Salmos do prisioneiro | Page 5

Jaime de Magalhães Lima
quando o fumo dos casais se ergue e protege o t��pido repouso do trabalho, mais um lar se acendeu e palpitou �� beira da azinhaga, entre os ulmeiros.
Depois ainda, volvidos breves mezes de afei??o, os devaneios daquela enamorada de algum dia todos se trocaram por desvelos do ber?o e por cantares de mansid?o dolente enternecida em que a m?e aquecia o filho ao seio.
Criou seis filhos. Uns andam dispersos, al��m-mar, na aventura de cobi?as; outros ali habitam ao redor, nas aldeias visinhas donde avistam esse mesmo casal em que nasceram; e todos, em ch?o estranho ou terra patria, redizem fielmente as ora??es do trabalho e amor e cren?a e f�� que no rega?o materno repetiam.
Por fim, a aza negra, a viuvez!... As agonias de um alento que se esv��e, esperan?as que se apagam dia a dia; e a morte e o seu sil��ncio desolado que levaram do lar o companheiro; e a escurid?o da fr��gida vig��lia escutando debalde aquela voz que n?o mais voltar�� contar-lhe as horas; e o cansa?o do mundo, inerte e p��lido, porque j�� n?o o aquece nem ilumina a chama do cora??o que o iluminava.
A terra, para a viuva, era um crep��sculo, tal qual ��sse suave entardecer em que serena me contou o romance da sua vida austera e prolongada, vivida s�� para amar e para servir, e ainda agora servida com afecto ao renovar-se na lembran?a amorosa que a evocava e parecia beijar-lhe o rasto e os passos pelos quais seguira a receber de Deus, como esmola bemdita da sua gra?a, a amargura, a alegria, o riso e o pranto, quanto em sua vontade ��le mandasse.
Ao ouvir as palavras da viuva, no meu peito sentindo transfundir-se toda a ventura e d?r que ela sentiu, bebi o calice que me descerrava, aquele calice que o Senhor lhe d��ra, e fui cativo em minha alma e prisioneiro at�� do proprio am?r que outros amaram.
IX
Companheira fiel da minha estrada, sempre a meu lado a m��goa me seguiu.
Comigo ela subiu ��quela altura onde feliz me viu e amorteceu venturas passageiras de um momento. Entre alegrias a senti guardar-me. Calcou passo a passo o meu calv��rio, entoando-me os salmos da sua cren?a, sua f�� compassiva e resignada em que a esperan?a, desfeita e convertida no supl��cio da desilus?o, nem assim foi maldita ou desamada. Em todo o seu poder me iluminou; na sua mansid?o curou as feridas do rigor de infort��nios e tormentos, e na sua amargura saciou-me toda a s��de de amor do cora??o que por amar bemdiz o seu mart��rio.
J�� no ber?o a encontrei a bafejar-me com o seu t��pido alento aquelas l��grimas, cl��ras, abundantes e div��nas com que Deus me banhou a meninice. Ouvi o seu lamento dominando o rouco clamor das multid?es que entre o terror nos fere a consciencia. Entorpeceu-me os bra?os na batalha a que fui disputar os bens da terra. Quebrou-me a crueldade em seu desvairo. Carinhosa, protege-me a velhice. Ou abril desfolhasse as suas rosas, ou novembro arrastasse os seus despojos, ou as ��guas dissessem seus encantos, ou no monte adorasse a magestade, em toda a natureza, na mais feliz e doce e sorridente como entre a inclemencia a mais sev��ra, ouvi a voz de m��goa redizendo-me desenganos do mundo e consolando-me, na consola??o bemdita de a sentir.
E quanto mais deserta foi a estrada e mais cerrado e fundo o seu sil��ncio, mais quis �� m��goa que me acompanhou; a�� me possuiu inteiramente, e a�� se me entregou, candidamente, isenta de temor e de segredo. Essa foi a que mais amei na terra; foi essa que eu beijei na solid?o, nascida do meu peito e nele oculta de corrompidos olhos que a profanem, no meu peito habitando e respirando sua d?r e mudez, seu alimento, no meu peito guardada e aquecida, para s�� viver com ��le e a�� morrer, ao abrigo do mundo e da trai??o, para s�� viver emquanto ��le viver, revestida dos v��us do seu pudor, reclusa que nutro do meu sangue e j��mais beber�� outro sustento.
Essa foi minha luz e companheira. Essa teve a pureza dos sacr��rios. Essa me exaure a vida, e por sofr��-la eu quereria para sempre a vida, aquela vida a que a m��goa me prendeu.
X
Rompeu clara a aurora de dezembro. O vento da manh? desce dos montes difundindo a secura s?bre a terra. As neblinas alvas carinhosas, ��speramente proscritas pela briza que do oriente corre a persegu��-las, mal se suspeitam longe s?bre o mar, exiladas do rio em que vogavam, brandamente cobrindo as suas ��guas, e banidas do vale onde habitavam, tranquilas, seguras, resguardadas no repouso do prado entre os salgueiros.
Um translucido c��o vem acordar a mais pequenina forma ignorada. �� clara a montanha e o pinheiral, e a inquieta??o da ��gua da levada e o ribeiro profundo em que ela amaina as serenadas ondas
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 17
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.