Paródia ao primeiro canto dos Lusíadas de Camões por quatro estudantes de Évora | Page 7

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LXXIV.
Está do Fado já determinado
Que em tantas bebedices tão famosas

Se tenham d'estes bebados achado,
As suas taças sempre victoriosas;

E eu Baccho tão sublime e tão honrado
Bebado, e mais de partes
tão honrosas,
Hei de soffrer que o Fado favoreça
Outrem por quem

meu copo se escureça?
LXXV.
Já quizeram os Fados que tivesse
Esta genta victoria n'esta parte,

Cujos campos o Tejo reverdece;
E que com tanto vinho não se farte!

Pois não se ha de soffrer que o Fado desse
A tão poucos tamanho
esforço e arte,
Que venham beber vinho transtagano,
Abatendo o
gran nome do Thebano.
LXXVI.
Não será assi: porque antes que chegado
Seja Vasco Bagulho,
astutamente
Lhe será tanto engano fabricado,
Que nunca beba
d'Ev'ra o vinho ardente.
A Monte-mór irei, e o indignado
Peito
rovolverei do bom bebente:
Porque sempre per via irá direita

Aquelle que no vinho agoa não deita.
LXXVII.
Isto dizendo irado e quasi insano
N'esse Monte-mór fresco se desceu,

Onde tomando a fórma e gesto humano,
Para onde estava o
Marques se moveu:
E por melhor tecer o astuto engano,
No gesto
natural se converteu
De Talha-manco muito seu valido,
Um
Taverneiro velho conhecido.
LXXVIII.
Estando assi bebendo co'elle a horas
Á sua falsidade accommodadas,

Lhe diz como eram gentes roubadoras.
Estas que ora de novo são
chegadas,
Que das gentes nas vendas moradoras
Correndo a Fama
veio que roubadas
Foram por estes homens que passavam,
Que sob
capa de paz sempre ancoravam.
LXXIX.

E sabe mais, lhe diz, como entendido
D'estes bebados tenho
bagulhentos,
Que deixam Riba-tejo destruido
Em beber com
incendios violentos:
E trazem já de longe o engano urdido
Contra
nós; que todos seus intentos
São para os nossos vinhos esgotarem,

E pipas, toneis, quartos, despejarem.
LXXX.
E tambem sei que tem determinado
Da virem buscar vinho aqui mui
cedo,
Mas ter-lhe-hemos um tal ardil traçado
Que não cheguem a
ver o de Louredo.
Á justiça darás logo recado
Que estes galantes
prenda, que sem medo
Pelo caminho roubam, pela estrada,
E só
com furtos bebem na jornada.
LXXXI.
E se assi não tivermos d'este feito
Impedido o caminho totalmente,

Eu tenho imaginado no conceito
Outra manha e ardil que te contente.

Manda-lhe aqui dar guia que de geito
Seja astuto no engano e tão
prudente,
Que os leve adonde sejam submergidos,
Onde a agoa dê
fim a seus sentidos.
LXXXII.
Tanto que estas palavras acabou,
O Tridentino André, bebado velho,

Os braços ao pescoço lhe lançou,
Agradecendo muito o tal
conselho.
Em se apartando d'elle concertou
Para os poder prender
todo o apparelho,
Com que em puro desgosto lhe tornassem

D'Evora o vinho puro que buscassem.
LXXXIII.
E busca mais para o cuidado engano
Um homem que d'alli com elle
mande,
Sagaz, astuto, sabio em todo o dano,
De quem fiar se possa
um quarto grande.
Diz-lhe que acompanhando o Alcochetano
Por
ribeiras, por charcos com elle ande,
Que se d'aqui passar, que lá

adiante
Vá cahir onde nunca se levante.
LXXXIV.
Já o carro d'Apollo caminhava
Pelo nosso horizonte, quando erguido

O bom Vasco c'os seus determinava
De vir por vinho á terra
apercebido.
Os borrachões a gente desatava,
Corre-se cada qual não
ter bebido;
E do que á venda veio novamente
Beberam todos logo
em continente.
LXXXV.
Assi se vem chegando junto á terra
Para tomar o vinho necessario;

Mas o Marques o vinho todo encerra
Só pelo não beber o seu
contrario.
Porém Vasco Bagulho que não erra
Em não se fiar d'este
adversario,
Apercebido vem como podia
E entra em Monte-mór
com alegria.
LXXXVI.
O grão Marques que o vê logo desmaia,
Diz á Justiça que ande
apparelhada
De pistolete, chuça e azagaia,
De rodela, de casco e
boa espada;
E que em dando recado logo saia,
Porque tome esta
gente atordoada.
E para que melhor isto se faça
Vae-se beber com
elles per negaça.
LXXXVII.
Bebendo André co'a gente sequiosa,
Andam os beleguins fóra
espreitando,
E co'a chuça e azagaia perigosa
Ao Marques se
entraram acenando.
Mas a gula que estava desejosa
De beber, sem
recado vão entrando.
Qualquer se lança ao copo tão ligeiro,
Que
nenhum dizer póde que é primeiro.
LXXXVIII.

Qual pobre ajuntamento d'estudante
De quatro, cinco ou seis de
camarada
Que vê que é pouco o vinho e não bastante,
Que ha para
todos só uma canada;
Qualquer d'elles pertende andar diante,
Por
lhe não tocar vez esfarrapada:
Tal pressa ha nos de fóra e nos da terra,

Mas todos se vão já chegando á serra.
LXXXIX.
Eis no estomago o fumo se levanta
Da furiosa e quente companhia,

Que de tal modo bebem que se encanta
O vendeiro que o vinho lhes
vendia.
A multidão dos fumos era tanta
Do vinho que á cabeça lhes
subia,
Que logo o Alcaide foge de medroso,
De que o Marques
ficou mui desgostoso.
XC.
Não deixam os que ficam sua empreza,
Mas o muito que bebem mal
os trata,
Que se o beber tomavam por defeza,
Esse mesmo beber os
desbarata.
Alegres ficam todos sem tristeza,
Já julgam a amizade
por barata,
E trocam seus enganos á porfia
Pelo amor que do vinho
lhes nascia.
XCI.
Vae-se cada um a casa retirando,
Porque quer vomitar muito
apressado;
Quem arrota, e alli vae engulhando,
Na boca mette a
mão desatinado.
O vendeiro fugiu, desamparando
A venda, do
beber amedrontado;
Gloriam-se os que ficam do seu braço
Que a
tantos afugenta em breve espaço.
XCII.
Uns deixam por alli suas espadas,
Dos outros quem a leva não o sente;

Quem se deixa cair ás tres passadas,
Quem bebe o
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