Só | Page 2

António Nobre
parte do mar!
Chegou uma carta tarjada: a estampilha
Bastou-me enxergar...
Coitados d'aquelles que perdem a filha,
Tão longe do lar!
No Panthéon, tragico, o sino
Dà meia-noite, devagar:
Ó tardes de outomno, com fontes carpindo
Entre herva sedenta...
Os cravos a abrirem, a lua aspergindo
Luar, agoa-benta...

É o Victor, outra vez menino,
A compor um alexandrino,
Pelos seus
dedos a contar!
Ao dar meia-noite no cuco da sala,
Batiam: «Truz! truz!»
E o Avô que dormia, quietinho na valla,
Entrava, Jezus!
Que olhos tristes tem meu vizinho!
Ve-me comer e poe-se a ougar:
Nas sachas de Junho, ninguem se batia
Com nosso cazeiro:
Que espanto, pudéra! se da freguezia
Elle era o coveiro...
Sobe ao meu quarto, bom velhinho!
Que eu dou-te um copo d'este
vinho
E metade do meu jantar.
Morria o mais velho dos nossos criados,
Que pena! que dó!
Pedi-lhe, tremendo, fizesse recados
Á alminha da Avó...
Bairro-Latino! dorme um pouco!
Faze, meu Deus, por socegar...
Ó banzas dos rios, gemendo descantes
E fados do mundo!
Ó agoas fallantes! ó rios andantes,
Com eiras no fundo!...
Calla-te, Georges! estàs jà rouco!
Deixa-me era paz! Calla-te, louco,

Ó boulevard!
Trepava ás figueiras cheiinhas de figos

Como astros no céu:
E em baixo, aparando-os, erguiam mendigos
O roto chapéu...
Boas almas, vinde ao meu seio!
Espiritos errantes no Ar!
Ó lua encantada no fundo do poço,
Moirinha da magoa!
O balde descia, chymeras de moço!
Trazia só agoa...
Sou médio: evoco-os, noite em meio,
Vos não acreditaes, eu sei-o...

Deixal-o não acreditar.
Meus versos primeiros estão no Adro, ainda,
Escriptos na cal:
Cantavam Aquella que é a roza mais linda
Que tem Portugal!
Se eu vos podesse dar a vista,
Ceguinhos que ides a tactear...
A lua é ceifeira que, ás noites, ensaia
Bailados na terra...
Luar é caleiro que, pallido, caia
Ermidas da serra...
Quanto essa sorte me contrista!
Mas ah! mais vale não ter vista,

Que um mundo d'estes ter d'olhar.
O conde de Furnas sabia o Horacio,
Tin-tin, por tin-tin!
E dava-me, á noite, passeiando em palacio,
Licção de latim.

A Morte, agora, é a minha ama...
Que bem que sabe acalentar!
E entrei para a escola, meu Deus! quem me dera
N'essa hora da vida!
Uzava uma bluza, que linda que era!
E trança comprida...
Á noite, quando estou na cama:
«Nana, nana! Que a tua ama
Vem
jà, não tarda! foi cavar...»
Os outros rapazes furtavam os ninhos
Com ovos a abrir;
Mas eu mercava-lhes os bons passarinhos,
Deixava-os fugir...
Camões! ó lua do mar-bravo!
Vem-me ajudar...
Os prezos, ás grades da triste cadeia,
Olhavam-me em face!
E eu ia á pouzada do guarda da aldeia
Pedir que os soltasse...
Tenho o nome do teu escravo;
Em nome d'elle e do mar-bravo,

Vem-me ajudar!
E quando um malvado moia a chibata
Um filho, ou assim,
Corria a seus braços, gritando: «Não bata!
Bata antes em mim...»
E o vento geme! e o vento geme!
Que irà no mar!
E quando dobrava na terra algum sino

Por velho, ou donzella,
A meu Pae rogavam «deixasse o menino
Pegar a uma vela...»
Lobos d'agoa, que ides ao leme,
Tende cuidado! a lancha treme...

Orçar! orçar!
Enterros de anjinhos! Oh dores que trazem
Aos tristes cazaes!
Ha doces, ha vinho, senhores que fazem
Saudes aos paes...
Meu velho cão, meu grande amigo,
Porque me estàs assim a olhar?
A Prima doidinha por montes andava,
Á lua, em vigilia!
Olhae-me, doutores! ha doidos, ha lava,
Na minha Familia...
Quando ou choro, choras commigo
Meu velho cão! és meu amigo...

Tu nunca me has-de abandonar.
E os annos correram, e os annos cresceram,
Com elles cresci:
Os sonhos que tinha, meus sonhos... morreram,
Só eu não morri...
Frades do Monte de Crestello!
Abri-me as portas! quero entrar...
Fui vendo que as almas não eram no mundo
Singellas e francas:
A minha que o era ficou, n'um segundo,
Cheiinha de brancas!

Cortae-me as barbas e o cabello,
Vesti-me esse habito singello...

Deixae-me entrar!
Fiquei pobrezinho, fiquei sem chymeras,
Tal qual Pedro-Sem,
Que teve fragatas, que teve galeras,
Que teve e não tem...
Moço Luziada! criança!
Porque estàs trisle, a meditar?
Vieram as rugas, caiu-me o cabello
Qual musgo da rocha...
Fiquei para sempre sequinho, amarello,
Que nem uma tocha!
Ves teu paiz sem esperança,
Que todo allue, à semelhança
Dos
castellos que ergueste no Ar?
E a velha Carlota, revendo-me agora
Tão pallido, diz:
«Meu pobre menino! que Nossa Senhora
Fez tão infeliz...»
Pariz, 1891.
*Menino e Moço*
Tombou da haste a flor da minha infancia alada,
Murchou na jarra de
oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos céus S.^{ta} Aguia, linda fada,

Que d'antes estendia as azas sobre mim.
Julguei que fosse eterna a luz d'essa alvorada,
E que era sempre dia, e
nunca tinha fim
Essa vizão de luar que vivia encantada,
N'um
castello de prata embutido a marfim!

Mas, hoje, as aguias de oiro, aguias da minha infancia,
Que me
enchiam de lua o coração, outrora,
Partiram e no céu evolam-se, a
distancia!
Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais:
Voltam na aza
do vento os ais que a alma chora;
Ellas, porém, Senhor! ellas não
voltam mais...
Leça, 1885.
*Os Cavalleiros*
--Onde vaes tu,
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