Só | Page 4

António Nobre
pintando a
uva...»
E animados então (o povo é uma criança!)
Porque o Sr.
Morgado deu-lhes confiança,
«Que Deus o ajude» dirá um, e o
regedor:
«Que seja mui feliz, Sr. Doutor...»
E eu hei-de agradecer,
sorrir, gostar.
Mas o Anjo, no entanto, não deve tardar...
E d'entre o
grupo exclamará um velho, então:
«Já nasce o dia!» eu olharei... mas
não:
É a minha Noiva que parece dia,
Branquinha como a cal de
Santa Iria!
E ao vel-a tão branca, de branco vestida,
Ao longe, ao
longe, hei-de cuidar ver uma Ermida!
E dirá o pastor, com espanto
tamanho,
Que é uma Ovelha que fugiu do seu rebanho!
E o João
Maluco dirá que é o Luar de Janeiro!
E o pescador explicará ao bom
moleiro
Que é tal qualzinha a sua Lancha pelo mar!
E o moleiro
dirá que é o seu Moinho a andar!
Que assim já foram as velhinhas
scismarão,
E as netas, coitadas! que, um dia, o serão...
Mas o Anjo
assomará, á porta da capella,
E eu branco e tremulo hei-de ir ter com
ella.
E a estrella deitar-me-á a benção dos seus olhos
E uma aldeã
deitar-lhe-á violetas, aos molhos!
E a Bem-Amada entrar na igreja
ha-de...
E ha-de cazar-nos o Sr. Abbade.
E, em seguida, será a nossa
boda,
E festas haverá, na aldeia toda.
E as mais raparigas do sitio,
solteiras,
Hao-de bailar bailados sobre as eiras,
Com trinta moedas
de oiro sobre o peito!
E cantigas dirão a seu respeito.
E a Noiva em
gloria, prepassando nas janellas,
Sorrirá com simplicidade para ellas.

E a noite, pouco e pouco, descerá...

E tudo acabará.
E depois e
depois, o Anjo ha-de se ir deitar,
E a sua mãe ha-de aabraçar... E
hão-de chorar!
E a sua alcova deitará sobre o quintal,
Onde uma
fonte correrá, entre o ervilhal:
E, ao ouvil-a cantar, deitadinha na
cama,
O Anjo adormecerá, cuidando que é a sua ama...
Mas qual a villa, qual a aldeia, qual a serra
Que este Palacio de
Ventura encerra?
Fui ter com minha fada e disse-lhe: «Madrinha!

Accaso nunca te mentiu tua varinha?»
E a minha fada com sua vara
de condão
Nos ares escreveu com tres estrellas: «Não!»

Meninas, lindas meninas!
Qual de vós é o meu ideal?
Meninas!
lindas meninas
Do Reino de Portugal!
O nosso lar!
Minha Madrinha! ajuda-me a sonhar!
Que a nossa caza
se erga d'entre uma eminencia,
Que seja tal qual uma rezidencia,

Alegre, branca, rustica, por fóra.
Que digam: «É o Sr. Abbade que alli
mora...»
Mas no interior ella ha-de ser sombria,
Como eu com esta
melancholia...
E salas escuras, chorando saudades...
E velhos os
moveis, de antigas idades...
(E, assim, me illuda e, assim, cuide viver

N'outro seculo em que eu deveria nascer.)
E nas paredes telas de
parentes...
E janellas abertas sobre os poentes...
(E a Chymera lerá o
seu livro de rezas...)
E cravos vermelhos por cima das mezas...
E o
relogio dará as horas devagar,
Como as palpitações de quem se vae
finar...
E, dia inteiro, n'esta solidão,
Deixar-me-ei esquecer, ao
canto do fogão.
E a scismar e a scismar em que? em quem?
Na Dor,
na Vida, em Deus, no Infinito, no _Além_?
E eu o Luziada sombrio,
o Afflicto, o Médio,
Rogarei aos Espiritos remedio
E um bom
Espirito virá tratar do doente
E ha-de tremer de susto a outra gente.

E a noite descerá, pouco e pouco, no entanto,
E a noite embrulhará o
Afflicto no seu manto!
Mas a Purinha, então, vindo da rua,
Toda de
branco surgirá, como uma Lua!
E, então, acordarei d'essa
desesperança
E pela mão me levará, como uma criança.
E eu
pallido! e eu tremendo! e o Anjo pelo caminho,
«Não te afflijas...»
dirá, baixinho...
E, assim, será piedoza para os mais:
E ha-de entrar
na mizeria dos cazaes,
Nos montes mais altos, nos sitios mais ermos,

E será a Saude dos Enfermos!

E quando pela estrada encontrar um
velhinho
Todo suado, carregadinho,
(Louvado seja Nosso Senhor!)

Ha-de tirar seu lenço e ir enxugar-lhe o suor!
E ás aves, em prisão,
abrirá as gaiolas.
E, aos sabbados, o dia das esmolas,
A Santa
descerá ao patamar da escada,
Envolta, sem saber, n'uma capa
estrellada,
Esmolas, distribuindo a este e áquelle: e aos ceguinhos
E
mais aos alleijadinhos,
Mais aos que botam sangue pela bocca,

Mais aos que vêm cantar, numa rabeca rouca,
Amores, naufragios e A

Nau Cathrineta,
Mais aos Afflictos deste vil Planeta,
Mais ás
viuvas dos degredados...
E tudo seja pelos meus peccados!
E ha-de
cozer (serão os remendos de flores)
As velas rôtas dos pescadores
E
a luz do seu olhar benzerá essas velas
E nunca mais hão-de
rasgar-lh'as as procellas!
E accenderá os cyrios ao Senhor,
(Que
sejam como ella no talhe e na cor!)
Quando houver temporal... e eu
virei p'ra saccada
Ver os relampagos, ouvir a trovoada!...
E n'isto só
rezumir-se-á a sua vida:
Vestir os nus, aos pobres dar guarida,

Fallar á alma que na angustia se consome,
Dar de comer a quem tem
fome,
Dar de beber a quem tem sede...
E, lá, do céu, Jezus dirá aos
homens: «Vede...»
E eu hei-de em minhas obras imital-a
E amal-a
como á Virgem e adoral-a.
E a Virgem ha-de encher com a mesma
paixão
As marés-vazas d'este doido coração
E as suas ondas ha-de,
olympica, aplacar,
Que para mim, linda Joanninha d'Arc,
Que para
mim será a lua-nova!
E ha-de ir commigo para a mesma cova,
Pois
que no dia em que eu morrer
Veneno tomará, n'uma colher...
Mas em que
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