Santarenaida: poema eroi-comico | Page 8

Francisco de Paula de Figueiredo
zurros espantozos,
Com guerreiro valor tempesteando
Entre seus
inimigos, como um rio
De caudaloza enxente, que insofrivel
Na
alagada campina arranca, e arraza
Quanto lhe estorva á turbulenta
marxa,
Levava a toda a parte o orror, e a morte.
Acomete Achelóo
em manhas ábil,
Fáslhe cara o Eroi; quebraõse as lansas,
E dos

brutos c'o a furia abalroados
Pinxaõ das selas pelas ancas fóra.

Postos a pé aqui he que saõ elas:
Arrancaõ das espadas, talhaõ, cortaõ,

Estoqueiaõ, desmalhaõ: nasce fogo
Dos asos petiscado; ora se
curvaõ,
Ora em bicos de pés raivozos se erguem.
Os golpes se
amiudaõ, giraõ destras
As talhantes catanas: um sobre outro

Vantajem naõ conhese um'ora inteira.
Transforma-se Achelóo
d'improvizo
N'um dragaõ feio de farpada lingua:
Espanta-se o Eroi,
mas destemido
Sobre as azas um córte lhe aprezenta,
Que o fas
baquear em terra. Novamente
Em majestozo toiro convertido

Impetuozo avansa: entaõ por terra
C'o a forsa do boléo o Eroi caindo

Aos cornos se lhe agarra, e novo Alcides
O faria em pedasos desta
feita,
Se em mosca transformado, n'um momento
Lhe naõ foje futil,
cobarde, e fraco.
Entretanto a carnajem sanguinoza
Voando devastava o campo todo,

E d'ambos os exercitos provavaõ
Os nobres Capitains
dezasombrados
De valor naõ comum, naõ vulgar fama.
Mas a gente marinha desangrada
Do ferro Bacanal ja naõ podia
De
brutos taõ indomitos a sanha
Nas filas sustentar. Entra a dezordem,

E toca a retirar. Ja de Anfitrite
Aos palacios Reais se encaminhava

O férvido Titán palido, e triste
A darlhe a infausta nova da derrota,

Que em sua gente a seu máo grado vira.
Caindo as sombras vem dos
altos montes,
E d'uma, e d'outra banda sepultura
Se entra a dar aos
cadáveres que alastraõ
O campo da batalha, e daõ aos olhos
O
orrorozo matís que a Guerra estende.
[12] Caetano. O mencionado no Canto antesedente.
[13] Doutor Rito. Um dos papeloins mais celebres que o ocio nutre.
Ainda que nunca lhe lembrou seguir os estudos, andou nos primeiros
tempos de batina; foi Doutorado por seus mesmos Pais, e na sua
propria caza, servindolhe ums calsoins de riso azul da insignia de
capelo. Palra sempre de autoridade; he sorumbatico de natureza, e
quazi sempre anda com tericia. A sua caza he de orates.

[14] Xaves. Bebado da 2.ª espece: he de um notavel dezembaraso, de
uma verbozidade pasmoza, e de uma mania de fazer trovas insofrivel.
[15] Antonio do Ministro. Foi em Aveiro um dos Taverneiros
principais.
[16] Matrona. Uma _ejusdem furfuria_ bem conhecida no Porto pela
alcunha de Rainha.
[17] Serralheiro. Irmaõ do Gigante Dramuziando, filhos do Entuziasmo,
e da Fantazia.
*CANTO VI.*
Geme o Padre Oceano inconsolavel
No fundo de seu peito, e mais
aguda
Comesa a renovarse a dôr antiga.
O malogrado fim de seus
dezenhos
He um dardo punjente, que as entranhas
Lhe pica, e
despedasa; e quem naõ soube
Dos purpureos Erois ceder ás forsas,

Em fim cede á mortal melancolia.
Tanto póde a paixaõ n'uma alma
grande!
Fexase triste no tentorio Regio;
Nimguem ouza falarlhe; solitario

Só quer por companhia o pensamento.
Pasadas oito oras em silencio
Manda entrar os seus Cabos: pensativo

Sobre a meza encostado o cotovelo
Na maõ esquerda descansava o
rosto,
Gotejandolhe em lagrimas banhadas
As venerandas cans da
longa barba.
Amados filhos (vagarozamente
Tendo erguido o semblante macilento

Asim lhes dis) Amados filhos, nunca
Taõ fera atasalhou meu peito
forte
A tirana Paixaõ! Nunca minh'alma
Tanto vi afracar!... Fatal
derrota
Foi esta que no livro do Destino
Lavrada estava em
caratéres negros
Pela férrea maõ da atrós Desgrasa!
Nosas forsas
(as forsas invenciveis
Que tem amedrentado o mundo inteiro!)

Abatidas as vedes, destrosadas
Por barbaros Salvajems, por ums

brutos
Que nada por si tem mais que fortuna.
He pois tempo,
surjâmos acordados
Deste pelago vil de cobardia
Onde a triste
vergonha nos asoita.
Para o imigo venser quem se embarasa
Que
aja esforso, e valor, ou que aja dolo?
O que forsas naõ daõ, ardís
alcansem.
Todo aquele que vir que melhor póde
Ao exito xegar do
que intentamos
Meta maõs ao trabalho, dêse présa
E reduza a
pedasos esta canga
Que tanto no caxaso nos carrega.
Levantase do asento entaõ pacato
O Velho guardador dos grandes
Focas,
E no meio do cónclave luzido
Dest'arte descarrega a
consciencia.
Até'gora eu naõ quis a colherada
Nestas coizas meter; vós tendes feito,

Tendes acontecido, sem quererdes
Pedirme, nem ouvir os meus
concelhos,
Porem quando a tortura a tal extremo
As coizas vai
levando, oporme devo,
E servir a meu Rei, qual poso, e valho.
Os
Deuzes, caro Pai, tem-me ensinado
As coizas do por-vir caliginozo,

Eu antevi estes dezastres feios,
Mas eu sem ser forsado naõ predigo.

Por castigo talvês dos Deuzes fose
Ao voso dezacordo.... Porem
basta,
Ja tudo se pasou, agora eu mesmo
Tomar á minha conta a
empreza quero.
Socega, amado Pai, o Eroi da pinga
De meus tiros o
alvo a ser comesa.
Recobrou novos animos o Padre,
E do filho nos ombros sempre
firmes
O pezo descansou da grande guerra.
Proteo, que nos ardís exp'rimentado
Fôra sempre instrumento a mil
fasanhas;
E cuja calva frente laureada
De importantes facsoins
sempre saíra,
Um pouco sobre o cazo consid'rando,
Este acordo
felis contente abrasa.
Vaise ter com a Astucia enganadora.

He esta
uma rolisa Mosatona,
Que vestida de peles de rapoza,
E
empunhando na dextra um rico cetro
Domina sobre os omems;
manda, impera
Os indomitos tigres, quais cordeiros.

Em quanto pois bulindo dezenvolta
Lhe xamejaõ os olhos inquietos

Por ouvir o que quer dizerlhe o Velho,
Eu quero,
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