Sol de Inverno | Page 3

António Feijó
abundante
facundia.
Dois dias depois, a _Sebenta_ inseria, em appendice, este soneto
anonymo:
Quando o Martins deita falla
Sobre o Foral de Leão,
Palpitam de
commoção
Todos os cantos da sala.

Em saber ninguem o eguala!
Merece uma distincção
Quem refuta
San Simão
E o positivismo abala;
Quem leva ao fundo chaótico
Do Codigo Wizigothico
A branca luz
da manhã,
E, sendo um poço de sciencia,
Nos prova que, em descendencia,
É
bisneto de Ortolan!
Esta leve _boutade_ satyrica, d'uma factura correcta, bem versificada,
bem rimada, revelando uma facil e fina veia humoristica, fez successo.
O auctor escondera-se. Mas, dias depois, alguem o descobriu. Era
Feijó.
Não tardou muito que o seu nome passasse a ser conhecido nas rodas
litterarias de Coimbra. Já em Braga, onde fizera os preparatorios e onde
então João Penha, esse perfeito versificador, doutor «a quem as Musas
não fizeram mal», era venerado, e com justiça, como um mestre,--já em
Braga Feijó havia publicado, nas secções litterarias dos jornaes da terra,
algumas composições que denunciavam as suas notaveis disposições
poeticas. Era mais um poeta que o norte do paiz mandava a esse
Parnaso de Coimbra, onde, á falta d'uma Faculdade de Lettras, a doce
paisagem, os melancholicos olivedos do Penedo da Saudade, o encanto
do Mondego, com os seus pallidos renques de salgueiros, os seus
laranjaes todos floridos e rescendentes nas noites de maio, com os seus
orpheons de milhares de rouxinoes, com os seus luares de sonho que
tudo espiritualisam, e, sobre isto, a tradição dos grandes poetas que,
desde Camões e o bom Sá, por alli passaram, iniciavam as almas novas
nas emoções do lyrismo, desde a graça bucolica do idylio ou da egloga
á saudosa plangencia da elegia.
A geração academica, que, por esse tempo, floria em Coimbra, está,
póde dizer-se, na derradeira phase da sua declinação, vae a apagar-se de
todo no crepusculo do seu occaso. Talvez metade d'ella se tenha
sumido já na voragem da morte. E, dos que restam, muitos viram já
passada a _sua hora_, aquella em que a sua personalidade plenamente
se revelou no campo de acção para onde as suas faculdades os levaram.

A successão das gerações parece vertiginosa a quem observa a diluição
d'aquella a que pertenceu nas sombras do tumulo ou no silencio do
esquecimento...
E, comtudo, essa geração não foi inteiramente infecunda em

individualidades de accentuado valor. D'ella sahiram homens publicos
que longo tempo occuparam o tablado politico, homens de lettras que
marcaram na vida litteraria do seu tempo, homens de sciencia,
professores abalisados, causidicos illustres, artistas notaveis,--e até
soldados heroicos e gloriosos, porque, entre os nomes dos que mais
vieram a illustral-a, se conta o de Mousinho d'Albuquerque. Foi a
geração que celebrou, entre magnificas festas litterarias e artisticas, o
Centenario de Camões. Foi a geração que veio a exercer a sua
influencia na vida nacional na passagem do seculo XIX para o seculo
XX.
Seria uma diversão descabida e longa o tentar agora julgal-a nos seus
merecimentos e defeitos, o procurar fixar as caracteristicas do seu
espirito e criticar as suas idéas e a sua acção. Mas póde dizer-se que foi
uma geração culta, uma geração activa sem impulsivos nervosismos
revolucionarios, uma geração intellectualmente equilibrada e até
disciplinada, uma geração que começou a romper com as formulas
doutrinarias e a vêr com senso critico os problemas philosophicos, as
questões politicas e as theses estheticas. D'isto lhe proveio, talvez,
aquella pontasinha de scepticismo intellectual que, até certo ponto, lhe
contaminou a vontade. Esta faculdade precisa do apoio da convicção e
da fé para não fraquejar na suas funcções directivas da acção humana.
Litterariamente, ella produziu, sobretudo, poetas. Jayme de Magalhães
Lima e Trindade Coelho foram dos seus poucos prosadores. O verso
teve mais quem o cultivasse. E alguns d'esses cultores fizeram-n'o
notavelmente, como Feijó, Coelho de Carvalho, Silva Gayo, Luiz
Osorio, Queiroz Ribeiro, Alfredo da Cunha, para citar apenas os que
persistiram no officio e, pela publicação das suas obras, se
cathegorisam escriptores, por assim dizer, profissionaes.
Por esse tempo, as influencias dominantes estavam n'um momento de

transição. Passava-se do romantismo grandiloquente e hyperbolico de
Hugo, da apaixonada e vehemente sensibilidade de Musset, do
satanismo artificial e elegante de Baudelaire para a arte plastica,
esculptural e rutilante do parnasianismo, de que eram corypheus
illustres Gautier, o _parfait magicien ès lettres_, Bainville, o _virtuose_
do verso, o correcto e delicado Coppée, o solemne e marmoreo Leconte
de Lisle, e Sully Prud'homme, e Dierx, e Heredia, o inimitavel
cinzelador e esmaltador, cujos sonetos, ainda não colligidos nos
esplendidos _Trophées_, nos appareciam, uma ou outra vez, nas
revistas litterarias francezas.
Dos nossos, admirava-se, enthusiasticamente, João de Deus, Anthero,
Junqueiro, Gomes Leal e apreciava-se com deleite Penha e Gonçalves
Crespo,--todos esses que haviam sido os mestres das gerações
anteriores.
O espirito de Feijó vasou-se n'estes moldes e reflectiu as phases d'essa
evolução do gosto litterario. Mas, com o tempo, a sua
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