estava ainda a meio caminho da formação de mim mesmo! Consummi
muita actividade e algum talento, merecedor de melhor emprego, em
artigos de jornaes, em folhetos, em proclamações, em conferencias
revolucionarias: ao mesmo tempo que conspirava a favor da União
Iberica, fundava com a outra mão sociedades operarias e introduzia,
adepto de Marx e Engels, em Portugal a Associação Internacional dos
Trabalhadores. Fui durante uns 7 ou 8 annos uma especie de pequeno
Lassalle, e tive a minha hora de vã popularidade.
Do que publiquei por esse tempo, ahi vae o que ainda posso lembrar. O
meu primeiro folheto é do anno de 1864. Intitula-se: _Defeza da Carta
Encyclica de S. S. Pio IX contra a chamada opinião liberal_. É um
protesto contra a falta de logica com que as folhas liberaes atacavam o
_Syllabus_, declarando-se ao mesmo tempo fieis catholicos. O auctor,
glorificando o Pontífice pela belleza da sua altitude intransigente em
face do seculo, via n'essa intransigencia uma lei historica, resava
respeitosamente um _De profundis_ sobre a egreja condemnada pela
mesma grandeza da sua instituição a cahir inteira mas não a render-se, e
atacava a hypocrisia dos jornaes liberaes.
O meu ultimo folheto é de 1871. Intitula-se: _Carta ao ex.^{mo}
marquez de Avila e Bolama, sobre a Portaria que mandou fechar as
Conferencias do Casino lisbonense_. As Conferencias Democraticas
tinham sido fundadas por mim com o concurso de homens moços (que
quasi todos têm hoje nome na politica) e eram muito frequentadas pelo
escol da classe operaria. Pareceram perigosas ao governo, que
arbitrariamente as mandou fechar. O meu folheto parece que concorreu,
segundo se disse, para a queda do ministerio, que, de resto, não podia
durar muito, sendo dos chamados de transição. É uma diatribe, mas
eloquente.
Entre esses dous extremos, colloca-se a famosa _Questão Litteraria_ ou
a _Questão de Coimbra_, que durante mais de 6 mezes agitou o nosso
pequeno mundo litterario, e foi o ponto de partida da actual evolução da
litteratura portugueza. Os _novos_ datam todos de então. O
Hegeltanismo dos Coimbrões fez explosão.
O velho Castilho, o Arcade posthumo, como então lhe chamaram, viu a
geração nova insurgir-se contra o sua chefatura anachronica. Houve em
tudo isto muita irreverencia e muito excesso; mas é certo que Castilho,
artista primoroso mas totalmente destituido de idéa, não podia presidir,
como pretendia, a uma geração ardente, que surgia, e antes de tudo
aspirava a uma nova direcção, a _orientar-se_ como depois se disse, nas
correntes do espirito da época. Havia na mocidade uma grande
fermentação intellectual, confusa, desordenada, mas fecunda: Castilho,
que a não comprehendia, julgou poder supprimil-a com processos de
velho pedagogo. _Inde irae_. Rompi eu o fogo com o folheto _Bom
senso e Bom gosto, carta ao ex.^{mo} A. F. de Castilho_. Seguiu-se
Theophilo Braga, seguiram-se depois muitos outros, _la melée devint
génerale_. Todo o inverno de 1865 a 66 se passou n'este batalhar.
Quando o fumo se dissipou, o que se viu mais claramente foi que havia
em Portugal um grupo de 16 a 20 rapazes, que não queriam saber da
Academia nem dos Academicos, que já não eram catholicos nem
monarchicos, que fallavam de Goethe e Hegel como os velhos tinham
fallado de Chateaubriand e de Cousin; e de Michelet e Proudhon, como
os outros de Guizot e Bastiat; que citavam nomes barbaros e sciencias
desconhecidas, como glottica, philologia etc., que inspiravam talvez
pouca confiança pela petulancia e irreverencia, mas que
inquestionavelmente tinham talento e estavam de boa fé e que, em
summa, havia a esperar d'elles alguma cousa, _quando assentassem_.
Os factos confirmaram esta impressão: os 10 ou 12 primeiros nomes da
litteratura de hoje sahiram todos (salvos 2 ou 3) da Escola Coimbrã ou
da influencia d'ella. O Germanismo tomara pé em Portugal. Abrira-se
uma nova éra para o pensamento portuguez. O velho Portugal ainda
conservado artificialmente por uma litteratura de convenção morrera
definitivamente. D'esta especie de revolução fui eu o porta estandarte,
com o que me não desvaneço sobre maneira, mas tambem não me
arrependo. Se a uma ordem artificial se seguia uma especie de anarchia,
é isso ainda assim preferivel, porque uma contem germens de vida, e da
outra nada havia a esperar. Pertence ainda a essa epoca o folheto:
_Dignidade das Lettras e Litteraturas officiaes_.
Durante o anno de 1867 e parte de 68 viajei em França e Hespanha e
visitei os Estados Unidos da America. No fim d'esse anno de 68
publiquei o folheto: _Portugal perante a Revolução de Hespanha_.
Advogava ahi a União Iberica por meio da Republica Federal, então
representada em Hespanha por Castellar, Pi y Margall e a maioria das
Côrtes Constituintes. Era uma grande illusão, da qual porém só desisti
(como de muitas outras d'esse tempo) á força de golpes brutaes e
repetidos da experiencia. Tanto custa a corrigir um certo falso
idealismo nas cousas da sociedade!
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