Santarenaida: poema eroi-comico | Page 2

Francisco de Paula de Figueiredo
infrinjida nesta parte,
Exije que taõ
barbaras afrontas,
Por melhor se atalharem fims funestos,
Sejaõ
severamente castigadas.

Mas que lembrado da clemencia inata
Com
que as minhas asoins adornei sempre,
Perdoandolhe o mais, sómente
quero,
Que enfreando do vinho a audacia suma,
De oje em diante
perturbar naõ venha
Tranquilidades publicas; que a escolha
Em sua

maõ está de pás, ou guerra.
Se guerra pois quizer, logo em meu nome

Entaõ a ferro, e sangue lha declara.
Atento o feio Moso esteve á fala,
E cortando lijeiro as altas ondas

Da grande Niza em fim surjiu na praia.
Aqui tres vezes a torcida
conxa,
Que os gigantes na guerra amedrentára
Altamente tocou: do
som terrivel
Feridas as montanhas se abalárão:
Tremeraõ da Cidade
os abitantes;
E dando agudos guinxos, para os colos
Das mãis os
filhos pavidos fujiraõ.
O nobre Fundador de susto cheio
C'o a
estranheza do cazo, saber manda
O que he. Eis a Palacio conduzido

Por entre a multidão que concorria
Atonita, e turbada o Tritaõ chega.

A Embaixada repete, e carrancudo
Pela resposta taciturno aguarda.

O nobre Fundador da alegre Niza
Turbado um pouco esteve; mas
sem medo
Ao Trombeta falou desta maneira.
Ja mais no que o teu Rei oje me argúe
Eu tenho consentido, sem que
um uzo,
Um costume geral das Nasoins cultas
Com razaõ m'o
abone: eu não pertendo
Defraudar cada um de seus direitos.
O
costume fas lei: tenha Neptuno
O mesmo a seu favor, será contente.

Nem cuide ele talvês, que seus caprixos
Me faraõ aterrar: naõ sei
ser fraco.
Amease, guerreie: eu inda o mesmo
Sou, o conquistador
das Indias vastas.
He verdade que a pás em muito prézo;
Porem se
haõ de perderse os meus direitos,
Ou a guerra aceitar, a guerra aceito.
Com esta decizaõ partindo torna
O filho de Neptuno aos Thetios
campos.
A seu Pai a repete; o Velho brama,
E jura pela Stigie
tenebroza
Com toda sua Corte respeitavel
Fazer perpetua guerra ao
Rei soberbo.
Tocar manda a rebate; a Oceano imcumbe
O governo
do exercito, tentando
Os vinhos atacar em toda a parte.
Com tudo
porque sabe que entre os Luzos
Do inimigo poder o centro existe,

Aqui a mira poim, aqui rezolve
Fazer primeiro arder da guerra o fogo.
*CANTO II.*

Com um taõ importante rompimento
Revolvendo mil coizas na
lembransa
Largos dias andou atrapalhado
Da infelice Semele o
imberbe filho.
A pacifica inercia deleixada
Que em descanso puzera
este Rei forte
O tinha desprovido. O sangue seco
Nas pasadas
batalhas derramado
Se via inda nas lansas nas espadas
Ja da negra
ferruje carcomidas.
Tinhaõ teias de aranha os peitos d'aso,
Eraõ
ninhos de rato os capasetes.
Mas vendo dos aprestos a manobra
De
seus adversarios, ganha o fogo
Que pela longa pás perdido avia.

Prestes pasa depois a fazer gente;
O imperio se revolve, e os vinheos
povos
Á vós de seu Senhor ás armas velaõ.
Dobraõ-se sentinelas; os
avizos
Voando se despedem; e he precizo
Ter de acordo na asaõ os
mais famozos
Insignes Generais em cada Reino.
Daqui, bom Santareno, de teus dias
Comesou a estreitarse a larga teia.

Este o principio foi, estas as cauzas
Da tua nunca asás xorada
perda.
Avia em Portugal um Xefe experto
Na sordida Coimbra acastelado:

Diziase Joze, mas poucas vezes,
Que o brado de seu nome mais
notorio
Da terra lhe provinha aonde os lasos
De Himineu
ternamente o tinhaõ prezo.
Contase que saindo n'outro tempo
Este
novo Quixote aventureiro
Pelo mundo a ganhar glorioza fama
No
serviso do Rei dos bravos vinhos,
E querendo a uma nova Dulcinea

O governo entregar de seus morgados,
Ja que a Parca cruel lhe avia
feito
A vês primeira o tálamo dezerto;
Axára em Santarem uma
Matrona
So digna de um Eroi, so digna dele.
Na linhaje do sangue
descendia

D'onrados Campioins, d'Erois de pinga.
Inda nos altos
porticos pendentes
Conservavaõ-se os ramos de loireiro
Sem ter
interrupsaõ por brazoins d'armas,
Era ela bem talhada, o seu costado

Capás era da carga mais enorme.
Eraõ as suas faces dois prezuntos,

Seu garbo majestozo, o paso grave.
Tinha o traje mais simples,
mais modesto
Das modestas matronas do seu tempo.
De baeta um
jibaõ de longas abas
Lhe cobria a bojuda umanidade.
Dos grosos

cotovelos lhe pendiaõ
Alarves punhos de groseira estopa.
Cingialhe
em tres voltas ensebado
O carnudo caxaso um cordaõ d'oiro,

D'onde so nos Domingos pendurado
Se via um rocicler lonjevo, e
vasto,
Que pela antiguidade que inculcava,
Nas ricas enxurradas do
diluvio
Se asenta ser axado _in illo tempore_.
Namorouse o Varaõ, namorouse ela.
Uniraõse c'o vinculo sagrado,

E sendo sua Consorte Santarena
Quis taõbem Santareno apelidarse.
He pois precizo a este mandar ordems,
Baco perante si fás vir Cilenio,

E ufano asim lhe dis com rosto inteiro.
Eu tenho neste mundo um vasto imperio:
Meu nome em toda a parte,
ou mais, ou menos
He venerado; mas na Luzitania
Tenho o pezo
maior de minhas forsas.
Em Coimbra he o centro; ahi rezide
O
Cabo principal de meus exercitos,
O insigne Santareno. Nestes
termos
Desta guerra he forsozo darlhe parte.
Tu pois asim lhe dize:
Que abalados
Do sopro da Discordia os Povos Áqueos
Nos tem
guerra jurado, e alta vingansa:
Que cumpre rezistirlhes: boms
soldados
Prezentar em campanha; e dar conserva
Ao uzo
introduzido, á grata pose
De ser somente o vinho quem nas mezas

A sede satisfasa; porque he esta
A cauza principal de seus rancores.

Que eu dele a empreza fio; que entre os Luzos
Eu quero que ele só
sustente a guerra.
Depois um giro faze, e aos meus Soldados
De
toda a Luzitania que em Coimbra
Axarse devaõ logo intíma as
ordems.
Dise,
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