Salmos do prisioneiro | Page 6

Jaime de Magalhães Lima
passageiras. �� clara a encosta pedregosa, inculta, e a aldeia e o sobreiral em que se abriga. E os carvalhos da estrada e os pomares e a lhama prateada da oliveira, e o comoro espesso e a madresilva que nele tece a rede dos seus ramos, e o medronheiro verde reluzente, e o musgo do valado e os seixos brancos, esmaltando a charn��ca escurecida pelas hastes das urzes lutuosas, todos teem seu quinh?o na luz dos c��us, de todos ��le disse a formosura atrav��s do cristal dessa manh?, dessa aurora sem nuvem de dezembro. Aos olhos deslumbrados desvendou quanto a terra criou de mais altivo, quanto �� soberbo, grande e magestoso, e quanto de mais humilde ela gerou, quanto timidamente se escondeu nas pr��gas mais sombrias do seu manto. Em seu triunfo a luz os tem igualados; um s�� esplendor os enaltece.
E entre tanta riqueza que ela ostenta, em t?o pura gl��ria fascinando, quis estranho mist��rio que a esquecesse e, rebelde ao encanto, apenas visse e sentisse e amasse, subjugado, a rosa solit��ria mal aberta, derradeiro murmurio do rosal que penitentemente vai sofrer sua nudez sev��ra do inverno. S�� ela me prendeu e cativou, s�� por v��-la adorei a claridade e tudo o mais senti como dormindo, distante, inerte e frio, silencioso.
�� que, talvez, meu pobre cora??o e o ardor que o consome e ��le alimenta, sejam pouco e n?o bastem para adorar a doce palidez de uma s�� rosa!... �� que, talvez, prendido s�� �� rosa e transportado todo em seu perfume, nem assim lhe pagou, mesquinho e misero, o tributo do amor que ��le lhe deve!...
XI
?Sempre s��?[1] ali estava recolhida em sua estreita cela que habitava, na muda clausura de um retiro, sev��ramente n��, desadornado de quanto o luxo ordena, inventa e quer para saciar suas mortais do?uras e enganos.
[1] Quadro de Paul de Plument.
Respira austeridade aquela estancia, a cuja porta cessa, pro��bido, o rumor apressado dos escravos, comprados, seduzidos pelo oiro, para servirem a gula, o capricho e a indol��ncia dos fracos e orgulh��sos, abundando no f��usto, e ocultando nos fumos e vaidades da grandeza a mis��ria dos bens da alma e do corpo, um ser enf��rmo que a for?a desherdou e o animo robusto desconhece; e �� t?o pobre de alfaias a morada onde a vi ?sempre s��?, serenamente entregue ao seu scismar, que essas poucas, singelas, que l�� tem e s?o quanto lhe basta para amparo das rudes prova??es do seu viver, essas poucas alfaias da indig��ncia mais alargam em torno a solid?o do que quebram, em um tenue clamor, o ��rmo rigoroso da pousada.
Esplendor que a engrande?a, outro n?o tem, nem quer, nem recebeu, sen?o a luz do sol e a do crepusculo, e a da aurora, e o luar, e a estrela, e a palidez da nuvem errante, quanto dos c��us lhe vem, a visit��-la, infinitos e prodigos tesouros dos que a presen?a do Senhor protege. Pela fresta rasgada na parede, amplamente aberta �� sua ben??o, vem os ��stros ungir a solid?o e a obscura pobreza que a agasalha.
Mas, iluminada dessa luz bemdita, da luz vinda dos c��os, eis que a velhinha que na cela habita, e ali vi ?sempre s��? no seu sil��ncio, a am��-lo e a aquec��-lo repassando-o dos alentos gerados do seu peito, eis que vai l��r a folha desbotada e a desdobrou diante dos seus olhos, amortecidos para a luz do mundo. Uma estranha beleza a reanima; uma estranha do?ura lhe sorri e em seu rosto sorrindo acende a vida. N?o sei se �� de car��cia, se de d?r, se de saudade, esperan?a ou desengano; se entreviu, j�� distante, a juventude na branca t��nica que lhe foi seu manto, se �� a velhice que desce a arrebat��-la envolvida na sombra da sua m��goa. Por certo, s?o vis?es que ali adejam e o cora??o lhe nutre no seu sangue, aureolando-as da chama e do fulgor que do cora??o se ergue e o purifica, ora sinistramente, ora em gl��ria, e sempre consumindo-o na eternidade de um divino amor.
E entre vis?es que ent?o a rodeiavam, recitando-lhe os salmos, todos lidos no seio que sofrera e confi��ra a afectos e ternuras e carinhos a ventura e a sorte de um palpitar ardente, apaixonado de alegrias e penas e anseios, renasceu transmudada e foi feliz aquela que ?sempre s��? eu encontr��ra. Vi-a cercada de anjos em sua c?rte, que na pobreza tinham os seus pa?os e na lembran?a as ��nicas riquezas, e no sil��ncio sentem companheiros, no sil��ncio dizendo os seus mist��rios de do?ura e de paz e amor perene.
Nessa imagem em que a terra me mostrou na solid?o a bemaventuran?a, nessa imagem me tem prendido a terra, a rogar-lhe que acorde na minha alma os sonhos redentores, que ali sonhou aquela que eu segui na solid?o, e ali, na solid?o, edific��ra, de cristal
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