Santarenaida: poema eroi-comico | Page 5

Francisco de Paula de Figueiredo
vermelha a
superfice.
E que mais fês d'Olimpias o esforsado
Filho, o devastador do mundo
invicto,
Junto ao tronco, dos seus destituido,
Quando o muro saltou
dos Oxidracas?
Mas a Morte d'Erois sempre avarenta
Metida n'uma bala fulminante

As pernas lhe atravesa, e despedasa.
Acurva a grosa máquina
tremendo,
E em terra baqueando he maxucada
Do violento tropel
dos inimigos.
C'o este lanse _vitoria_ o Tejo brada:
Vitoria,
respondeu a xusma ovante,
Vitoria pelas aguas, viva, viva.
[1] Periclimeno: Neto de Neptuno, de quem recebeu o poder de se
metamorfozear.
[2] Achelóo: filho de Oceano. Namorouse de Dejanira amante de
Hercules. Hercules combateu com ele metamorfozeado em toiro,
arrancoulhe um corno, e venseu-o.
[3] O Velho, &c. Nerêo, filho de Oceano, e pai das Nereides.
[4] Protêo: vej. Virg. Georg. I. 4. v. 429.
[5] Um dos Taverneiros de grande conta que Lisboa teve. Na dilatada
teia de seus louvores saõ estes meus versos um romendinho.
*CANTO IIII.*
Foise em folias a seguinte noite.
Mas asim que a lus alma
avermelhando
No orizonte as globozas nuvemzinhas
Comesou a
doirar o cume aos montes,
A vensedora jente enfurecida
Respirando
outra ves carnajem, sangue,
Vai de rota batida, e compasada
Ao
som dos belicozos instrumentos
Demandar do Mondego as marjems

frescas.
A seu salvo xegando se alojárão.
Fas-se conselho, e por comum
acórdaõ
Para a um tempo levar ao Porto, e Aveiro
O terror, e a
vitoria Nerêo parte.
Em quanto isto asim pasa, ja Coimbra
Bem como um formigueiro
fervelhava
Atonita bradando. Eis muito conxo
Correndo á présa
contra seu costume,
Vem um cambaio tutelar das aguas,
O gago
Vitorino, e o Santareno[6]
Fanfarrão desta sorte dezafia.
Cá-cá fora me'amigo, cu na rua;
Á de ir aqui tu-udo c'o a maleita.
E
ve-ve-ve veremos, e veremos
Quem-quem leva a melhor:
xê-xegá'gora
Um nunca visto inzercito de jente;
Saõ co-como
mosquitos: se tem barbas,
S'hé-s'hé-s'hé-s'hé capás ponhase em
campo.
Qual grande Ferrabrás no xaõ deitado
Desprezando do garrulo
Oliveiros
O louco dezafio, o Eroi prestante
Do Rino desprezou o
stultiloquio.
Naõ se altera; em seu rubido semblante
Naõ poim o
Mêdo as cores da fraqueza.
Lijeiro, quanto sofre a corpulencia,
Á
trapeira alta sobe onde vijia;
E axando ser serta a guerra em caza,
Maõs perdidas, dis ele, saõ: ja'gora
Ou venser, ou morrer. Xamase ás
armas,
E toda a jente sua acode prestes.
Acodem d'Alemtejo, e
Estremadura
Bizarros Campioins: da Vidigueira,
Vila de Frades,
Borba, de Vilalva,
Setubal, e Palmela. De Lisboa
Axaõ-se os
Carcavélicos mansebos
De furibundo senho. Estaõ do Algarve
Mil
Soldados d'embarque destemidos,
Mil de sima do Doiro, e das
Bairradas;
E saõ mais de dés mil Coimbricenses.
Toda esta Soldadesca, he bem verdade,
Cavaleiros naõ saõ d'aureas
esporas:
Saõ rotos, bandalhoins, babozos, porcos;
Mas qualquer
deles um Eroi xapado
De inaudito valor, corajem suma,
Capás de se

avansar ao mesmo Alcides.
N'uma palavra bebados eternos.
Entrase a rezenhar: cazo estupendo!
Inda a mais d'um milhaõ monta a
rezenha.
Formarse vaõ da Feira ao grande largo.[7]
A linda
variedade em farda, e armas
Os olhos encantava: grande parte
Em
cambudos capotes romendados
A trouxe mouxe postos se rebusa:

Parte em mangas, e pernas, sem sombreiro,
Xeia de impavidês
caminha aos tombos.
Este trás um pixel, este trás quatro
No alforje
a tiracolo: um tres borraxas
De admiravel grandeza, e tudo xeio.

Armados todos vem muito á lijeira:
Nada de arnezes, peito
descuberto;
Á excesaõ dos rompentes granadeiros
Que feitos vaõ ali
cabides d'armas.
Com grevas, bacinetes, e lorigas
Bem poucos se
embarasaõ: a rodela,
A talhante farrusca colubrina,
A adaga, o
varapáo, a masa, o xuso,
Comforme cada um melhor se ajeita,
He
tudo quanto importa á mais da tropa.
Nas pezadas carretas rexinantes

Temivel ali vai das bocas negras
A ignívoma tormenta: até naõ
falta
Quem leve junto a si seu caõ de fila.
Entaõ sobre um jumento de atafona
Ricamente ajaezado, o Santareno

As odreas pernas escarranxa a custo.
Veste de bode um
tresdobrado coiro;
Poim um elmo de vides enlasadas
Na caveira
d'um tigre tremebundo
Que lhe a grande carranca asombra, e adorna,

E empunhando na dextra uma tarasca
De dilatada folha, vai bizarro

Puxando os batalhoins para o combate.
Tanto que do lugar alcanse ouveraõ,
E os raivozos imigos avistaraõ,

Fas alto o Santareno, expede as ordems,
As fileiras divide, o
campo asenta.
Depois entre um salseiro procelozo
De perdigotos
que da boca xove,
Da sua jente á testa asim troveja:
Lembrar-vos, generozos Camaradas,
O que ides a fazer, fôra
esqueserme
Até de quem vós fois: eu sei que o brio
A cada um de
vós outros alentados
Na ponta do naris brilhando salta.
Ou morrer,
ou venser: a cauza he nosa.
As Aguas de bazofia em vaõ naõ se enxaõ,


Custelhes caro se venser quizerem.
Corajem, meus amigos, oje a
gloria
Q'ate'qui se ganhou naõ vá perder-se.
Nos animos calou vinhi-potentes
De tal sorte a razaõ destas palavras,

Que cada um deles se reputa um raio,
E ja para envestir as trélas
roem.
Agora, ó Muzas, naõ falteis ao Vate,
Asopraime no peito o extinto
fogo,
Que he precizo cantar melhor que nunca
O combate maior
que os evos viraõ.
Deu sinal a trombeta Neptunina
Aspero, forte, atrós, e formidavel:

Nas cabesas as grenhas se arripiaõ,
Bate mais forte o corasaõ nos
peitos.
Comesaõ-se a mover as longas alas;
O medonho alarido se
levanta;
Daõ fogo os mosqueteiros; da descarga
Sobe rapido aos
Ceos enovelado
O denso negro fumo; c'o estampido
Os cavernozos
montes retumbando
Enxem tudo de orror. Dos grandes eixos

Parecia que a máquina do mundo
Sacodida, em pedasos
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