Paródia ao primeiro canto dos Lusíadas de Camões por quatro estudantes de Évora | Page 6

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ardente,

Guiando-vos irei, té que sejaes
Postos em Monte-mór seguramente,

Onde será bem feito que vejaes
O tridentino André que é o bebente

Que essa terra governa, e que vos veja,
Para que d'alguns vinhos
vos proveja.
LVI.
Dizendo isto o Mourisco carregou
Os seus odres, deixando a
companhia,
D'ella e do vendeiro se apartou;
Bebe cada um sua vez
por cortezia;
Os novos companheiros acceitou
Com mostras de
prazer e d'alegria,
Dizendo a cada um que caminhasse,
E quem

beber quizesse que o tomasse.
LVII.
A noite se passou na leda frota
Com estranha alegria não cuidada,

Por acharem em terra tão remota
A venda nova d'elles desejada.

Disse o Mourisco alli: Venga la bota!
Na castelhana lingua d'elle
usada.
Elles que no beber tanto se esmeram,
A seu mandado logo
obedeceram.
LVIII.
Do vinho alegres côres rutilavam
Pelas taças de vidro crystallino;

As velhas azeitonas que lhes davam
Festejam mais que flôres e
boninas,
Da venda os taverneiros s'espantavam
Do cheiro e do
sabor das agoas finas,
Porém a demais gente não provava
O bom
licor que entre esta se brindava.
LIX.
Mas assi como a Aurora marchetada
As fermosas borrachas lhe
mostrou
Áquella gente meia atordoada,
Cada qual d'elles sua vez
tomou.
Começa a embebedar-se a camarada,
Que de fermosos
frascos se adornou,
Para beber com festa e alegria
C'o bebedor da
terra que partia.
LX.
Partia alegremente, desejando
De beber já com gentes tão ufanas,

Que por charnecas sêccas caminhando,
Vem a beber em terras
Transtaganas.
A borracha que traz vem empinando
Do licor que se
vende não com canas.
Já chega, mas sem gota o Tridentino;
E quem
sem gota está é bem mofino.
LXI.

Recebem-no alli alegremente,
O Mourisco com sua companhia,
E
dá-lhe d'azeitonas um presente,
Que para tal effeito já trazia.
Dá-lhe
sardinha frita; salta o ardente
Licor, com que elle tem tanta alegria.

Tudo o Marques contente bem recebe,
Mas triste está com ver que
ninguem bebe.
LXII.
Estava o Granadino mui confuso
Com ver que não tem já de vinho
nada,
Com que brinde ao bebente, como é uso,
Que para o receber
fez tal jornada.
Reprende o companheiro seu abuso,
Pois sequer não
deixára uma canada
Para enxaugoar a boca ao que trazia
Do fresco
Monte-mór a alegre via.
LXIII.
Porque em chegando diz que ver deseja
Do vinho os instrumentos;
que não crê
Que tão honrada gente alli esteja,
Sem terem pelo
menos agoa-pé.
Mas os outros a quem nada sobeja
Do licor da boa
planta de Noé,
Aos vendeiros pedem que alli 'stavam,
Das
fundagens que para si guardavam.
LXIV.
E disse um d'elles: pois que em tal sazão
Viemos que entre nós nem
gota havia,
Quero-vos dar alguma informação
De nós, em quanto o
vinho lá se avia.
Posto que granadino é de nação
Este homem que
nos serve aqui de guia,
Perto está de Lisboa a patria nossa,

Buscamos Peramanca amada vossa.
LXV.
Deixamos esgotado todo o imperio
Que Baccho em nossas terras tem
visivel;
Vimos correndo agora este hemispherio,
Porque beber por
lá não é soffrivel:
E posto que sofframos vituperio,
Por um largo
beber tudo é soffrivel:
Que melhor é vergonha em quem bebeu,
Que

a dôr por não soffrer q'outrem soffreu.
LXVI.
Porque bastava só vinho infinito,
Que não ha nem gota já na
companhia,
Que é tal, e no beber tem tal esp'rito,
Que inda um Tejo
de vinho esgotaria.
Se as vasilhas quer ver como tem dito,

Cumprido esse desejo te seria:
Vasias as verás, que eu me obrigo

Que sempre assi 'starão, s'imos comtigo.
LXVII.
Isto dizendo mostram diligentes
Os vasos com que apagam as
seccuras;
Mostram fermosos frascos e as pendentes
Borrachas que
em caminhos são seguras:
Os odres nas medidas differentes,

Cobertos d'encouradas vestiduras:
Outras borrachas trazem por
aljavas,
De còrno copos grandes, taças bravas.
LXVIII.
Chega n'isto o vendeiro diligente
Com as suas fundagens saborosas;

Bebe d'ellas André alegremente,
Desafiando as gentes tão famosas.

Mas d'entre elles um bebado valente
Responde-lhe que as gentes
valerosas
Não sahiam a um; e com razão,
Que é fraqueza entre
ovelhas ser leão.
LXIX.
Mas d'isto que André Marques bem notou
E de tudo o que ouviu no
copo attento,
Um odio certo n'alma lhe ficou
Uma vontade má de
pensamento.
Nas obras e no gesto o não mostrou,
Mas com risonho
e ledo fingimento
Tratal-os brandamente determina,
Até que
mostrar possa o que imagina.
LXX.

Piloto lhe pedia o capitão
Por quem podesse a Evora ser levado,

Polo qual lhe daria um borrachão
De vinho de Valbom que é
extremado.
André lh'o prometteu, mas com tenção
De peito
venenoso e tão danado,
Que a morte, se podesse, n'este dia
Em
logar de piloto lhe daria.
LXXI.
Tal odio lhe ficou e má vontade
Da resposta que aquelle lhe tornou,

Que agoa lhe ordena dar com falsidade
Em logar do licor que Noé
deixou.
Oh que caso cruel! oh que maldade!
Que de uma só palavra
que soltou
D'este que elle buscava como amigo
O faz ficar seu
perfido inimigo!
LXXII.
Partiu-se n'isto André, sem companhia
Dos bebados que tinha
despedido,
Com engano seu e grande cortezia,
O gesto ledo a todos
e fingido.
Já sobre seu asninho se subia
Com vinho de que ia
apercebido,
E quando se desceu no aposento
Não levava a borracha
mais que vento.
LXXIII.
Da rua das adegas o Thebano,
Que da parternal coxa foi nascido,

Olhando o ajuntamento tão ufano,
Ser do seu bom André aborrecido,

No pensamento cuida um falso engano
Com que seja de todo
destruido.
E em quanto isto n'alma imaginava
Um borrachão
tomando assi fallava.
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