lhe dis ele, que te empenhes
Agora em socorrerme quanto
pódes.
De Baco um General meu inimigo,
Xamado por alcunha o
Santareno,
Do esforso ou da fortuna socorrido
Tem triumfado das
aguas. Oceano
Ja derrotada a flor de sua jente
Suspira inconsolavel.
Mas dos livros
Do tremendo Destino irrevogavel
Eu sei que o
Santareno ao ferro ao fogo
Naõ tem de dar a vida nas batalhas;
Pois
uma pouca d'agua em ora infausta
Bebida, ha de arrancarlhe ao corpo
o sprito.
O buzilis porem consiste agora
Em fazerlha beber sem que
ele o saiba,
Por quanto este animal temlhe odio eterno.
Todavia a
este laso que lhe tramo
Fugir naõ poderá. N'um arrabalde
Naõ lonje
da Cidade, brevemente
Farsehá uma funsaõ que ele naõ perde.
Aqui
pela canseira do caminho
Moído xegará, suado, e laso.
Forsozo he
pedir vinho, isto naõ falha.
Tu pois, que és marralheira, ásde mui
prestes
Em sua mesma Môsa transformarte;
E eu tornado em agua
facilmente
Na vazilha entrarei que tu lhe deves
Lampeira ministrar.
Ele sedento
Nem se he vinho, ou se he agua reparando
A enfuza
vazará no grande buxo.
Deste modo a meu salvo os intestinos
Ávido devorando o darei morto,
E terei concluido a grande empreza.
Vamos pois sem demora vem comigo.
Vamos onde quizeres; insofrida
A Astucia respondeu. E logo
promptos
Metidos n'uma nuvem negrejante
Tirada por seis Euros
rujidores,
Despejando coriscos sentelhantes
Ao orrorozo som d'um
trovaõ grande
Sobre a airoza Coimbra em fim baixáraõ.
Mas como
do Deleite o Santareno
Estava no país, ordena Próteo
Que a Astucia
dali sacar o fasa,
E á Cidade o conduza aonde a trama
Para o pobre
cair armar pertende.
Entre os longos Estados da Mentira
Infame Imperatris da maior parte
Da terráquea mole, junto ás fraldas
D'uma verde colina alcantilada,
Sobre um campo espasozo, plano, ameno
A que regaõ d'um rio as
mansas aguas,
A galante Cidade encantadora
Do vaidozo Deleite
está plantada,
A pálida Doensa, os Desprazeres,
Os Remorsos
crueis, a orrivel Morte
O cume senhoreiaõ do alto monte.
Mas o
Engano traidor, c'um tolde espêso
Tudo isto ávido encobre á gran
Cidade.
Nela tudo he prazer, tudo he descanso.
O povo abitador ao
ocio dado
Só cuida em divertirse: o Baile, o Jogo,
Os Cantos, a
Luxuria, os Boms-bocados
Aqui abítaõ ledos: pelas ruas
Amplas
Satisfasoins andaõ jirando
Ministros de seu Rei: seu Rei parese,
C'o
as fraudolentas côres que a Mentira
Arteira sobre modo o tem pintado,
Um rapás mui lousaõ de afavel jesto.
Aqui de toda a parte os povos correm
De seus serios deveres
deslembrados
A pedir a este Rei, quais seus dezejos,
Tais as
Satisfasoins, que outorga facil.
Aqui a avía vindo o Santareno,
E a
meiga sua Espoza a Santarena,
A pasar algums dias satisfeito
Do
fim da grande asaõ com que ultimando
A mais árdua vitoria
felismente,
Tinha a um nome de impávida memoria
Por entre o
ferro, e o fogo alcanse dado.
Mas a doloza Astucia que naõ sabe
Desvelada perder monsaõ de
efeito,
Por Próteo instigada, em continente
As cambiantes azas solta
aos ares,
Dá nele d'improvizo, e asim o ataca:
Dos remorsos se val
acuzadores;
E por uma maneira extravagante
De seu alto saber
somente propria,
C'o as cores da razaõ na triste ideia
Seu vil
procedimento lhe debuxa.
Faslhe ver com a mesma consciencia
Como he mais justo que um Eroi constante,
Que as desgrasas tratou
de bagatela,
Em as prosperidades naõ se infune.
Que naõ dê que
falar ao povo rude,
Que murmurante na Cidade o acuza
Pelo ver aos
prazeres taõ sensivel.
Que deve a sua caza retirarse,
Tirar do
vencimento util proveito,
Naõ confiarse em si, porque inda as Aguas
Estancado naõ tem as forsas vastas.
Aqui do astuto Anibal traslhe á
mente
E do Magno Pompeo exemplos vivos,
Que ja devem fazelo
escarmentado.
Em fim estas solicitas lembransas
De tal sorte do Eroi fervelhaõ
n'alma,
Que em si caindo parte rezoluto.
*CANTO VII.*
Entretanto em Coimbra amotinada
Era inda o pasmatorio inexplicavel
Por cauza do trovaõ medonho, e orrivel,
Que desde os fundamentos
abalára
As altas cazas, e fizera aos sinos
Por si mesmos tocar nos
campanarios.
Soava Saõ Jeronimo inda em partes,
E em outras
Santa Barbara bemdita
Com espantozos berros; e a vizinha
Á
timida vizinha inda contava
Das viboras de fogo côr de enxofre,
Que tortuozas rápidas caíraõ.
Os dois obézos vultos, que sozinhos
Pelas sombras da noite
caminhavaõ
Vinhaõ asustadisimos: em bica
Lhes corria o suor, e
sem falarem
Só vinhaõ nas camandolas sebentas
Ave Marias mil, e
Padre Nosos
Ums apôs outros engolindo a medo.
A caza em fim
xegáraõ, e por terra
Depois de averem dado aos Ceos as grasas
Pelos ter dos perigos defendido,
Entaõ uma Sobrinha por miudo
As
coizas lhes contou que se pasavaõ.
Diselhes, que depois que eles se
foraõ
Ao seu divertimento, na Cidade
Em nenhuma outra coiza se
falava
Senaõ no grande risco a que seu Tio
Tinha ficado exposto;
que entre dentes
Naõ sei que se rosnava; pois que o Xefe
Inimigo
tentava armar ocultas,
Fraudolentas traisoins; que era precizo
Cautela, e mais cautela: acrescentando
Que teve ums sonhos (de que
Deos nos livre)
Mesmo áquele respeito asás funestos.
No que naõ
creu o Eroi; porem Madama
C'o a noticia em extremo intimidada,
Asentando que ali avía agoiro,
Fês que viese a caza no outro dia
Uma ábil Franxinota a lerlhe a sina.
Asim foi: uma veio asás jocoza
De cabasa, e bordaõ, trincos nas repas
Formados em torcidos papelotes,
Pálidas maõs, agaloadas unhas,
Altas as saias com franjoins de lama,
Mursa nos ombros de ensebado
coiro
Com redondas conxinhas matizada,
E um de languidas ábas
xapeo ruso
Com varios em redor
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