Raios de extincta luz | Page 6

Antero de Quental

O meu _Discurso sobre as causas da decadencia dos Povos
peninsulares nos seculos XVII e XVIII_, embora pizasse um terreno
mais solido, o terreno da historia, resente-se ainda muito da influencia
das ideias politicas preconcebidas, da critica historica com
_tendencias_. É do anno de 1871.
N'esse anno e no seguinte tomei parte activa no movimento socialista,
que se iniciava em Lisboa, e tanto n'essa cidade como no Porto escrevi
bastante nos jornaes politicos. Incidentemente publiquei n'um pequeno
volume, uma serie de estudos com o titulo de _Considerações sobre a
Philosophia da Historia litteraria portugueza_. Creio que é, ainda assim,
o que fiz de melhor, ou pelo menos, de mais razoavel em prosa.
Confesso sinceramente que dou muita pouca importancia a todos esses
meus escriptosinhos de occasião, e até, ás vezes, preciso de certa força
de reflexão para me não envergonhar de ter publicado tanta cousa
pouco pensada. E todavia era applaudido! Porque? Em primeiro logar,
creio eu, porque os que me applaudiam não pensavam, ainda assim,
mais nem melhor do que eu. Em segundo logar, porque me concedeu a
natureza o dom da prosa portugueza, não da prosa de convenção,
arremedando o estylo dos seculos XVI e XVII mas de uma prosa que
tem o seu typo na lingua viva e falada hoje, analytica já nos
movimentos da phrase, mas na linguagem ainda e sempre portugueza.
Isso agradou, porque era o que convinha e, em summa, acabei por ser
citado como modelo da prosa moderna! É certo porém que tudo aquillo
são escriptinhos de accasião e que, em prosa, não produzi ainda o que
se chama _uma obra_, isto é, uma cousa original, pessoal e
aprofundada. Ha muito tempo que sei escrever, mas foi necessario
chegar aos 45 annos para ter que escrever. Por isso, deixemos toda essa
farragem que não cito senão para corresponder ao desejo de v. ex.^a na
materia bibliographica. E passemos aos versos.
Além da collecção de sonetos que v. ex.^a conhece, publiquei ainda
mais dois volumes. Um, de 1872, com o titulo de _Primaveras

Romanticas_ contêm os meus _Juvenilia_, as poesias de amor e
phantasia, compostas na sua quasi totalidade, entre 1860 e 65, que
andavam dispersas por varias publicações periodicas, e que só em 72
reuni em volume, juntamente com mais alguma cousa posterior, do
mesmo caracter e estylo. Talvez a melhor maneira de caracterisar esse
volume será dizer em francez que é _du Heine de deuxième qualité_.
Como muitas pessoas, por cá, têm achado essa semelhança, por isso a
indico. A 2.^a secção dos _Sonetos completos_ que não contêm senão
composições d'esse periodo dará a v. ex.^a uma idéa sufficiente do
fundo e do estylo d'aquella poesia; assim como a 3.^a secção lhe dará
idéa das _Odes modernas_, cuja 1.^a edição appareceu em 1865. Não
sei bem como caracterisar este livro: não é certamente mediocre; ha
n'elle paixão sincera e elevação de pensamento; mas além de
declamatoria e abstracta, por vezes aquella poesia é indistincta, e não
define bem e typicamente o estado de espirito que a produziu. O que
ella representa perfeitamente é a singular alliança, a que atraz me referi
já, do naturalismo hegeliano e do humanitarismo radical francez.
Acima de tudo é, como dizem os francezes, _poesia de combate_: o
pamphletario divisa-se muitas vezes por detraz do poeta, e a egreja, a
monarchia, os grandes do mundo, são o alvo das suas apostrophes de
nivelador idealista. N'outras composições, é verdade, o tom é mais
calmo e patenteia-se n'ellas a intenção philosophica do livro, vaga sim,
mas humana e elevada. A novidade, o arrojo, talvez a mesma
indeterminação do pensamento, apenas vagamente idealista e
humanitaria, fizeram a fortuna do livro, junto da geração nova, o que
prova pelo menos que _veiu no seu momento_: é tudo quanto poderei
dizer. Correspondem a este cyclo os sonetos comprehendidos na 3.^a
secção dos _Sonetos completos_, muitos dos quaes já entraram nas
_Odes modernas_. Em 1874 teve este livro uma 2.^a edição muito
correcta e contendo varias composições novas que considero, tal como
é e com todos os defeitos inherente á propria essencia do genero, como
definitiva.
N'esse mesmo anno de 1874 adoeci gravissimamente, com uma doença
nervosa de que nunca mais pude restabelecer-me completamente. A
forçada inacção, a perspectiva da morte visinha, a ruina de muitos
projectos ambiciosos e uma certa acuidade de sentimentos, propria da

nevrose, puzeram-me novamente e mais imperiosamente do que nunca,
em face do grande problema da existencia. A minha antiga vida
pareceu-me vã e a existencia em geral incomprehensivel. Da lucta que
então combati, durante ou 5 ou 6 annos, com o meu proprio
pensamento o meu proprio sentimento que me arrastavam para um
pessimismo vacuo e para o desespero, dão testemunha, além de muitas
poesias, que depois destrui (subsistindo apenas as que o Oliveira
Martins publicou na sua introducção aos
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