Só | Page 8

António Nobre
não ser eu dos poveirinhos!
Não seres tu, para eu o ser,
poveiro,
Mail-Irmão do «Senhor de Mattozinhos»!
No alto mar, ás trovoadas, entre gritos,
Promettermos, _si o barco fôri
intieiro_,
_Nossa bela á Sinhora dos Afflictos_!
Leça, 1889.
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O Sr. Abbade
Quando vem Junho e deixo esta cidade,
Batina, Caes, tuberculozos
céus,
Vou para o Seixo, para a minha herdade:
Adeus, cavaco e luar!
choupos, adeus!
Tomo o regimen do Sr. Abbade,
E faço as pazes, elle o quer, com
Deus.
No seu direito olhar vejo a bondade,
E ás capellinhas vou ver
os judeus.

Que homem sem par! Ignora o que são dores!
Para elle uma ramada é
o pallio verde,
Os cachos d'uvas são as suas flores!
Ao seu passal chama elle o mundo todo...
Sr. Abbade! olhe que nada
perde:
Viva na paz, ahi, longe do lodo.
Coimbra, 1850.
13
Maes, Vinde Ouvir!
Longe de ti, na cella do meu quarto,
Meu copo cheio de agoirentas
fezes,
Sinto que rezas do Outro-mundo, harto,
Pelo teu filho. Minha
Mãe, não rezes!
Para fallar, assim, ve tu! já farto,
Para me ouvires blasphemar, ás
vezes,
Soffres por mim as dores crueis do parto
E trazes-me no
ventre nove mezes!
Nunca me houvesses dado á luz, Senhora!
Nunca eu mamasse o leite
aureolado
Que me fez homem, magica bebida!
Fôra melhor não ter nascido, fôra,
Do que andar, como eu ando,
degredado
Por esta Costa d'Africa da Vida...
Coimbra, 1889.
14
Sê Altivo!
Altos pinheiros septuagenarios
E ainda empertigados sobre a serra!

Sois os Enviados-extraordinarios,
Embaixadores d'El-Rey Pan, na
Terra.
A noite, sob aquelles lampadarios,
Conferenciaes com elle... Ha paz?

Ha guerra?
E tomam notas vossos secretarios,
Que o Livro Verde
secular encerra.
Hirtos e altos, Tayllerands dos montes!
Tendes a linha, não vergaes
as frontes
Na exigencia da côrte, ou beija-mão!
Voltaes aos homens com desdem a face...
Ai oxalá! que Pan me
despachasse
Addido á vossa extranha legação!
Coimbra, 1888.
15
Sê de Pedra!
Não reparaste nunca? Pela aldeia,
Nos fios telegraphicos da estrada,

Cantam as aves, desde que o sol nada,
E, á noite, se faz sol a lua
cheia...
No entanto, pelo arame que as tenteia,
Quanta tortura vae, n'uma
ancia alada!
O Ministro que joga uma cartada,
Alma que, ás vezes,
d'além-mar anceia:
--Revolução!--Inutil.--Cem feridos,
Setenta
mortos.--Beijo-te!--Perdidos!
--Emfim,
feliz!--?--!--Desesperado.--Vem!
E as lindas aves, bem se importam ellas!
Continuam cantando,
tagarellas:
Assim, Antonio! deves ser tambem.
Colonia, 1891.
16
Vae para um Convento!
Falhei na Vida. Zut! Ideaes caidos!
Torres por terra! As arvores sem

ramos!
Ó meus amigos! todos nós falhamos...
Nada nos resta.
Somos uns perdidos.
Choremos, abracemo-nos, unidos!
Que fazer? Porque não nos
suicidamos?
Jezus! Jezus! Resignação... Formamos
No mundo, o
Claustro-pleno dos Vencidos.
Troquemos o burel por esta capa!
Ao longe, os sinos mysticos da
Trappa
Clamam por nós, convidam-nos a entrar...
Vamos semear o pão, podar as uvas,
Pegae na enxada, descalçae as
luvas,
Tendes bom corpo, Irmãos! Vamos cavar...
Coimbra, 1889.
17
A França!
Vou sobre o Oceano (o luar de lindo enleva!)
Por este mar de Gloria,
em plena paz.
Terras da Patria somem-se na treva,
Agoas de
Portugal ficam, atraz...
Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
Antonio, onde vaes tu, doido
rapaz?
Não sei. Mas o vapor, quando se eleva,
Lembra o meu
coração, na ancia em que jaz...
Ó Luzitania que te vaes á vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ella...)

Na minha Nau Catharineta, adeus!
Paquete, meu paquete, anda ligeiro!
Sobe depressa á gavea,
marinheiro,
E grita, França! pelo amor de Deus!...
Oceano Atlantico, 1890.
18

Tempestade!
O meu beliche é tal qual o bercinho,
Onde dormi horas que não vêm
mais.
Dos seus embalos já estou cheiinho:
Minha velha ama são os
vendavaes!
Uivam os ventos! Fumo, bebo vinho.
O vapor treme! Abraço a Biblia,
aos ais...
Covarde! Que dirá teu Avôzinho,
Que foi moreante? Que
dirão teus Paes?
Coragem! Considera o que has soffrido,
O que soffres e o que ainda
soffrerás,
E ve, depois, se accaso é permittido
Tal medo á Morte, tanto apego ao mundo:
Ah! fôra bem melhor, vás
onde vás,
Antonio, que o paquete fosse ao fundo!
Golpho de Biscaya, 1891.
19
Continua a Tempestade
Aqui, sobre estas aguas cor de azeite,
Scismo em meu lar, na paz que
lá havia:
Carlota, á noite, ia ver se eu dormia
E vinha, de manhã,
trazer-me o leite...
Aqui, não tenho um unico deleite!
Talvez... baixando, em breve, á
Agoa fria,
Sem um beijo, sem uma Ave-Maria,
Sem uma flor, sem
o menor enfeite...
Ah! podesse eu voltar á minha infancia!
Lar adorado, em fumos, a
distancia,
Ao pé de minha Irmã, vendo-a bordar...
Minha velha aia! conta-me essa historia
Que principiava, tenho-a na
memoria,
«Era uma vez...»
Ah deixem-me chorar!

Canal da Mancha, 1891.
20
Vaidade, Tudo Vaidade!
Vaidade, meu amor, tudo vaidade!
Ouve: quando eu, um dia, for
alguem,
Tuas amigas ter-te-ão amizade,
(Se isso é amizade) mais
do que, hoje, têm.
Vaidade é o luxo, a gloria, a caridade,
Tudo vaidade! E, se pensares
bem,
Verás, perdoa-me esta crueldade,
Que é uma vaidade o amor
de tua mãe...
Vaidade! Um dia, foi-se-me a Fortuna
E eu vi-me só no mar com
minha escuna,
E ninguem me valeu na tempestade!
Hoje, já voltam com seu ar composto,
Mas eu, ve lá! eu volto-lhes o
rosto...
E isto em mim não será uma vaidade?
Mar
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