Paródia ao primeiro canto dos Lusíadas de Camões por quatro estudantes de Évora | Page 4

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nossa cidade está esgotada,
Inda que o gesso as faz menos
gostosas;
C'o licor novo espera ser tirada
A reima das entranhas
sequiosas,
Porque esse é o que aquenta a velha idade
Desterrando a
agoa-pé d'esta cidade.
XVIII.
Mas em quanto com novo não me alento,
Reparti com os pobres que
o desejam;
Ide largando d'elle, com intento
Que seus poucos reales
vossos sejam.
Assi recolhereis o nosso argento,
E de todos aquelles
que festejam
Por tal ordem a Baccho celebrado,
Que costumam
beber cada bocado.
XIX.
Já de lá d'Alcochete caminhavam,
As fermosas borrachas apertando,

E depois de vasias as largavam,
Outras d'outro licor melhor
tomando,
De branca escuma os copos se mostravam
Cubertos ao
beber não lhe assoprando;
Mas as agoas nem doces, nem salgadas

D'ellas vistas não foram nem provadas.
XX.
Quando Francisco, bebado espantoso,
Que em copo, frasco, taça é
eminente,
Se ajuntou em conselho, desejoso
De dar favor a toda

aquella gente.
Pisando esse caminho tão famoso
Da rua das adegas
prestemente,
Convocados da parte do entornante
Por um já n'outro
tempo bom tocante.
XXI.
Deixam dos sótãos frios o aposento
Que para beber n'elles lhe foi
dado,
Obedecendo logo ao mandamento
De um bebado tão nobre e
tão honrado.
Alli se acharam juntos n'um momento
No bairro de
Reimonde celebrado,
Os da Porta d'Avis e outros onde
As suas
casas grandes tem o Conde.
XXII.
'Stava Francisco alli sublime e dino,
Vermelho como os raios de
Vulcano;
Por sceptro tinha um copo crystalino
De cheiroso licor,
mas não d'este anno;
Da boca lhe sahia um ar tão fino,
Que em
vinho convertêra um tigre hyrcano;
Dos ramos tinha c'rôa rutilante

Em que tornou a Daphne seu amante.
XXIII.
Em lagariças, dornas assentados,
Cubertos de mosquitos que voavam,

Os mais bebados são agasalhados,
Sem ordem nem razão se
assentavam.
Precedem os menores aos honrados;
E assi uns pelos
outros se trocavam:
Quando Francisco alto assi dizendo,
Com tom
de voz começa grave e horrendo:
XXIV.
Moradores de donde antigamente
Teve Sertorio casa e certo assento,

Se do grande beber da forte gente
De Baccho não perdeis o
pensamento,
Deveis de ter sabido claramente
Como é dos fados
grandes certo intento
Que por elles s'esqueçam Castelhanos,

Flamengos, Allemães, Italianos.

XXV.
Já lhe foi, bem o vistes, concedido
A um bebado d'estes mais
pequeno
Sogigar Caparica e ter bebido
Toda a terra que rega o Tejo
ameno.
Camarate lhe tem obedecido,
Póvos se lhe mostrou brando
e sereno;
Para que é mais cansar? cousa é notoria
D'Ourem e
Figueiró levaram gloria.
XXVI.
Deixo, bebados, toda a fama antiga
Que lá dentro em Lisboa uns
alcançaram,
Quando com dez Tudescos n'uma briga
No nosso
officio tanto se afanaram.
Tambem deixo a memoria que os obriga

A grande nome quando se tomaram
C'um soldado Hollandez, c'um
Biscainho,
Quando a carga do frasco era só vinho.
XXVII.
Agora vêdes bem que vem bebendo,
E cada qual já traz seu couro
leve,
Pelas charnecas sêccas, não temendo
Sequidão dos Pegões, a
mais se atreve;
Que havendo tantos já que as partes vendo
Onde o
copo comprido tem por breve,
Inclinam seu proposito e porfia
A
ver os vinhos que Evora teria.
XXVIII.
Promettido lhe tem Baccho o governo
Da rua das adegas celebrada,

Onde vinhos lhe tem que os de Falerno,
Os do Rhim, ou de Alcache
tem em nada.
Bem sabeis que se vem chegando o inverno,
Esta
gente vem sêcca e esgotada,
Já parece bem feito que lhe seja

Mostrada Peramanca que deseja.
XXIX.
E porque, como ouvistes, tem passados
Na viagem tão asperos
perigos,
Tantos vinhos vinagres esgotados,
Nas Vendas novas, nos

Pegões antigos;
Que sejam determino agasalhados
Entre as quintas
aqui de seus amigos,
E enchendo cada qual a sua bota
Comecem a
seguir sua derrota.
XXX.
Taes palavras Francisco assi dizia,
Quando todos sem ordem
respondendo,
Na sentença um do outro differia,
Razões diversas
dando e recebendo.
Mas Pero Vaz alli não consentia
No que
Francisco disse, conhecendo
Que esqueceria um bebado eminente

Se cá viesse beber aquella gente.
XXXI.
A bebados ouvira que viria
Uma gente de copo tão estranha,
Pela
charneca, a qual esgotaria
Tudo quanto Louredo e Lagem banha;
E
com beberes novos venceria
A todos os famosos d'Allemanha.

Altamente lhe dóe perder a gloria
Na taça em que de todos tem
victoria.
XXXII.
Vê que de Evora teve sogigado
Os bebados e o vinho, e nunca caso

Lhe tirou por insigne ser louvado
Té dos imigos d'agoa do Parnaso.

Teme agora que seja sepultado
Seu tão celebre nome em negro vaso

D'agoa do esquecimento, se lhe chegam
Os bebados insignes que
navegam.
XXXIII.
Sustentava contra elle o Catigela,
Affeiçoado á gente bebedana,
Por
quantas bebedices vira n'ella,
Jantando em Alcochete uma semana.

Affeiçoado vem da gente bella,
Que por brazões os copos tem ufana,

De quem a lingua é tal, se o copo empina,
Que ora parece grega,
ora latina.

XXXIV.
Estas cousas se movem em uma cêa
Onde apenas um ao outro
s'entende,
Um d'elles tem a vinda em boa estrêa,
Outro ás
picheladas a defende;
Assi que um pela infamia que recêa,
E outro
pelo gasto que pretende,
Porfiam, arrebessam, permanecem,
A
quasquer seus amigos favorecem.
XXXV.
Qual o fervente mosto em talha escura,
Quando a tinta lhe lançam
espremida,
Por aqui, por alli sair procura
Com impeto e braveza
desmedida;
A adega brame toda co'a fervura,
Bota o bagulho fóra a
escuma erguida,
Tal andava o tumulto levantado
Entre um bebado e
outro apaixonado.
XXXVI.
Mas um que a esta gente sustentava,
E d'entre todos elles mais bebia,

Ou porque o amor do vinho o obrigava;
Ou
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