Santarenaida: poema eroi-comico | Page 3

Francisco de Paula de Figueiredo
e partiu voando o mensajeiro,
Até que as pandas azas
encolhendo,
Das letras, e das lamas sobre a Terra
Os talares pouzou
bordados d'oiro.
Era dia d'Entrudo, e nas baiúcas
O sujo canjirão vazando as pipas

Aos freguezes enxia os grandes copos.

Avia um confuzisimo barulho:

Ferviaõ da janela as laranjadas:
Surriadas, apupos, algazarras,
Os

esguixos, os pós, o rabo-leva
Tudo em dezordem poim. Vendo
Cilenio
Extravagancias tais pasmado fica.
Pensa naõ de Coimbra
ver os montes,
Sim da fertil Beocia o graõ Citéron
Retumbando
medonho em noite d'Orgias.
Entaõ do incomparavel Santareno
Na surtida taverna entre a balburda

Da fumoza vinhasa ardia o fogo.
_Mais meia canadinha_ de uma
parte
Caído o beiso, e os carregados olhos
A custo abrindo, c'uma
vos fanhoza
Pedia um dos da corja amotinada.
D'outra parte
fazendo uma carranca
Sobre tres azeitonas apostava
Outro que tal
que xuparia um frasco.
Qual aos murros andava; qual seis copos

Tendo ja feito em cacos, com nos'ama
Ateimava furiozo em naõ
pagarlhos.
Daqui aos encontroins ums vinhaõ vindo
Afétando de
serios; esbarravaõ
Comsigo nas esquinas dali outros.
Mas o Filho de Maia cautelozo
Opurtuna monsaõ de entrar espreita.

Em fim axa uma aberta, lestes rompe,
Dá sinal, tem lisensa, á sala
sobe,
E d'ambos os Espozos poinse á face,
Declaralhes quem he, de
quem mandado,
E da sua Embaixada o fim precizo.
Sem saber o que fasaõ, largo espaso
Ficárão um e outro
embasbacados.
Ele indo com as mãos logo á cabesa
Cosávase, e na
sordida poltrona
Aflito _stare loco nesciebat_:
Ela está feito, la
melhor compunha
O seu recado. Finalmente o tempo
Ja fazia dar
oras ás barrigas,
E devia jantarse. A Liberdade
Entaõ
dezempesando as linguas rudes
A terreiro os tirou, e mais ouzados

Entrárão a seu modo a perguntarlhe
Alegres sobre Baco muitas coizas,

Muitas sobre Sileno. Dos guizados
Da meza o xeiro ja neste
comenos

Consolava os narizes circumstantes.
Pedida a taõ grande
ospede lisensa
Subito se arregasa o Santareno,
E rogando o onráse,
á cabeseira
Da bem provida meza, instanciozo
Para um pouco
comer fes asentalo.
Ja no vidro dos pratos retiniaõ
Resaltadas da carne as trinxadelas.


(Podiaõse na gula encarnisados
Ver os gordos Consortes dando aos
buxos
Tasalhos de prezunto tremendisimos!)
Mastigando apresados
resmungavaõ,
E do ospede em onra mil saudes
Uma apos outra sem
sesar faziaõ.
Mercurio da franqueza naõ pensada
O fausto aparatozo em tal
albergue
Naõ podia admirar quanto era justo,
Porque alem das
perguntas enfadonhas
A que cortês com présa respondia,
De um
pouco reparar deixar naõ pôde
Nos vetustos paineis enfarruscados

Que adornavaõ em roda a estreita sala.
Em um deles se via inda no berso
Entregue a Ino o pequenino Baco

Tendo as Nimfas em torno, e juntamente
As Hiadas, e as Horas. Logo
n'outro
Ja crescido plantava o bom bacelo,
Ja o campo baldio
agricultava.
Viase mais n'um majestozo quadro
O severo rigor de
seus castigos.
Estava de Licurgo o cazo infando;
Mas ja com negra
côr, ja roto o pano.
Com tudo ao natural se devizava
Golpeando ele
mesmo as pernas suas.
Aqui o filho de Echion Tebano
Pela sua
familia enfurecida
Se via cruelmente espedasado.
Ali de Meduline
o parricidio,
Mais abaixo Penthêo ás Furias dado.
Sobre tudo a fatal
metamorfoze
Se admirava em leaõ fulvi-comado
Nos gigantes
cevando ávida sanha.
Mas ja baixando o Sol, surgia a Noite.
Trata Mercurio de partirse
prestes;
Dos gordos Santarenos se despede,
Que falando ambos
juntos, em confuzo
So deixaõ perseber, que descansado
Seu Rei
pode ficar, que em quanto aos brasos
O valor asistir, naõ aõde as
Aguas
Como pensaõ, levar a sua avante.
E como ja nos cascos lhes
fervia
Em violentos caxoins o ardente sumo
A cabesa fazendolhes
pezada
Dar c'o a barba no peito, e sobre os olhos
Carregar
importuno o grave sono,
Na mal mexida cama empanturrados

Ambos foraõ jazer como dois odres.
Dormirão toda a noite os boms Alarves
Rezupinos roncando a sono

solto.
Eis lá sobre a manhan um se espreguisa,
E fazendo tres
cruzes sobre a boca
Enormemente aberta o outro acorda.
Saõ oras, dis o Eroi roufenhamente,
Trazeime eses calsoins, daime ca
a vestia.
Fora c'o a noite! ha muitos tempos nunca
Dormi noite pior!
Tudo eraõ pulgas,
Tudo sonhos, em fim tudo Diabos,
Até, por mais
sentir, a Mosazinha
No quarto me deixou fexado o gato,
Que toda a
santa noite andou miando.
Eu naõ persenti nada, dis Madama,
Pois
foi tal a quebreira, tal o sono,
Que bem podiaõ arrombar as portas,

E sem que eu dése fé. Bem, pois que queres,
O marido replíca, se tais
sonhos
Eu tive, que por mais que quis pôr olho
Logo eles me
espertavaõ: eu te conto.
Sonhei que estava eu na nosa quinta

Debaixo da nogueira ao pé da fonte
Sobre a relva dormindo a minha
sésta:
Eis senaõ quando d'uma vala surde
Correndo em torcicolos
uma cobra,
E me entra pela boca: aqui um pulo
Dei eu, naõ
persebeste? Eu naõ, dis ela.
Pois dei um grande pulo, e depois diso

Um pouco despertando, em sonolencia
Fui tornando a cair. E sonhei
muitas
Outras grandes desgrasas que me esquesem.
Tornou ela a
dizer: iso he verdade
Ás vezes taõbem tenho tantos sonhos,
Que me
fazem doer bem a cabêsa.
Porem vaite vestindo, anda deprésa
Se
queres almosar, que ja he tempo.
Tais réplicas, e tréplicas pasadas
Em fim a muito custo pos se fora,

E na larga cadeira escarranxado
Asim dezalojando, á Mulher dise.
Ora sabes mui bem, Consorte amada,
O onrado avizo que tivemos
ontem.
O noso Imperador axase aflito
C'o a guerra declarada por
Neptuno.
Eu sou um de seus xefes; e a minh'alma

Aspira a coizas
grandes. Desta
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 16
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.