Santarenaida: poema eroi-comico | Page 4

Francisco de Paula de Figueiredo
sorte
Na dansa estou metido: vou agora
As ordems
expedir que saõ precizas,
Fazer gente com forsa: paciencia!
Nós
para trabalhar nascemos todos.
Dáme cá qualquer coiza; um lombo
bonda
Bastaõ dois pains, duas canadas bastaõ.
Fes-se bem como um Padre, e muito fresco
Saiu a averiguar os seus

negocios.
*CANTO III.*
Neste tempo no imperio de Neptuno
Ja com todo o calor fervia a obra.

Os fortes Generais debaixo d'armas
Ja tinhaõ toda a jente, e á
Luzitania
Os vastos esquadroins marxando vinhaõ.
Aqui de
remotisimos Paízes,
De diversas Nasoins, diversas linguas
Vinhaõ
mandando Capitains diversos,
Aqui vinhaõ Varoins destes pixozos

A quem tudo lhe fede, e que somente,
Por cauza das corrutas
baforadas,
C'o vinho em odio eterno andáraõ sempre,
Aqui de mal
Francês, e de almorreimas
Um sem numero vinha de axacados:
Naõ
faltando dos cálidos a turba
A quem fizera sempre o vinho empôlas.

Era em tres batalhoins formada a Tropa,
Guiava um batalhaõ
Periclimeno[1]
Arrogante, e temido: outro Achelóo,[2]
E o terceiro
puxava á retaguarda
O velho Espozo da cerulea Doris.[3]
Aqui
vinha Protêo dos grandes Focas[4]
Regendo a tremendisima caterva.

Talhando as curvas ondas na vanguarda
Iaõ nadando cem Tritoins
desformes
Fazendo rebombar os buzios grandes.
E o Padre Oceano
comandante
Supremo deste exercito temivel
Girava dando as
ordems amontado
N'uma negra baleia monstruoza.
Xegáraõ do aureo Tejo em fim ás marjems,
Mas antes que o exercito
alojase,
Desta nova xegada em tom de guerra
Lhe foraõ dois
Trombetas a dar parte.
No centro d'uma gruta penhascoza,
Cujas ricas paredes eraõ d'oiro,

E branca madrepérola ondeante,
Sentado sobre a urna, respeitavel

C'o tridente na mão, e c'uma c'roa
De verdes limos na rugoza fronte

A embaixada resebe o Padre Tejo.
Quando asim dos Trombetas um
comesa.
Ja, Padre venerando, aos teus ouvidos

Xegaria talvês a novidade
Da
guerra que entre nós, e o Rei dos vinhos
Pouco ha se declarou. Naõ

me pertense
Os motivos da asaõ esmiunsarte:
Taõ somente a dizerte
sou mandado,
Que para dar principio á grande empreza
Para esta
Capital do imperio Luzo
Das Tropas Oceano á testa marxa.
Deves
pois vir falarlhe; que eu asento
Que tem primeiro aqui seu bico
d'obra.
Subia pelo rosto ao velho Tejo
Ao tempo desta fala uma alegria,

Que ja mais asomára ao seu semblante.
Levantase, o Palacio se
alvorósa,
E para ir esperar taõ grande xefe
As mais galhardas
Nimfas a si xama.
Duzentas niveas, engrasadas Naides
De lindos olhos, que em prazer
trasbordaõ,
Solto o negro cabelo gotejante
Presto ali se aprezentaõ
caprixozas.
Ao carro sóbe o Tejo, ao carro d'oiro
Que guapos, e das
muito-abertas ventas
Brotando soberboins torrentes d'agua,
Seis
cavalos marinhos vaõ tirando.
Em malhados golfinhos brincadores

Asentadas as Naiades o cercaõ.
O mar fas-se banzeiro, e longa esteira

Mansamente deixando a turba marxa.
Xegados que os dois Reis á fala foraõ
O Tejo rompe asim: Princepe
excelso,
Se um pobre feudatario, bem que indigno,
Qual eu sou,
gozar pode a onra eximia
De darte albergaria em seu palacio,
As
demoras desprende, e á minha gruta
Dignase vir a descansar um
pouco,
Aonde a noso comodo sentados
Da sorte dos Imperios
trataremos.
Oceano aseitou condescendente
Do Padre Tejo a simples rogativa,

E acolhendose á gruta majestoza,
Indignado meu Pai, dise Oceano,
Pela iniqua extorsão de seus direitos,

Que dos vinhos o Rei dezaforado
Das jentes com escândalo lhe ha
feito,
Intenta guerrealo. Ele em pesoa
Viria á expedisaõ, se de seus
anos
O pezo desta glória o naõ priváse.

Por tanto eu me incumbi
das suas vezes:
E como de sua Corte na asembleia
Para isto

convocada se asentase,
Que o comêso em teu Reino ser devia,
Visto
que o General dos inimigos
Em Coimbra rezide; pareseume,
Por
levarmos as coizas com mais ordem,
Que nesta Capital sem perder
tempo
A primeira faxina se fizese:
Depois, de meu poder com todo
o pezo
Em Coimbra caísemos. Aprouve
Ao Tejo este discurso; e
entaõ tratáraõ
De mais ponderasaõ quantos negocios
Para aquele
respeito mais tendiaõ,
Saõ xamados os Cabos a conselho,
E com
acordo unânime se adía
A seguinte manhan para o combate.
He contra um grande Cabo que se devem
Tomar as armas: naõ he Jan
Fernandes,
Nem Manel das Atacas o inimigo:
He contra o
fasanhozo Talaveiras[5]
Tortulho enorme de invejada fama,
Do
vinho na milicia experto, e vasto.
Tanto que alvoreseu, logo no campo
As trombetas orrísonas bramáraõ;

Cujo som de mistura c'o alarido,
E roucos atabales largo espaso

Os muros fes tremer, e a gran Cidade
Soberba fundasaõ do Grego
errante.
Ja promto o Talaveiras aguardava
De Cilenio o preseito a
pôr por obra.
Na frente de seus bebados soldados
Corajozo se
avansa: róxa altiva
Que as vagas sem pavor mujindo escuta.

Marxando vaõ as filas a compaso,
E d'uma, e d'outra parte
embravecido
O gradivo Mavorte asende os peitos.
As caixas daõ
final, travase a guerra;
De poeira uma nuve os ares turba;
Levantase
um clamor mais tezamente;
Redobraõse as pancadas, corre o sangue...

Nada ha mais lamentavel que uma guerra!
Foi renhida a peleja: longas oras
Pendeu a decizaõ n'ambas as partes.

Finalmente naõ sei que infausto cazo
Pôs dos vinhos o exercito em
dezordem,

Que naõ pôde aguentar sobre seus brasos
Dos aquozos
dragoins o carregume.
Perdem todos a côr, as armas largaõ.

(Entradas de leaõ, saídas d'asno!)
Cae aqui, cae ali, ums sobre os
outros
Vaõ indo aos trambolhoins. O Talaveiras
Reunilos intenta,
mas de balde.
He de balde bradar: diques naõ sofre
Torrente por
pavor precipitada.

No campo ficou so inteiro e forte.
O golpe universal caíu sobre ele.

Das setas, e das lansas acravado
Parecia um pinhal o grande escudo.

Nimguem ouzou xegarlhe, que da terra
Naõ fizese
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 16
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.