Só | Page 8

António Nobre
1891.
16
Vae para um Convento!
Falhei na Vida. Zut! Ideaes caidos!?Torres por terra! As arvores sem ramos!?ó meus amigos! todos nós falhamos...?Nada nos resta. Somos uns perdidos.
Choremos, abracemo-nos, unidos!?Que fazer? Porque n?o nos suicidamos??Jezus! Jezus! Resigna??o... Formamos?No mundo, o Claustro-pleno dos Vencidos.
Troquemos o burel por esta capa!?Ao longe, os sinos mysticos da Trappa?Clamam por nós, convidam-nos a entrar...
Vamos semear o p?o, podar as uvas,?Pegae na enxada, descal?ae as luvas,?Tendes bom corpo, Irm?os! Vamos cavar...
Coimbra, 1889.
17
A Fran?a!
Vou sobre o Oceano (o luar de lindo enleva!)?Por este mar de Gloria, em plena paz.?Terras da Patria somem-se na treva,?Agoas de Portugal ficam, atraz...
Onde vou eu? Meu fado onde me leva??Antonio, onde vaes tu, doido rapaz??N?o sei. Mas o vapor, quando se eleva,?Lembra o meu cora??o, na ancia em que jaz...
ó Luzitania que te vaes á vela!?Adeus! que eu parto (rezarei por ella...)?Na minha Nau Catharineta, adeus!
Paquete, meu paquete, anda ligeiro!?Sobe depressa á gavea, marinheiro,?E grita, Fran?a! pelo amor de Deus!...
Oceano Atlantico, 1890.
18
Tempestade!
O meu beliche é tal qual o bercinho,?Onde dormi horas que n?o vêm mais.?Dos seus embalos já estou cheiinho:?Minha velha ama s?o os vendavaes!
Uivam os ventos! Fumo, bebo vinho.?O vapor treme! Abra?o a Biblia, aos ais...?Covarde! Que dirá teu Av?zinho,?Que foi moreante? Que dir?o teus Paes?
Coragem! Considera o que has soffrido,?O que soffres e o que ainda soffrerás,?E ve, depois, se accaso é permittido
Tal medo á Morte, tanto apego ao mundo:?Ah! f?ra bem melhor, vás onde vás,?Antonio, que o paquete fosse ao fundo!
Golpho de Biscaya, 1891.
19
Continua a Tempestade
Aqui, sobre estas aguas cor de azeite,?Scismo em meu lar, na paz que lá havia:?Carlota, á noite, ia ver se eu dormia?E vinha, de manh?, trazer-me o leite...
Aqui, n?o tenho um unico deleite!?Talvez... baixando, em breve, á Agoa fria,?Sem um beijo, sem uma Ave-Maria,?Sem uma flor, sem o menor enfeite...
Ah! podesse eu voltar á minha infancia!?Lar adorado, em fumos, a distancia,?Ao pé de minha Irm?, vendo-a bordar...
Minha velha aia! conta-me essa historia?Que principiava, tenho-a na memoria,??Era uma vez...?
Ah deixem-me chorar!
Canal da Mancha, 1891.
20
Vaidade, Tudo Vaidade!
Vaidade, meu amor, tudo vaidade!?Ouve: quando eu, um dia, for alguem,?Tuas amigas ter-te-?o amizade,?(Se isso é amizade) mais do que, hoje, têm.
Vaidade é o luxo, a gloria, a caridade,?Tudo vaidade! E, se pensares bem,?Verás, perdoa-me esta crueldade,?Que é uma vaidade o amor de tua m?e...
Vaidade! Um dia, foi-se-me a Fortuna?E eu vi-me só no mar com minha escuna,?E ninguem me valeu na tempestade!
Hoje, já voltam com seu ar composto,?Mas eu, ve lá! eu volto-lhes o rosto...?E isto em mim n?o será uma vaidade?
Mar do Norte, 1891.
21
Paz!
E a Vida foi, e é assim, e n?o melhora.?Esfor?o inutil, crê! Tudo é illuz?o...?Quantos n?o scismam n'isso mesmo a esta hora?Com uma ta?a, ou um punhal na m?o!
Mas a Arte, o Lar, um filho, Antonio? Embora!?Chymeras, sonhos, bolas de sab?o.?E a tortura do _além_ e quem lá mora!?Isso é, talvez, minha unica afflic??o...
Toda a dor pode suspportar-se, toda!?Mesmo a da noiva morta em plena boda,?Que por mortalha leva... essa que traz...
Mas uma n?o: é a dor do pensamento!?Ai quem me dera entrar n'esse convento?Que ha além da Morte e que se chama A Paz!
Pariz, 1891.
22
Epilogo
Meu cora??o, n?o batas, pára!?Meu cora??o, vae-te deitar!?A nossa dor, bem sei, é amara,?A nossa dor, bem sei, é amara...?Meu cora??o, vamos sonhar...?Ao mundo vim, mas enganado.?Sinto-me farto de viver:?Vi o que elle era, estou massado,?Vi o que elle era, estou massado...?N?o batas mais! vamos morrer...?Bati á porta da Ventura?Ninguem m'à abriu, bati em v?o:?Vamos a ver se a sepultura,?Vamos a ver se a sepultura?Nos faz o mesmo, cora??o!?Adeus, Planeta! adeus, ó Lama!?Que a ambos nós vaes digerir...?Meu cora??o, a Velha chama,?Meu cora??o, a Velha chama...?Basta, por Deus! vamos dormir...
Coimbra, 1888.
*Carta a Manoel*
Manoel, tens raz?o. Venho tarde. Desculpa.?Mas n?o foi Anto, n?o fui eu quem teve a culpa,?Foi Coimbra. Foi esta paysagem triste, triste,?A cuja influencia a minha alma n?o reziste,?Queres noticias? Queres que os meus nervos fallem??Vá! dize aos choupos do Mondego que se callem...?E pede ao vento que n?o uive e gema tanto:?Que, emfim, se soffre abafe as torturas em pranto,?Mas que me deixe em paz! Ah tu n?o imaginas?Quanto isto me faz mal! Peor que as sabbatinas?Dos ursos na aula, peor que beatas correrias?De velhas magras, galopando Ave-Marias,?Peor que um diamante a riscar na vidra?a!?Peor eu sei lá, Manoel, peor que uma desgra?a!?Hysterisa-me o vento, absorve-me a alma toda,?Tal a menina pelas vesperas da boda,?Atarefada mail-a ama, a arrumar...?O vento afoga o meu espirito n'um mar?Verde, azul, branco, negro, cujos vagalh?es?S?o todos feitos de luar, recorda??es.?á noite, quando estou, aqui, na minha toca,?O grande evocador do vento evoca, evoca?Nosso ver?o magnifico, este anno passado,?(E a um canto bate, alli, cardiaco, apressado,?O tic-tac do relogio do fog?o)...?Bons tempos, Manoel, esses que já lá v?o!?Isto, tu sabes? faz vontade de chorar.?E, pela noite em claro, eu fico-me a scismar,?Triste, ao clar?o da lamparina que desmaia,?Na existencia que tive este ver?o na praia,?Quando,
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