Reprezentação à Academia Real das Ciências sobre a refórma da ortografia | Page 2

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que temos e cuja refórma se reclama
jeralmente; e por mais que a sistematizássemos, pareceu á comissão
que não seria possível obter-se uma ortografia como déve dezejar-se
que tenhâmos. Seríão precizas m[~u]itas régras com m[~u]ito
numerózas eicèçõis, ficando ainda m[~u]itas couzas sem ser reguladas;
de módo que o conhecimento da ortografia tornar-se-ia tão difícil de
alcançar, como é o de algumas artes e ciências. Suceder-nos-ia como
aos francezes, que, apezar de tantos trabalhos e tão àutorizados como
são os da sua academia, tem ainda uma ortografia que, em parte
tambem pelas dificuldades peculiares da língua, se não considéra digna
d'aquéla nação culta.
Restava portanto tomar por baze da ortografia que se propuzésse, ou a
etimolojia ou a pronúncia.
A respètiva escolha éra o ponto mais grave da taréfa a cargo da
comissão. Tratou por isso d'esclarecer-se bem a esse respeito; e entre
outras couzas, procurou conhecer o jénio da língua, àlem d'outros
meios pelo da sua istória, a fim de guiar-se por ele.

Veja-se pois, que é o que sobre o assunto nos dis a istória.
* * * * *
A istória ensina, que o português primitivo, a língua do berço da
monarquia (Entre Douro e Minho), a que falávão os senhores e ómens
d'armas que ajudárão Afonso Enriques a fundar este reino, éra uma
mistura da linguájem rude dos aboríjenes (mistura tambem) e do latim
bárbaro das lejiõis românas,--mistura alterada com elementos
introduzidos pelos conquistadores do nórte, principalmente os suévos e
vizigódos, e tambem pelos sarracenos, e alterada ainda, depois de
conquistado o sul, por motivo das relaçõis com os seus abitantes já
meio árabes e outros árabes verdadeiros, e, depois de estabelecida a
capital em Lisboa, por cauza da colonização vinda de Marrócos e do
grande número d'estranjeiros que concorríão ao seu porto,
particularmente os cruzados m[~u]itos dos quais aí ficárão; bem que
móstre que predominava o elemento latino, pelo m[~u]ito que se
encarnara na Península o módo de ser dos românos, por ser o latim a
língua dos atos religiózos e das relaçõis com Roma e com os outros
governos da Európa, e porque os sacerdótes érão quázi os únicos ómens
de letras no país. Assim como nos ensina que esse amálgama éra
apenas língua falada; porque pouco ou nada se lia e escrevia, visto que
o elemento burguês apenas se fazia sentir, e os senhores só cuidávão de
armas, desdenhando até o saber ler e escrever,--erro de educação que
durou em parte até não m[~u]ito lonje de nós.
Póde pois imajinar-se o que éra o português d'éssas épocas, e atésta-o o
m[~u]ito pouco que d'ele résta. Póde dizer-se que não se escrevia; e
falava-se um português tão simples, quanto érão simples os ómens e a
vida que vivíão.
A istória móstra que foi assim, até que no fim do século XIII D. Dinís,
esse modelo de reis, criou em Lisboa as escólas jerais, começo da
universidade, que depois tanto se tem ilustrado em Coimbra. Mas
móstra ao mesmo tempo, que isto não fês mais que àumentar o
predomínio do latim; porque para as escólas jerais e depois para a
universidade viérão vários professores estranjeiros, jente m[~u]ito
versada no latim que éra a língua dos ómens de letras, e viérão tambem

os compêndios das universidades estranjeiras que érão todos em língua
latina. E as escólas que D. Dinís e seus sucessores estabelecêrão fóra
d'alí, érão ou de primeiras letras onde só se ensinava a ler e escrever, ou
de gramática latina, sendo lá absolutamente desconhecida a gramática
portugueza,--circunstáncias que sòmente cessárão no fim do segundo
quartel do prezente século.
E as escólas jerais e a universidade criárão os ómens de letras que, com
o andar do tempo, fixárão a língua e lhe determinárão a ortografia, a
qual, como éra natural, aferírão pelo latim, dando lugar a Càmõis poder
dizer:
E na língua na qual quando imajina, Com pouca corrução crê que é
latina.
Se é que póde dizer-se que foi determinada uma ortografia, tendo cada
clássico e cada lèccicógrafo ortografado a seu módo.
Com tudo a istória ensina tambem, que a nação continuou a falar a sua
língua, aceitando sòmente os aperfeiçoamentos que recebia a gramática,
e modificando racionalmente a prozódia. Éssa língua alatinada pela
ortografia que se estabeleceu, ficou circunscrita aos impréssos e á
escritura dos eruditos, sendo apenas falada por alguem que queria afètar
de sêl-o.
Em fim éla ensina que por isso, apezar do latim continuar dominando
como senhor, apezar da gramática latina continuar a ser a única
professada oficialmente, limitados sempre os professores d'instrução
primária ás xamadas primeiras letras, a linguájem falada foi
sucessivamente ganhando vitória sobre vitória contra a linguájem
escrita. O que se escrevia e imprimia em 1836, aí está para demonstrar
como já se axava alterada a ortografia estabelecida nos séculos XV e
XVI.
E pela sua parte o prezente móstra
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