Só | Page 9

António Nobre
do Norte, 1891.
21
Paz!
E a Vida foi, e é assim, e não melhora.
Esforço inutil, crê! Tudo é
illuzão...
Quantos não scismam n'isso mesmo a esta hora
Com uma
taça, ou um punhal na mão!
Mas a Arte, o Lar, um filho, Antonio? Embora!
Chymeras, sonhos,
bolas de sabão.
E a tortura do _além_ e quem lá mora!
Isso é, talvez,
minha unica afflicção...
Toda a dor pode suspportar-se, toda!
Mesmo a da noiva morta em
plena boda,
Que por mortalha leva... essa que traz...

Mas uma não: é a dor do pensamento!
Ai quem me dera entrar n'esse
convento
Que ha além da Morte e que se chama A Paz!
Pariz, 1891.
22
Epilogo
Meu coração, não batas, pára!
Meu coração, vae-te deitar!
A nossa
dor, bem sei, é amara,
A nossa dor, bem sei, é amara...
Meu coração,
vamos sonhar...
Ao mundo vim, mas enganado.
Sinto-me farto de
viver:
Vi o que elle era, estou massado,
Vi o que elle era, estou
massado...
Não batas mais! vamos morrer...
Bati á porta da Ventura

Ninguem m'à abriu, bati em vão:
Vamos a ver se a sepultura,

Vamos a ver se a sepultura
Nos faz o mesmo, coração!
Adeus,
Planeta! adeus, ó Lama!
Que a ambos nós vaes digerir...
Meu
coração, a Velha chama,
Meu coração, a Velha chama...
Basta, por
Deus! vamos dormir...
Coimbra, 1888.
*Carta a Manoel*
Manoel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.
Mas não foi Anto, não fui
eu quem teve a culpa,
Foi Coimbra. Foi esta paysagem triste, triste,

A cuja influencia a minha alma não reziste,
Queres noticias? Queres
que os meus nervos fallem?
Vá! dize aos choupos do Mondego que se
callem...
E pede ao vento que não uive e gema tanto:
Que, emfim,
se soffre abafe as torturas em pranto,
Mas que me deixe em paz! Ah
tu não imaginas
Quanto isto me faz mal! Peor que as sabbatinas

Dos ursos na aula, peor que beatas correrias
De velhas magras,
galopando Ave-Marias,
Peor que um diamante a riscar na vidraça!

Peor eu sei lá, Manoel, peor que uma desgraça!
Hysterisa-me o vento,
absorve-me a alma toda,
Tal a menina pelas vesperas da boda,


Atarefada mail-a ama, a arrumar...
O vento afoga o meu espirito n'um
mar
Verde, azul, branco, negro, cujos vagalhões
São todos feitos de
luar, recordações.
Á noite, quando estou, aqui, na minha toca,
O
grande evocador do vento evoca, evoca
Nosso verão magnifico, este
anno passado,
(E a um canto bate, alli, cardiaco, apressado,
O
tic-tac do relogio do fogão)...
Bons tempos, Manoel, esses que já lá
vão!
Isto, tu sabes? faz vontade de chorar.
E, pela noite em claro, eu
fico-me a scismar,
Triste, ao clarão da lamparina que desmaia,
Na
existencia que tive este verão na praia,
Quando, mal na amplidão,
vinha arraiando a aurora,
Ia por esse mar de Jezus-Christo fóra,
No
barco á vela do moreno Gabriel!
Vejo passar de negro, envoltas n'um
burel,
Quantos sonhos, meu Deus! quantas recordações!

Phantasmas do passado! encantadas vizões!
Que, embora estejam lá,
no seu paiz distante,
Oiço-as fallar na minha alcova de estudante.
Minhas vizões! entrae, entrae, não tenhaes medo!
Ó Rio Doce! tunnel d'agoa e de arvoredo!
Por onde Anto vogava em
o wagon d'um bote...
E, ao sol do meio dia, os banhos em pelote,

Quando iamos nadar, á Ponte de Tavares!
Tudo se foi! Espuma em
flocos pelos ares!
Tudo se foi...
Hoje, mais nada tenho que esta
Vida claustral, bacharelatica, funesta,

N'uma cidade assim, cheirando, essa indecente!
Por toda a parte,
desde a Alta á Baixa, a lente!
Bem me dizias tu, como que
adivinhando
O que isto para mim seria, Amigo, quando
O anno
passado, vim contra tua vontade
Matricular-me, ahi, n'essa
Universidade:
«Anto não vás...» dizias tu. Eu, fraco, vim.
Mas
certamente, é natural, não chego ao fim.
Ah quanto fôra bem melhor
a formatura,

Na Escola-Livre da Natureza, Mãe pura!
Que optimas
prelecções as prelecções modernas,
Cheias de observação e verdades
eternas,
Que faz diariamente o Proff. Oceano!
Já tinha dado todo o
_Coraçao Humano_,
Manoel! faltava um anno só para acabar
Meu
curso de Psychologia com o Mar.
Porque troquei pela Coimbra inutil,

vã,
Essa Escola sem par, cujo reitor é Pan?
Talvez... preguiça, eu
sei... A cabra é a cotovia:
As aulas, lá, começam mal aponta o dia!
Que tedio o meu, Manoel! Antes de vir, gostava.
Era a distancia, o
_além_, que me impressionava:
Tinha a poezia do sol-por, d'uma
esperança.
Mas, mal cheguei (que espanto! eu era uma criança...)

Tudo rolou no solo! A Tasca das Camellas
Para mim, era um sonho,
o céu cheio de estrellas:
Nossa Senhora a dar de ceiar aos estudantes

Por 6 e 5! Mas ah! foi-se a Virgem d'antes,
Tia Camella... só ficou
a camelice.
Comtudo, em meio d'esta futil coimbrice,
Que lindas coisas a lendaria
Coimbra encerra!
Que paysagera lunar que é a mais doce da Terra!

Que extraordinarias e medievas raparigas!
E o rio e as fontes? e as
fogueiras? e as cantigas?
As cantigas! Que encanto! Uma diz-te
respeito,
Manoel; é um sonho, é um beijo, é um amor-perfeito
Onde
o luar gelou: «Manoel! tão lindas moças!
Manoel! tão lindas são...»
Que pena que não ouças!
Quero mostrar-te Coimbra. Has-de gostar. Partamos.
Dá-me o teu
braço e vem d'ahi commigo, vamos!
Olha... São os Geraes, no intervallo das aulas.
Bateu o quarto. Ve!
Vem sahindo das jaulas
Os estudantes, sob o olhar pardo dos lentes:

Ao vel-os, quem dirá que são
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 27
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.