Tal era formado
No vulto, e nas cores,
Que era a Marte asado,
Era asado a amores.
Qual brilha entre as flores
O cravo fragrante,
Tal elle prestante
Entre os mais brilhára,
Ou tal se elevára
Entre os companheiros,
Como nos outeiros
O olmo alteroso
Sobre o bosque ergue o cume alto, e frondoso.
No patrio tecto, desde o berço vira
Do nobre pai o escudo pendurado,
A cota, que inimigo ferro abrira,
Inda tinta do sangue não vingado.
Mil vezes entre pranto á mãi ouvira
Contar paterna gloria e triste
fado,
Mil co'a infantina mão tocado havia
A herdada lança, que ha
brandir um dia.
Entre memorias taes do patrio dano
Do filho de Ruy crescera a idade;
Volvido haviam já anno apoz anno
Conduzindo o vigor da
mocidade,
Quando a mãi, que respeita como arcano
Do extincto
Esposo a ultima vontade,
No dia em que seu lucto revivia
Ao filho
bem amado assim dizia.
«Martyr da fé Christãa teu Pai na guerra
«Pela Cruz deu a vida
peleijando;
«Fatal golpe o prostrou na propria terra,
«Que para
Christo andava conquistando.
«Ah! se lá donde o summo bem se
encerra
«Elle, oh filho, nos vê, ver-me-ha chorando,
«Dar-te o
preceito, que houve do Consorte
«Quando a alma entregou nas mãos
da morte.
«Alli fica, me disse, aquella lança,
«Que só de infiel sangue foi
manchada,
«Alli deixo esse escudo por herança,
«Esse elmo, essa
cota, e essa espada:
«Se o summo Deus tiver de nós lembrança,
«E
que um filho haja em ti, oh bem amada,
«Meu nome lhe darás, e essa
armadura
«Sob a qual encontrei a morte dura.
«Dar-lhe-has esta Cruz. Isto dizendo
«Do peito a separou por vez
primeira,
«E o braço, já sem força, a custo erguendo,
«Aos labios a
levou por derradeira.
«Dir-lhe-has, que se a paz acho morrendo
«A
esta insignia a devo verdadeira,
«Devo-a de Christo á fé, que a vida
guia,
«Que ensina a fallecer sem agonia.
«Dize-lhe que a conserve ao peito unida,
«Que ao lado seu cinja a
paterna espada,
«Aquella p'ra o guiar á eterna vida,
«Esta p'ra ser a
seu Senhor votada;
«Que indomito na pugna asp'ra e renhida,
«A
fraqueza respeite desarmada;
«Que preze a honra; fuja da cobiça,
«E da moleza vil, que o vicio atiça.
«Assim fallou teu Pai.... e a penetrante
«Ferida em rouxo sangue se
esvaia.
«Sumiu-se a voz no peito palpitante,
«Aos olhos se apagou
a luz do dia:
«Soou da minha dita ultimo instante,
«Já d'esta alma a
ametade não vivia;
«Mas dentro de meu seio palpitava
«Penhor,
que a ficar viva me obrigava.
«Vivi, a força achei, que me vigora
«No maternal amor, oh filho
amado,
«Cáro penhor de um laço, doce outr'ora;
«Mas roto, quando
apenas estreitado!
«A ti mancebo, a ti pertence agora
«Restituir-me
aquelle que hei chorado,
«Se, como espero, em ti vir renascida
«A
virtude d'essa alma ao ceo subida.
«Da tua infancia os dias acabaram,
«Já teus membros tem força e tem
destreza,
«Aquelles, que o esposo me roubaram,
«Saibam que não
fiquei só, sem defeza.
«Sangue vil minhas veias não herdaram,
«Nem coração sugeito a tal fraqueza,
«Que ao filho de Ruy estorve a
gloria
«De ter por Deus, e pelos seus victoria.»
De Ruy a viuva, assim fallando,
Do muro antigo as armas desprendia,
E os humidos olhos enchugando,
O filho de Ruy d'ellas cobria.
O
mancebo, de nobre ardor córando.
Com respeito a armadura recebia,
Que já na dura guerra exp'rimentada,
Fôra do pai com o sangue
consagrada.
Um captivo entretanto apparelhava
O bruto ardente, que se apraz na
guerra,
Que impaciente o freio mastigava,
Co'a vigorosa mão
cavando a terra;
Já armado sobre elle cavalgava
Quem do ninho
paterno se desterra,
A procurar do mundo as aventuras,
Gratas a
poucos, para tantos duras.
Da triste mãi os olhos macerados
Por largo espaço a marcha lhe
seguiram;
Ao perde-lo porem entre os silvados
De uma nevoa de
pranto se cobriram.
Seus animos, do filho sustentados,
Ao
arrancar-se d'elle sucumbiram.
Sentiu a triste, a dôr, magoa,
anciedade,
Que só conhece a maternal saudade.
Segue no emtanto o moço a varia estrada
Que o Mondego do Douro
distanceia,
Na terra, dos Beroens Beira chamada,
Onde o Vouga
entre as serras serpenteia,
Do Bussaco transpõe serra elevada,
E
bem depressa a vista lhe recreia
Valle ameno, co'as flores e a
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