Só | Page 6

António Nobre
a distancia faz!) vejo-te na cadeira,
Com uma
touca preta a cobrir-te os cabellos,
Que eram de neve, aos caracoes,
estou a vel-os!
(Hei-de ir cortar-t'os, alta noite, ao cemiterio...)
Mais
vejo o Vasco sempre triste, sempre serio,
D'um lado e eu de outro...
Que abençoado refeitorio!
Mas tudo passa n'este mundo tranzitorio!
E tudo passa e tudo fica! A
Vida é assim
E sel-o-á sempre pelos seculos sem fim!
Ainda vejo a
tua caza, e oiço os teus gritos
(Mas nas janellas e na porta vejo
escriptos!)
O Vasco é ainda sempre triste, sempre serio
(Mas sua
caza, agora, é ao pé d'um cemiterio...)
Meu quarto de dormir vejo-o
no mesmo estado
(Mas não sei que é, não me parece tão caiado.)
A
janella ainda tem o mesmo parapeito
(Mas já não sou «o estudantinho
de Direito».)
Na sala de jantar ainda se estende a meza
(Mas já não
tem a meza-posta, a sobremeza.)
Vejo o relogio na parede como
outrora
(Mas o ponteiro marca ainda a mesma hora...)
O candieiro
ainda tem o petroleo e a torcida
(Mas apagou-se a luz a quando a tua
vida.)
A diligencia passa, á tardinha, a tinir,
(Mas já não tem os
olhos teus para a seguir...)
Passam ainda pela Estrada os estudantes

(Mas não destraçam suas capas, como d'antes...)
Vêm da novena
ainda as moças e as donzellas

(Mas procuro-te, em vão, já não te vejo
entre ellas...)
As andorinhas ainda têm o mesmo fito
(Mas já
fizeram trez jornadas ao Egypto...)
Ainda dobra por defuntos e
defuntas
(Mas não te vejo a ti a rezar de mãos juntas.)
Ainda lá está
o figueiral com figos,
(Mas não a tua mão a dal-os aos mendigos...)


O Ruy ainda traz a farda de soldado
(Mas, agora, já poe mais divizas,
ao lado.)
As rãs coaxam ainda á noite, á beira d'agoa
(Mas, já não
têm quem peça a Deus por essa magoa.)
O Emilio tem ainda esse
olhar que maravilha,
(Mas, com seus olhos d'hoje, é uma pombinha
da Ilha)
Ainda lá estão os cravos, no jardim,
(Mas já não são as
mesmas notas de clarim...)
Ainda oiço o tanque a soluçar a sua magoa

(Mas já não acho tão branquinha a sua agoa...)
A Margareth ainda
é a papoila de outrora
(Mas a papoila... já está uma senhora!)
Ainda
lá estão as papoilas em flor
(Mas a velhinha já não vae de regador...)

Meu coração é ainda o Valle de Gangrenas
(Mas já não tenho
quem lhe plante as açucenas...)
Vive ainda o Sol, vivo eu ainda...
(Mas tu morreste!)
Tudo ficou, tudo passou...
Que mundo este!
Pariz, 1891.
*Os Sinos*
1
Os sinos tocam a noivado,
No Ar lavado!
Os sinos tocam, no Ar lavado,
A noivado!
Que linda criança que assoma na rua!
Que linda, a andar!
Em extasi, o povo commenta que é a Lua,
Que vem a andar...
Tambem, algum dia, o povo na rua,
Quando eu cazar,
Ao ver minha noiva, dirá que é a Lua

Que vae cazar...
2
E o sino toca a baptizado
Que lindo fado?
E o sino toca um lindo fado,
A baptizado!
E banham o anjinho na agoa de neve,
Para o lavar,
E banham o anjinho na agoa de neve,
Para o sujar.
Ó boa madrinha, que o enxugas de leve,
Tem dó d'esses gritos!
Comprehende esses ais:
Antes o enxugue a Velha! antes Deus t'o
leve!
Não soffre mais...
3
Os sinos dobram por anjinho,
Coitadinho!
Os sinos dobram, coitadinho...
Pelo anjinho!
Que aceiada que vae p'ra cova!
Olhae! olhae!
Sapatinhos de sola nova,
Olhae! olhae!
Ó lindos sapatos de solinha nova,
Bailae! bailae!
Nas eiras que rodam debaixo da cova...

Bailae! bailae!
4
O sino toca p'ra novena,
Gratiae plena,
E o sino toca, gratiae plena,
P'ra novena.
Ide, meninas, á ladainha,
Ide rezar!
Pensae nas almas como a minha...
Ide rezar!
Se, um dia, me deres alguma filhinha,
Ó Mãe dos Afflictos! ella
ha-de ir, tambem:
Ha-de ir ás novenas, assim, á tardinha,
Com sua mãe...
5
E o sino chama ao Senhor-fóra,
A esta hora!
Os sinos clamam, a esta hora,
Ao Senhor-fóra!
Accendei, vizinhos, as velas,
Allumiae!
Velas de cera nas janellas!
Allumiae!
E luas e estrellas tambem poem velas,
A allumiar!
E a alminha, a esta hora, já está entre ellas,

A allumiar...
6
E os sinos dobram a defuntos,
Todos juntos!
E os sinos dobram, todos juntos,
A defuntos!
Que triste ver amortalhados!
Senhor! Senhor!
Que triste ver olhos fechados!
Senhor! Senhor!
Que pena me fazem os amortalhados,
Vestidos de preto, deitados de
costas...
E de olhos fechados! e de olhos fechados!
E de mãos postas!
E os sinos dobram a defuntos,
Dlin! dlang! dling! dlong!
E os sinos dobram, todos juntos,
Dlong! dlin! dling! dlong
Pariz, 1891.
*Terças-Feiras*
Ao Alberto
1
Ó condezinho de Tolstoï (Alberto)
Santo de minha extrema devoção,

Alma tamanha, que adorei de perto,
Lá na Thebaida do Sr. João.

Meu Calix do Senhor! Meu Pallio aberto!
Luar branco na minha
escuridão!
Ó minha Joanna d'Arc! Amigo certo
Na hora incerta!
Aguia! Meu Irmão!
A ti as _Terças-feiras_, n'este Inferno,
D'aquelle que nasceu, em
terça-feira
E em terça-feira morrerá, talvez...
Quando eu for morto já, noites de inverno,
Aos teus filhinhos,
conta-as á lareira
Para eu ouvir de _lá_:
«Era uma vez...
Pariz, 1891.
2
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