Raios de extincta luz | Page 7

Antero de Quental
_Sonetos_) as composições
que perfazem a secção 4.^a (de 1874 a 80) do meu livrinho. Conhece-as
v. ex.^a, não preciso commental-as. Direi sómente que esta evolução de
sentimento correspondia a uma evolução de pensamento. O naturalismo,
ainda o mais elevado e mais harmonico, ainda o de um Goethe ou de
um Hegel, não tem soluções verdadeiras, deixa a consciencia suspensa,
o sentimento, no que elle tem de mais profundo, por satisfazer. A sua
religiosidade é falsa, e só apparente; no fundo não é mais do que um
paganismo intellectuel e requintado. Ora eu debatia-me
desesperadamente, sem poder sahir do naturalismo, dentro do qual
nascera para a intelligencia e me desenvolvera. Era a minha atmosphera,
e todavia sentia-me asphixiar dentro d'ella. O Naturalismo, na sua
fórma empirica e scientifica, é o _struggle for life_, o horror de uma
lucta universal no meio da cegueira universal; na sua fórma
transcendente é uma dialetica gelada e inerte, ou um epicurismo
egoistamente contemplativo. Eram estas as consequencias que eu via
sahir da doutrina com que me creara, da minha _alma mater_, agora
que a interrogava com a seriedade e a energia de quem, antes de morrer,
quer ao menos saber para que veiu ao mundo.
A reacção forças moraes e um novo esforço do pensamento
salvaram-me do desespero. Ao mesmo tempo que percebia que a voz
da consciencia moral não pode ser a unica voz sem significação no
meio das vozes innumeras do Universo, refundindo a minha educação
philosophica, achava, quer nas doutrinas, quer na historia, a
confirmação d'este ponto de vista. Voltei a ler muito os philosophos,
Hartmann, Lange, Du Bois-Raymond e, indo ás origens do
pensammento allemão, Leibnitz e Kant. Li ainda mais os moralistas e
mysticos antigos e modernos, entre todos a _Theologia Germanica_ e
os livros buddhistas. Achei que o mysticismo, sendo o

desenvolvimento psychologico, deve corresponder, a não ser a
consciencia humana extravagancia no meio do Universo, á essencia
mais funda das cousas.
O naturalismo appareceu-me, não já como a explicação ultima das
coisas, mas apenas como o systema exterior, a lei das apparencias e a
phenomenologia do Sêr. No _Psychismo_, isto é, no Bem e na
Liberdade moral, é que encontrei a explicação ultima e verdadeira de
tudo, não só do homem moral mas de toda a natureza, ainda nos seus
momentos physicos elementares. A _monadologia_ de Leibnitz,
convenientemente reformada, presta-se perfeitamente a esta
interpretação do mundo, ao mesmo tempo naturalista e espiritualista. O
espirito é que é o typo da realidade: a natureza não é mais do que uma
longiqua imitação, um vago arremedo, um symbolo obscuro e
imperfeito do espirito. O Universo tem pois como lei suprema o bem,
essencia do espirito. A liberdade, em despeito do determinismo
inflexivel da natureza, não é uma palavra vã: ella é possivel e realiza-se
na santidade. Para o santo, o mundo cessou de ser um carcere: elle é
pelo contrario o senhor do mundo, porque é o seu supremo interprete.
Só por elle é que o Universo sabe para que existe: só elle realiza o fim
do Universo.
Estes pensamentos e muitos outros, mas concatenados
systematicamente, formam o que eu chamarei, embora ambiciosamente,
a minha philosophia. O meu amigo Oliveira Martins apresentou-me
como um buddhista. Ha, com effeito, muita coisa commum entre as
minhas doutrinas e o Buddhismo, mas creio que ha n'ellas mais alguma
coisa do que isso. Parece-me que é esta a tendencia do espirito moderno
que, dada a sua direcção e os seus pontos de partida, não pode sair do
naturalismo, cada vez em maior estado de banca rota, senão por esta
porta do psychodynamismo ou panpsychismo. Creio que é este o ponto
nodal e o centro de attracção da grande nebulose do pensamento
moderno, em via de condensação. Por toda a parte, mas sobretudo na
Allemanha, encontram-se claros symptomas d'esta tendencia. O
occidente produzirá pois, por seu turno, o seu Buddhismo, a sua
doutrina mystica definitiva, mas com mais solidos alicerces e, por todos
os lados, em melhores condições do que o Oriente.

Não sei se poderei realizar, como tenho desejo, a exposição dogmatica
das minhas idéas philosophicas. Quizera concentrar n'essa obra
suprema toda a actividade dos annos que me restam a viver. Desconfio,
porém, que não o conseguirei; a doença que me ataca os centros
nervosos, não me permitte esforço tão grande e tão aturado como fôra
indispensavel para levar a cabo tão grande empreza. Morrerei, porém,
com a satisfação de ter entrevisto a direcção definitiva do pensamento
europeu, o Norte para onde se inclina a divina bussola do espirito
humano. Morrerei tambem, depois de uma vida moralmente tão agitada
e dolorosa, na placidez de pensamentos tão irmãos das mais intimas
aspirações da alma humana e, como diziam os antigos, na paz do
Senhor!--Assim o espero.
Os ultimos 21 Sonetos do meu livrinho dão um reflexo
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