Só | Page 7

António Nobre
Esperan?a?Acompanharam-n'o ao jazigo obscuro,?E recebeu, segundo a velha usan?a,?A chave do caix?o o meu Futuro.
Hoje, ambulante e abandonada Ermida,?Leva-me o fado, á bruta, aos empurr?es,?Vá para a frente! Marcha! á Vida! á Vida!
Que hei-de fazer, Senhor! o qu'é que espera?Um bacharel formado em illuz?es?Pela Universidade da Chymera?
Boa Nova, 1887.
6
Conde
Na praia lá da Boa Nova, um dia,?Edifiquei (foi esse um grande mal)?Torre?o de gloria, o que é a phantasia,?Todo de lapis-lazzuli e coral!
N'aquellas redondezas, n?o havia?Quem se gabasse d'um dominio egual:?Oh o Torre?o de gloria! parecia?O territorio d'um Senhor-feudal!
Um dia, n?o sei quando, nem sei d'onde;?Um vento secco de tortura e spleen?Deitou por terra, ao pó que tudo esconde,
O meu condado, o meu condado, sim!?Porque eu já foi um poderoso Conde,?N'aquella idade em que se é conde assim...
Porto, 1887.
7
ó Virgens!
ó virgens que passaes, ao sol-poente,?Pelas estradas ermas, a cantar!?Eu quero ouvir uma can??o ardente?Que me transporte ao meu perdido lar...
Cantae-me, n'essa voz omnipotente,?O sol que tomba, aureolando o mar,?A fartura da seara reluzente,?O vinho, a gra?a, a formozura, o luar!
Cantae! cantae as limpidas cantigas!?Das ruinas do meu lar desatterrae?Todas aquellas illuz?es antigas
Que eu vi morrer n'um sonho, como um ai...?ó suaves e frescas raparigas;?Adormecei-me n'essa voz... Cantae!
Porto, 1886.
8
á Luz de Lua!
Iamos sós pela floresta amiga,?Onde em perfumes o luar se evola,?Olhando os céus, modesta rapariga!?Como as crian?as ao sair da escola.
Em teus olhos dormentes de fadiga,?Meio cerrados como o olhar da rola,?Eu ia lendo essa ballada antiga?D'uns noivos mortos ao cingir da estola...
A Lua-a-Branca, que é tua avozinha,?Cobria com os seus os teus cabellos?E dava-te um aspeto de velhinha!
Que linda eras, o luar que o diga!?E eu compondo estes versos, tu a lel-os,?E ambos scismando na floresta amiga...
Porto, 1884.
9
Desobriga
Os meus peccados, Anjo! os meus peccados!?Contar-t'os? Para que, se n?o têm fim...?Sou santo ao pé dos outros desgra?ados,?Mas tu és mais que santa ao pé de mim!
A ti accendo cyrios perfumados,?Fa?o novenas, queimo-te alecrim,?Quando soffro, me vejo com cuidados...?Nas tuas rezas, lembra-te de mim!
Que eu seja puro d'alma e pensamento!?E que, em dia do grande julgamento,?Minhas culpas n?o sejam de maior:
Pois tenho, que o céu tudo aponta e marca,?Um processo a correr n'essa comarca,?Cujo delegado é Nosso Senhor...
Hamburgo, 1891.
10
Que Aborrecido!
Meus dias de rapaz, de adolescente,?Abrem a bocca a bocejar sombrios:?Deslizam vagarozos, como os rios,?Succedem-se uns aos outros, egualmente.
Nunca desperto de manh?, contente.?Pallido sempre com os labios frios,?Oro, desfiando os meus rozarios pios...?F?ra melhor dormir, eternamente!
Mas n?o ter eu aspira??es vivazes,?E n?o ter, como têm os mais rapazes,?Olhos boiando em sol, labio vermelho!
Quero viver, eu sinto-o, mas n?o posso:?E n?o sei, sendo assim, emquanto mo?o,?O que serei, ent?o, depois de velho...
Bellos-Ares, 1889.
11
Poveiro
Poveirinhos! meus velhos pescadores!?Na Agoa quizera com vocês morar:?Trazer o lindo gorro de trez cores,?Mestre da lancha Deixem-nos passar!
Far-me-ia outro, que os vossos interiores?De ha tantos tempos, devem já estar?Calafetados pelo breu das dores,?Como esses pongos em que andaes no mar!
ó meu Pae, n?o ser eu dos poveirinhos!?N?o seres tu, para eu o ser, poveiro,?Mail-Irm?o do ?Senhor de Mattozinhos?!
No alto mar, ás trovoadas, entre gritos,?Promettermos, _si o barco f?ri intieiro_,?_Nossa bela á Sinhora dos Afflictos_!
Le?a, 1889.
12
O Sr. Abbade
Quando vem Junho e deixo esta cidade,?Batina, Caes, tuberculozos céus,?Vou para o Seixo, para a minha herdade:?Adeus, cavaco e luar! choupos, adeus!
Tomo o regimen do Sr. Abbade,?E fa?o as pazes, elle o quer, com Deus.?No seu direito olhar vejo a bondade,?E ás capellinhas vou ver os judeus.
Que homem sem par! Ignora o que s?o dores!?Para elle uma ramada é o pallio verde,?Os cachos d'uvas s?o as suas flores!
Ao seu passal chama elle o mundo todo...?Sr. Abbade! olhe que nada perde:?Viva na paz, ahi, longe do lodo.
Coimbra, 1850.
13
Maes, Vinde Ouvir!
Longe de ti, na cella do meu quarto,?Meu copo cheio de agoirentas fezes,?Sinto que rezas do Outro-mundo, harto,?Pelo teu filho. Minha M?e, n?o rezes!
Para fallar, assim, ve tu! já farto,?Para me ouvires blasphemar, ás vezes,?Soffres por mim as dores crueis do parto?E trazes-me no ventre nove mezes!
Nunca me houvesses dado á luz, Senhora!?Nunca eu mamasse o leite aureolado?Que me fez homem, magica bebida!
F?ra melhor n?o ter nascido, f?ra,?Do que andar, como eu ando, degredado?Por esta Costa d'Africa da Vida...
Coimbra, 1889.
14
Sê Altivo!
Altos pinheiros septuagenarios?E ainda empertigados sobre a serra!?Sois os Enviados-extraordinarios,?Embaixadores d'El-Rey Pan, na Terra.
A noite, sob aquelles lampadarios,?Conferenciaes com elle... Ha paz? Ha guerra??E tomam notas vossos secretarios,?Que o Livro Verde secular encerra.
Hirtos e altos, Tayllerands dos montes!?Tendes a linha, n?o vergaes as frontes?Na exigencia da c?rte, ou beija-m?o!
Voltaes aos homens com desdem a face...?Ai oxalá! que Pan me despachasse?Addido á vossa extranha lega??o!
Coimbra, 1888.
15
Sê de Pedra!
N?o reparaste nunca? Pela aldeia,?Nos fios telegraphicos da estrada,?Cantam as aves, desde que o sol nada,?E, á noite, se faz sol a lua cheia...
No entanto, pelo arame que as tenteia,?Quanta tortura vae, n'uma ancia alada!?O Ministro que joga uma cartada,?Alma que, ás vezes, d'além-mar anceia:
--Revolu??o!--Inutil.--Cem feridos,?Setenta mortos.--Beijo-te!--Perdidos!?--Emfim, feliz!--?--!--Desesperado.--Vem!
E as lindas aves, bem se importam ellas!?Continuam cantando, tagarellas:?Assim, Antonio! deves ser tambem.
Colonia,
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