Só | Page 3

António Nobre
cavalleiro,
Pela noite sem luar?
Diz o vento viajeiro,

Ao lado d'elle a ventar...
Não responde o cavalleiro,
Que vae
absorto a scismar.
--Onde vaes tu, torna o vento,
N'esse doido
galopar?
Vaes bater a algum convento?
Eu ensino-te a rezar.
E a
lua surge, um momento,
A lua, convento do Ar.
--Vaes levar uma
mensagem?
Dá-m'a que eu vou-t'a entregar:
Irás em meia viagem

E eu já de volta hei-de estar.
E o cavalleiro, á passagem,
Faz as
arvores vergar.
--Vaes escalar um mosteiro?
Eu ajudo-t'o a escalar:

Não ha no mundo pedreiro
Que a mim se possa egualar!
Não
responde o cavalleiro
E o vento torna a fallar:
--Dize, dize! vaes
p'ra guerra?
Monta em mim, vou-te levar:
Não ha cavallo na Terra

Que tenha tão bom andar...
E os trovões rolam na serra
Como
vagas a arrolar!
--E as guerras has-de ganhal-as,
Que por ti hei-de
velar:
Ponho-me á frente das balas
Para a força lhes tirar!
E as
arvores formam alas
Para os guerreiros passar.
--Vaes guiar as
caravellas

Por sobre as agoas do mar?
Guiarei as tuas velas
Á
feição hei-de assoprar.
E os astros vêm ás janellas
E a lua vem
espreitar...
--Onde vaes na galopada,
Á tua infancia, ao teu lar?

Conheço a tua pousada:
Já lá tenho ido ficar.
E vae longe a
trovoada,
Vae de todo a alliviar.
--Vaes ver tua velha tia,
Na roca
de oiro a fiar?
Loiro linho que ella fia,
Ajudei-lh'o eu a seccar!
E
o luar é a Virgem Maria...
Que lindo vae o luar!
--Vaes ver a tua

mãesinha?
Coitada! vi-a expirar:
Tinha a alma tão levezinha,
Que
voou sem eu lhe tocar!...
E o cavalleiro caminha,
Caminha sem se
importar!
--Vaes ver tua irmã? Ao peito
Traz um menino a criar:

Ai com que bom, lindo geito
Ella o sabe acalentar!
E o vento
embala no peito
Uma nuvem, p'ra imitar!
--Onde vaes tu? Aonde,
aonde?
Phantasma! vaes-te cazar?
Eu sei da filha d'um conde
Que
por ti vive a penar...
E o phantasma não responde,
Sempre, sempre,
sempre a andar!
--Vaes á cata da Ventura
Que anda os homens a
tentar?
(Ai d'aquelle que a procura
Que eu nunca a pude encontrar...)

N'isto, pára a criatura,
Faz seu cavallo estacar:
--Vento, sim!
Espera, espera!
Que estrada devo tomar?
(É um menino, é uma
chymera
E todo lhe ri o olhar...)
E o vento, com voz austera,
Dor,
querendo disfarçar:
--Toma todas as estradas
Todas, áquem e
além-mar:
Serão inuteis jornadas,
Nunca lá has-de chegar...

Palavras foram facadas
Que é vel-o, todo a sangrar...
E seus
cabellos trigueiros
Começam de branquiar,
E olham-se os dois
cavalleiros...
Quedam-se ambos a scismar.
Brilha o Oriente entre os
pinheiros,
Ouvem-se os gallos cantar...
--Adeus, adeus! Nasce a
aurora,

Adeus! vamos trabalhar!
Adeus, adeus! vou-me embora:

Chamaram-me as velas, no mar...
E o vento vae por hi fóra,
No seu
cavallo, a ventar...
Pariz, 1891.
*Purinha*
O Espirito, a Nuvem, a Sombra, a Chymera,
Que (aonde ainda não sei)
neste mundo me espera
Aquella que, um dia, mais leve que a bruma,

Toda cheia de véus, como uma Espuma,
O Sr. Padre me dará p'ra
mim
E a seus pés me dirá, toda corada: Sim!
Ha-de ser alta como a
Torre de David,
Magrinha como um choupo onde se enlaça a vide

E seu cabello em cachos, cachos d'uvas,
E negro como a capa das
viuvas...
(Á maneira o trará das virgens de Belem
Que a Nossa
Senhora ficava tão bem!)
E será uma espada a sua mão,
E branca

como a neve do Marão,
E seus dedos serão como punhaes,
Fuzos de
prata onde fiarei meus ais!
E os seus seios serão como dois ninhos,

E seus sonhos serão os passarinhos,
E será sua bocca uma romã,

Seus olhos duas Estrellinhas da Manhã!
Seu corpo ligeiro, tão leve,
tão leve,
Como um sonho, como a neve,
Que hei-de suppor estar a
ver, ao vel-a,
Cabrinhas montezas da Serra da Estrella...
E ha-de ser
natural como as hervas dos montes
E as rolas das serras e as agoas
das fontes...
E ha-de ser boa, excepcional, quazi divina.
Mais pura,
mais simples, que moça e menina.
Deus, pela voz dos rouxinoes
ha-de gabal-a
E os rios ao passar hão-de cantal-a.
Seu virgem
coração ha-de ser tão branquinho,
Que não ha neste, mundo a que
egualal-o: o linho
Que, em roca de crystal, fiava a minha Avó

Parecerá de crepe, e a neve... far-me-á dó,
Mais a farinha do moleiro
e a violeta,
E a lua para mim será como uma preta!
Mas em que sitio, aonde? aonde? é que me espera
Esta Torre, esta
Lua, esta Chymera?
Fui ter com minha fada e disse-lhe: «Madrinha!

Onde haverá na Terra assim uma Rainha?»
E a minha fada, com
sua vara de encantar,
Um reino me apontou, lá baixo, ao pé do mar...
Meninas, lindas meninas!
Qual de vós é o meu ideal?
Meninas,
lindas meninas
Do Reino de Portugal!
E no dia do meu recebimento!
Manhã cedo, com luar ainda no
firmamento,
Quando ainda no céu não bole uma aza,
A minha
Noiva sairá de caza
Mail-a sua mãe, mail-os seus irmãos.
E ha-de
sorrir, e hão-de tremer-lhe as mãos...
E a sua ama ha-de seguil-a até á
porta,
E ficará, coitada! como morta!
E ha-de ser triste vel-a, ao
longe, ainda... olhando,
Com o avental seus olhos enxugando...

E
hão-de cercal-a sete madrinhas,
Que hão-de ser sete virgens
pobrezinhas,
Todas contentes por estreiar vestido novo!
E, ao vel-as,
suas mães sorrirão d'entre o povo...
E o povo da freguezia
Esperará
mais eu, no adro de Santa Iria.
E hão-de mirar-me com seu ar curiozo,


E hão-de cercar-me, n'um silencio respeitozo.
E eu hei-de lhes
fallar das colheitas, da chuva,
E dir-me-ão que «já vae
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