Só | Page 9

António Nobre
mal na amplid?o, vinha arraiando a aurora,?Ia por esse mar de Jezus-Christo fóra,?No barco á vela do moreno Gabriel!?Vejo passar de negro, envoltas n'um burel,?Quantos sonhos, meu Deus! quantas recorda??es!?Phantasmas do passado! encantadas viz?es!?Que, embora estejam lá, no seu paiz distante,?Oi?o-as fallar na minha alcova de estudante.
Minhas viz?es! entrae, entrae, n?o tenhaes medo!
ó Rio Doce! tunnel d'agoa e de arvoredo!?Por onde Anto vogava em o wagon d'um bote...?E, ao sol do meio dia, os banhos em pelote,?Quando iamos nadar, á Ponte de Tavares!?Tudo se foi! Espuma em flocos pelos ares!?Tudo se foi...
Hoje, mais nada tenho que esta?Vida claustral, bacharelatica, funesta,?N'uma cidade assim, cheirando, essa indecente!?Por toda a parte, desde a Alta á Baixa, a lente!?Bem me dizias tu, como que adivinhando?O que isto para mim seria, Amigo, quando?O anno passado, vim contra tua vontade?Matricular-me, ahi, n'essa Universidade:??Anto n?o vás...? dizias tu. Eu, fraco, vim.?Mas certamente, é natural, n?o chego ao fim.?Ah quanto f?ra bem melhor a formatura,?Na Escola-Livre da Natureza, M?e pura!?Que optimas prelec??es as prelec??es modernas,?Cheias de observa??o e verdades eternas,?Que faz diariamente o Proff. Oceano!?Já tinha dado todo o _Cora?ao Humano_,?Manoel! faltava um anno só para acabar?Meu curso de Psychologia com o Mar.?Porque troquei pela Coimbra inutil, v?,?Essa Escola sem par, cujo reitor é Pan??Talvez... pregui?a, eu sei... A cabra é a cotovia:?As aulas, lá, come?am mal aponta o dia!
Que tedio o meu, Manoel! Antes de vir, gostava.?Era a distancia, o _além_, que me impressionava:?Tinha a poezia do sol-por, d'uma esperan?a.?Mas, mal cheguei (que espanto! eu era uma crian?a...)?Tudo rolou no solo! A Tasca das Camellas?Para mim, era um sonho, o céu cheio de estrellas:?Nossa Senhora a dar de ceiar aos estudantes?Por 6 e 5! Mas ah! foi-se a Virgem d'antes,?Tia Camella... só ficou a camelice.
Comtudo, em meio d'esta futil coimbrice,?Que lindas coisas a lendaria Coimbra encerra!?Que paysagera lunar que é a mais doce da Terra!?Que extraordinarias e medievas raparigas!?E o rio e as fontes? e as fogueiras? e as cantigas??As cantigas! Que encanto! Uma diz-te respeito,?Manoel; é um sonho, é um beijo, é um amor-perfeito?Onde o luar gelou: ?Manoel! t?o lindas mo?as!?Manoel! t?o lindas s?o...?
Que pena que n?o ou?as!
Quero mostrar-te Coimbra. Has-de gostar. Partamos.?Dá-me o teu bra?o e vem d'ahi commigo, vamos!
Olha... S?o os Geraes, no intervallo das aulas.?Bateu o quarto. Ve! Vem sahindo das jaulas?Os estudantes, sob o olhar pardo dos lentes:?Ao vel-os, quem dirá que s?o os descendentes?Dos navegantes do seculo XVI??Curvam a espinha, como os aulicos aos reis!?E magros! tristes! de cabe?a derreiada!?Ah! Como h?o-de, amanh?, pegarem uma espada!?--E os doutores?--Ahi, os tens graves, á porta.?Porque te ris? Olhal-os tanto... Que te importa??Ha duas excep??es: o mais, s?o todos um,?Quaresma d'alma, sexta-feira de jejum...?N?o quero entanto, meu Manoel, que vás embora?Sem ver aquelle amor que esta alma adora, adora:?Olha, acolá. Gigante, altivo como um cedro,?Olhando para mim com ternura: é o meu Pedro?Penedo!
ó Pedro da minh'alma! meu amigo!?Que feliz sou, bom velho, em estudar comtigo!?Mal diria eu em pequenito, quando a ama?Para eu me callar, vinha fazer-me susto á cama?Por ti chamava: Pedro! e eu socegava logo,?Que eras tu o _Pap?o_! A ama, de olhos em fogo,?Imitava-te o andar, que n?o era bem de homem...?Eu tinha birras?--Ahi vem o lobishomem!?Dizia ella.--Bate á porta! Truz! truz! truz!?E tu entravas, Pedro, eu via! Horror! Jezus!
Meu velho Pedro! meu phantasma de crian?a!?Quero-te bem, tanto que tenho na lembran?a,?Quando morreres, Pedro! (o Pedro nunca morre)?Hei-de pegar em ti, encher de alcool a Torre?Com todo o meu esmero e, zás! metter-te dentro!?Pedro! assim ficas enfrascado, ao alto e ao centro,?E eternamente, para espanto de vindoiros:?No rotulo porei: Alli-Bed, Rei dos Moiros.
Mas... toca a recolher. Dou uma falta: embora!?Saiamos...
Manoel, vamos por ahi fóra?Lavar a alma, furtar beijos, colher flores,?Por esses lindos, deliciozos arredores,?Que vistos uma vez, ah! n?o se esquecem mais:?Torres, Condeixa, Santo Antonio de Olivaes,?Lorv?o, Sernache, Nazareth, Tentugal, Cellas!?Sitios sem par! Onde ha paysagens como aquellas??Santos Logares, onde jaz meu cora??o!?Cada um é para mim uma recorda??o...
Condeixa?
Vamos ao arraial que, alli, ha.?--Sol, poeira, tanta gente!--é o mesmo, vamos lá!
Olha! Estudantes, dando o bra?o ás raparigas,?Caras de leite, olhos de luar, tran?as d'estrigas;?Arrancam-lhes do seio arfando as violetas,?Aos hombros d'ellas poem suas capas pretas:?Que deliciosos estudantes que ellas ficam!?Velhos alde?es que tudo vêm, mas n?o implicam,?Porque, em summa, que mal pode fazer um beijo,?Vem até nós, sorrindo, aproveitando o ensejo,?Com o chapéu na m?o, simples e bons e honrados:?Vêm consultar-nos, porque ?somos advogados?E sabemos das leis...? O que devem fazer?Ahi, n'uma quest?o, n'uma quest?o qualquer?D'agoas com um vizinho: é tal a cheia d'ellas?Que estraga as planta??es!--Que h?o-de fazer? Bebel-as!?E v?o-se, assim, jurando aviar nossos conselhos...?Ai de vós! Ai das vossas agoas, pobres velhos!
Tentugal?
Que manh?! E n?o quereres vir...?Pega nas luvas, no chapéu. Vamos partir.?é logo alli: quinze kilometros, é perto.?Espera-nos o Toy, extasia-se o Alberto,?Pela janella d'esse mundo amplo e rasgado!?Que lindo dia! ó sol, obrigado, obrigado!?Paysagem outomnal, alegra-te tambem!?Hoje,
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