Reprezentação à Academia Real das Ciências sobre a refórma da ortografia | Page 3

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a todos, quão fecundo foi o impulso
dado pelas leis sobre instrução publicadas néssa época recente, e qual o
rezultado d'élas e de outras que viérão depois, principalmente as de
1844. Oje temos nos liceus um curso m[~u]ito dezenvolvido de

português, e em quázi todas as escólas primárias se ensina alguma
couza de gramática portugueza. Quanto á latina, de que em outro tempo
avia uma cadeira quázi em cada concelho, basta dizer que, fóra dos
liceus, os distritos de Leiria e Béja, por ezemplo, tem cada um a sua, e
o de Lisboa tem duas; e os dicionários aprezêntão próvas irrecuzáveis
de quanto vai diminuído o respeito pela etimolojia latina.
Desde m[~u]ito, finalmente, que o latim deixou de ser a língua das
relaçõis internacionais. Quando este âno o mundo católico acudiu ao
Vaticâno a celebrar o meio centenário do venerável bispo d'Imola, oje
assentado na cadeira de S. Pedro, fôrão bem raros os discursos e
missivas em latim. Apenas de Roma vem ás nóssas xancelarias
diplomas néssa língua, mas que são dados ao público em português.
Passárão de móda as apóstrofes e sentenças latinas, com que d'antes se
apimentávão entre nós os discursos e escritos; e até já os prègadores
quázi si limítão a dar em latim o tema dos sermõis. De módo que, se ele
não fora a língua dos ofícios divinos e preparatório obrigado para os
estudos superiores, teria já partilhado a sórte das línguas mórtas; e
vel-o-íamos em bréve a par do grego, de que temos apenas três ou
quatro cadeiras, que m[~u]ito poucos alunos freqüêntão: como o móstra
a d'ésta cidade, onde no âno passado se matriculárão dois, e este âno
nenhum.
* * * * *
Em vista pois de tudo isso que dis o passado e móstra o prezente, a
decizão da comissão axava-se determinada por si mesma. A influência
do latim está m[~u]i decadente, e o português afirma nóbre e
dezassombràdamente a sua vitalidade e direito a pléna emancipação. A
nóssa língua tem feito regulàrmente a sua evolução na pronúncia,
constituindo-se aquí em compléta independência; tentou-se por vezes
tornal-a tambem independente na escritura; e foi isto conseguido em
parte pela própria força das couzas. Parecia pois não se poder deixar de
realizal-a complètamente, ao tratar-se de dar-lhe uma ortografia
nòrmal.
Entendeu portanto a comissão, que xegara o momento de
estabelecermos a pléna independência da língua em matéria ortográfica;

fazendo com o latim, o que os latinos fizérão com o grego. O latim
recebeu intato do grego, o que se julgou apropriado á sua índole e
circunstáncias; o que o não éra, mas se julgou apropriável, aceitou-se
apropriando-o; o que se considerou inapropriável, rejeitou-se. É o
caminho que já seguírão espanhóis e italiânos, e que em França se tem
instado e insta para que seja seguido; e não crê a comissão que
possâmos seguir outro.
O jénio da língua portugueza definiu-se já bem na sua evolução; língua
do meio dia, repúgnão-lhe as asperezas que a acumulação de
consoantes tórna inerentes ás línguas do nórte; a pronúncia jeral admite
quázi só as consoantes necessárias á articulação das vogais entre si.
Esse jénio pois, as circunstáncias àtuais da língua, a conveniência de
facilitar o seu ensino, as tendências da época, etc., tórnão impossível o
retrocésso, e forçozo adòtar a pronúncia como baze da ortografia.
Nem podia impedir a comissão, de o fazer, a pretendida incapacidade
para reprezentar esse importante papel, de que os etimolojistas tem
sempre acuzado e continúão acuzando a pronúncia, atribuindo-lhe uma
estrema inconstáncia. Neste mesmo momento acaba de publicar-se em
París uma m[~u]ito erudita óbra, cujo àutor (G. Berchère), narrando os
m[~u]ito grandes e muitíssimo repetidos esfórços que em França se tem
feito constantemente para estabelecer a ortografia sónica, se aprás em
repetir todas as objèçõis que se lhe tem oposto; e néla se dis que
«abandonada aos caprixos da pronúncia, a palavra é como um cavalo
indócil sempre pronto a escapar-se», reclamando que para se assegurar
a estabilidade da língua, aquéla se consérve «amarrada ao póste da
etimolojia».
A comissão considéra ésta objèção sem valor. A pronúncia não é
imutável; mas, se nós vemos entrar a miúdo palavras nóvas na língua,
não vemos que se mude sensivelmente a pronúncia das que néla
ezístem. E contra a mobilidade natural da pronúncia já se mostrou com
a istória na mão, que não é a etimolojia barreira competente. M[~u]ito
mais fórte barreira á-de ser o dicionário, onde éssa pronúncia seja
determinada, assim como a ortografia; ele fixará uma e outra; ainda
mais, ele concorrerá para a unificação da pronúncia, porque na escóla

nòrmal se ensinará a pronúncia nòrmal, e os professores alí abilitados
irão derramal-a em todo o país. Se a Academia, como assevéra o àutor
citado, domina de tal módo aquéla volúvel França, que a sua submissão
é tão compléta que éla fás passar por ignorante e
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