso a todo o exibicionismo, a todo o reclamo, a todos
os secretos manejos de notoriedade banal.
Soffreu, sem duvida, a influencia da evolução litteraria do seu tempo.
Mas, no fundo, ficou sendo sempre quem era e não se curvou aos
ephemeros gostos do publico para lhe fornecer, como uma «moda de
estação», uma qualquer _camelotte_, que a sua facil destreza lhe
permittiria manipular com abundancia.
Delicado d'alma e, por isso mesmo, retrahido, tão probo de espirito
como de caracter, não vivendo da sua arte, mas para a sua arte, não
despresando a gloria, mas não requestando a popularidade ephemera e
superficial, Feijó realisou o typo acabado d'um puro artista, que, por
todas essas superiores qualidades, juntas ao talento, acaba sempre por
conquistar uma final consagração no mundo das lettras e das artes.
VI
A litteratura era a sua vocação. A diplomacia foi, na sua vida, um
occasional desvio de destino.
Quando se formou, Feijó pensou em advogar. E buscou iniciar-se no
officio, praticando no escriptorio de seu irmão José, que era, n'esse
tempo, um dos mais reputados causidicos do Minho. Não se entendeu,
porém, com os autos. A breve trecho, escrevia-me, dizendo-me que

desistia da sua tentativa forense e se lembrava de ir correr e ver
mundo... por conta do Estado, já que, para isso, lhe faltavam os meios
proprios. Pensára em ser consul.
A carreira consular tornara-se, então, a carreira favorita dos nossos
litteratos: eram consules o Barão de Roussado, Eça de Queiroz, Batalha
Reis, Jayme de Seguier, Coelho de Carvalho, Wenceslau de
Moraes,--talvez ainda outros que me não lembram agora. Feijó foi aos
concursos e, poucos mezes depois, despachavam-n'o para o Rio Grande
do Sul. Foi em 1886. Por essa occasião, o conselheiro Nogueira Soares,
modelo de funccionarios e um dos mais perfeitos homens de bem que
tenho conhecido, era nomeado nosso ministro no Rio. Feijó fez com
elle a viagem e, antes de ir para o seu posto, esteve uns mezes
trabalhando na legação.
Do Rio Grande passou para Pernambuco e de Pernambuco foi
transferido para Stockholmo. Ahi serviu com o legendario visconde de
Sotto Mayor, o famoso dandy e temivel parlamentar, havia
longuissimos annos aposentado em diplomata n'essa côrte
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