Paródia ao primeiro canto dos Lusíadas de Camões por quatro estudantes de Évora | Page 5

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porque o seu beber o
merecia,
Tremelicando alli se levantava,
Olhando a quem primeiro
brindaria;
Um borrachão famoso pendurado,
Trazia ao tiracolo ao
esquerdo lado.
XXXVII.
Do pichel a viseira rutilante
Levantada, de vinho branco e puro,
Por
dar-lhe de beber a pôz diante
De Francisco com taes armas seguro,

E dando uma pancada penetrante
C'o grande borrachão no sólo duro,

O chão tremeu, e um d'elles de torvado,
Uma gran vez tomou sobre
um bocado.
XXXVIII.
E diz: Ó bebado alto, a cujo imperio
Os vinhos obedecem que
encerraste,
Se aquelles que em ti buscam refrigerio,
Cujo beber

soberbo tanto amaste,
Não queres que padeçam vituperio,
Pois que
esta adega hoje lhe mostraste,
Não ouças mais, pois bebado és direito,

A quem em bebedices é suspeito.
XXXIX.
Porque se o copo aqui se não mostrasse
Vencido d'esta gente e
infamado,
Bem fôra que aqui Baccho o sustentasse,
Que o territorio
seu deixa esgotado,
Mas esta tenção sua agora passe,
Porque em
fim vem de estomago danado;
E nunca beba mais vinho de Beja

Quem do beber alheo tem inveja.
XL.
E tu pois que padre és da borracheza,
Não consintas que bebam por
canada;
E porque mostres mais tua grandeza,
Com pipas, quartos
seja agasalhada:
Tragam-lhe alguns leitões lá da deveza
De
conserva azeitona e retalhada,
Sardinha de Liceira que é conforme

Que a sêde se repare e se reforme.
XLI.
Como isto disse o bebado famoso
O grão Francisco ledo consentiu,

E uma taça de vinho mui cheiroso
Logo sobre elles todos esparsiu.

Cada um pelo caminho desgostoso
Da rua das adegas se partiu,

Providos de beber seus instrumentos
Tornaram para os frios
aposentos.
XLII.
Em quanto este conselho na famosa
Adega se passou, aquella gente

Pisando a charneca sequiosa
Beber deseja d'Evora a agoa-ardente.
E
chegando á Amieira lamarosa,
Onde o caminho vem de Benavente,

Se algum licor trazia de Lyeo,
Sem gota lhe ficar alli o bebeo.
XLIII.

Tão rijamente os odres despejavam
Como em terra que tem de vinho
abrigo;
Mas se tanto bebiam confiavam
No Thomé dos Pegões que
era amigo.
Á desejada venda já chegavam
Onde os abraça o seu
compadre antigo;
E em signal que da vinda se alegrava,
Novos
vinhos que tinha lhe mostrava.
XLIV.
Vasco Bagulho que era o capitão
Que ás Bacchanaes venturas se
offerece,
De soberbo e altivo borrachão,
A quem fortuna em copo
favorece,
Para se aqui deter não vê razão,
Que a terra não dá vinho
ao que parece.
Por diante passar determinava
Mas impediu-lh'o o
vinho que chegava.
XLV.
Eis que apparece logo em companhia
Uma recova d'asnos de Castella,

Que gran copia de vinho lhe trazia,
Que foi fermosa vista, cousa
bella.
Alvoroçam-se todos de alegria,
Desejam já provar a causa
d'ella:
Que tal será o vinho alli diziam,
De que logares estes o
trariam?
XLVI.
Os seus borrachões eram de maneira
Que pipas pareciam mui
compridas,
Agasalha-os com festa a taverneira
Por suas taças ver
melhor providas,
O vinho bota em vasos de madeira.
Enchendo do
restante as mais medidas.
Senta-se á meza logo em continente,
Para
beber tambem com esta gente.
XLVII.
E do que os Castelhanos vem providos
Começam a comer todos
sentados,
Que uns d'azeitonas vem apercebidos,
Outros de uns
pexinhos bem salgados.
E os que de manjares vem despidos,

Começam a mandar vir alhos assados,
E sobre isto aos outros vão

brindando,
Os castelhanos vinhos festejando.
XLVIII.
Estando assi comendo, eis que chegavam
Outros que lhes pediam que
esperassem,
Porque para beber desafiavam
Os mais famosos tres
que alli se achavam.
Vinho trazem tambem, o qual gavavam,

Pedindo aos assentados que provassem:
Para provar do vinho um fóra
salta,
Que no beber aos outros mais se exalta.
XLIX.
Não tem descarregado a agoa-ardente,
Quando o que saltou fóra já
bebia;
Começa de gaval-o á sua gente,
Dizendo que parece
malvasia.
O tarverneiro então em continente
Tal gente recebeu com
alegria.
Enchem vasos de vinho e do que deitam
Os que vem e os
que estão nem gota engeitam.
L.
Comendo alegremente perguntavam,
Com lingua onde as palavras se
detinham,
D'onde era o licor branco que gostavam
E se vermelho
entre elle tambem tinham.
De Castella os marranos lhe tornavam

Que si, e suas mercês de donde vinham?
Disse um d'elles: De junto a
Benavente,
Vimos a Evora a beber sómente.
LI.
De Riba-tejo temos já provado
Os vinhos, e as adegas temos visto,

Caparica deixamos esgotado
_Molto sudando nel glorioso acquisto_.

E de um bebado somos tão amado,
Tão querido de todos e bem
quisto,
Que não no largo mar com leda fronte,
Mas de vinho
entraremos n'uma fonte.
LII.

E por mandado seu buscando vamos
A terra que Louredo em torno
rega,
Depois que os quartos todos esgotamos
Da Telha, Lavradio,
Aldea-gallega.
Mas já razão parece que saibamos,
Se entre vós a
verdade se não nega,
Quem sois, que vinho é este que buscaes,
E se
tendes do d'Evora alguns signaes.
LIII.
Somos, um dos do vinho lhe tornou,
Estrangeiros na terra e na nação,

Que os proprios são aquelles que criou
A terra que sovado come o
pão.
A lei cega tivemos que ensinou
Aquelle descendente de
Abrahão,
Que vinho não bebeu quente nem frio;
_Intendami chi
può, che m'intend'io_.
LIV.
Esta pequena venda aonde estamos
É de nossa passagem certa escala,

Onde ás vezes taes vinhos nós gostamos,
Que acontece ficar
homem sem falla.
E por ser terra esteril procuramos,
Cada vez que
passamos, visital-a.
Comem aqui e bebem tanto a pique,
Que
prometto que o Fuentes cedo enrique.
LV.
E pois que tantos odres despejaes
Se d'Evora buscaes o vinho
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