individualidade
caracterizou-se, marcou n'um forte relevo o seu perfil. A sua emoção
avivou-se e afinou-se. A sua technica apurou-se, desenvolveu recursos
excepcionaes. E assim se foi formando, de livro em livro, essa alta
figura litteraria,--uma pura e nobre figura de artista, consciencioso até á
meticulosidade no exercicio da sua arte, um mestre do verso e um
mestre da lingua, que, na sua obra, pouco volumosa, mas de
indiscutivel superioridade--_pauca sed bona_--deixou indelevelmente
marcada a grandeza do seu talento.
III
Um mestre, sim! Elle foi-o, não só entre os da sua geração, mas
tambem e mais largamente na nossa poesia contemporanea. Porque
ninguem o excedeu no manejo do verso, ninguem o trabalhou com mais
correcção metrica, mais relevo na phrase, mais arte, mais pericia
technica, ninguem lhe deu mais ductilidade, mais elegancia, mais
harmonia, mais sonoridade, mais riqueza de rimas, mais graça de
rythmo, do que o poeta excellente do _Cancioneiro Chinez_, da _Ilha
dos Amores_, do _Sol de Inverno_.
Nem durezas, nem frouxidões, nem hiatos, nem cacophatons, nem
alliterações mal soantes, nem _muletas_, nem rimas forçadas, nem
impropriedades arrepiadoras, nem a banalidade das imagens e das
phrases feitas, como _clichés_ sempre promptos para qualquer
reproducção.
Já nas _Transfigurações_ e nas _Lyricas e Bucolicas_, que são as suas
_juvenilia_, esse poder e segurança de technica se haviam revelado.
Mas foi no _Cancioneiro Chinez_ que se affirmaram decisivamente.
Feijó attingiu ahi o inexcedivel. Ainda me recordo do encanto com que
Anthero saboreava essas pequenas composições, finamente desenhadas
e coloridas como uma delicada pintura em porcelana ou um
_cloisonné_ ricamente esmaltado, commentando-as com um sobrio «É
perfeito!»--que, em tal bocca, valia os mais extensos e laudatorios
artigos de critica.
Sobre as traducções em prosa de Judith Gautier e embebendo-se, num
estudo profundo do assumpto, do espirito do lyrismo chinez, elle tentou
e levou a cabo essa paciente e admiravel reconstrucção que é o
_Cancioneiro_, dando á poesia nacional um raro e magnifico exemplar
da arte do verso.
Na _Ilha dos Amores_, o seu lyrismo intensifica-se e define-se, a sua
arte firma-se e completa-se.
A sensibilidade lyrica palpita nas tres partes do livro, quer n'essas
«velhas canções d'amor» da _Ilha_, (onde ha uma lindissima _Ignez_,
tão intensamente dolorida, e uma admiravel _Lady D. João_, d'um
baudelairianismo profundo e vibrante), quer nas adoraveis oitavas do
_Auto do meu affecto_, tocadas da mais delicada graça, quer nas
diversas poesias que formam a _Alma triste_, entre as quaes se
encontram, nas mais variadas notas, verdadeiras maravilhas d'arte.
Na plena posse dos seus dons de grande artista, o poeta realiza ahi o seu
anceio de perfeição plastica no verso, que elle nos formula n'estes
soberbos alexandrinos:
Oh Musa Antiga, d'olhos placidos, rasgados
No marmore d'um busto
aureolado e sereno!
Inspira-me e desvenda aos meus olhos nublados
A graça e a proporção do sentimento helleno.
Revela-me num
gesto os mais altos modelos
Do Verso lapidar, para n'elle esculpir
Com encantos de deusa e doirados cabellos,
Essa flôr de volupia a
tremer e a sorrir!
Ensina-me em segredo o genio incomparavel
De
poder transformar os versos que componho,
E d'um jacto fundir, com
uma arte impeccavel,
N'um distico immortal, a visão do meu Sonho!
Basta o oiro do Sol para a côr dos cabellos;
Para os olhos azues
basta o azul crystallino,
Se o Verso lapidar souber circunscrevel-os
N'um jambo grego ou n'um hexametro latino!...
Por entre este estrato lyrico rompem, na sua obra, veios de humorismo,
onde, n'um tom faceto, o poeta mantem todas as suas eminentes
qualidades de versificador.
Nas _Bailatas_, dadas a lume sob o pseudonymo de Ignacio d'Abreu e
Lima, o fidalgo senhor do Castello de Anha, estheta enygmatico e
extravagante, reuniu Feijó as composições d'este genero. E deixou nas
_Novas Bailatas_, cuja impressão se seguirá á d'este livro, uma segunda
série d'essas originalissimas poesias, mixto singular de ironia e de
sensibilidade, de graça buffa e de melancholia, que, ás vezes, parecem
haver sido escriptas por um Pierrot, ao mesmo tempo sentimental e
charivárico.
N'ellas ha, realmente, um fino espirito de farça, um extranho tom
joco-serio, transições bruscas da emoção para a gargalhada e da folia
incoherente para as lagrimas. A phrase mais grave termina n'uma
sahida jogralesca. A phantasia mais comica detona n'um grito de dôr.
Algumas d'essas poesias, como _Sideria_, _Felina_, _Lithurgica_ e
outras, são antigas e encantadoras parodias do decadismo e do
symbolismo, que, um momento, despontaram e floriram na litteratura
portugueza. Rimas difficeis e imprevistas, rythmos confusos e
atropellados, alliterações onomatopaicas, imagens exoticas e
sybillinas,--tudo isso, que era a essencia d'aquella esthetica e d'aquella
prosodia, é manobrado com uma dextreza inegualavel, uma phantasia
surprehendente, fazendo, d'essas caricaturas, trabalhos do mais fino e
requintado acabamento artistico.
Até n'essas _pochades_ em que elle desenfadadamente se comprazia,
dando sahida á sua _vis comica_, se sentia a mão habil e maravilhosa
do mestre.
IV
Mas _Sol de Inverno_ é, sem duvida, a sua obra prima.
No frontespicio, por baixo do titulo,--na realidade bello, mas
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