proprio original e letra de
Bartholomeu Varella, que está em poder do Chantre da Sé d'esta cidade,
Manoel Severim de Faria, que a houve do dito Varella, e lhe fiz
algumas cotas para intelligencia da obra.
Isto me parece basta para se saber o como esta obra se fez. E eu
_Francisco Soares Toscano_ o fiz aos 10 de Janeiro de 1619.
FESTAS BACCHANAES.
ARGUMENTO.
_Fazem concilio os bebados de porte,
Oppõe-se aos Bagulhentos
Pedro ingente;
Favorece-os o Catigela forte,
No Lamarosa tem seu
lava-dente.
De inveja Lyeo lhes busca a morte,
Descendo a
Monte-mór contra esta gente,
Que vê em rio Mourinho a acção
traidora,
E a Peramanca chega vencedora_.
I.
Borrachas, borrachões assignalados,
Que de Alcochete junto a Villa
Franca,
Por mares nunca d'antes navegados
Passaram inda além de
Peramanca:
Em pagodes, e ceias esforçados,
Mais do que se
permitte a gente branca,
Em Evora cidade se alojaram,
Onde pipas e
quartos despejaram:
II.
Tambem as bebedices mui famosas
D'aquelles que andaram
esgotando
O imperio de Baccho, e as saborosas
Agoas do bom
Louredo devastando;
E os que por bebedices valerosas
Se vão das
leis do reino libertando;
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a
tanto me ajudar Baccho, e não Marte.
III.
Cessem do Novellão, do gran Barbança
As grandes bebedices que
fizeram;
Cale-se do Rangel e do Carrança
A multidão dos vinhos
que beberam,
Que eu canto d'outra gente e d'outra lança,
A quem
frascos de vinho obedeceram:
Cesse tudo o que a musa antiga canta,
Que outro beber mais alto se alevanta.
IV.
E vós, bacchanaes nymphas, pois creado
Em mim tendes a sêde tão
ardente,
Se sempre em largo copo espraiado
Festejei vosso vinho
alegremente,
Dae-me agora um bom papo despejado
Para beber á
perda co'esta gente,
Porque de vossas agoas Baccho ordene
Um rio
para bebados perenne.
V.
Dae-me uma vasilha mui cheirosa,
Seja de bom licor, não saiba a
arruda,
De Peramanca seja que é gostosa,
O peito esforça, a côr ao
gesto muda;
Dae-me igual nome ás tassas da famosa
Gente vossa
que Baccho tanto ajuda;
Que se espalhe, e se cante no universo,
Se
tanta bebedice cabe em verso.
VI.
E vós, Fernan Gonçalves, segurança
Das festas de Lyeo em esta idade,
Podeis atravessar com confiança
Quantas adegas ha n'esta cidade:
Vós, mano, nosso amor, nossa esperança,
A quem só promettemos
lealdade,
Pois Baccho a nós vos deu por cousa grande,
Seja a
medida assim de quem a mande.
VII.
Vós só tendes o ramo florescente
Da arvore de Cybele mais amada,
Que nenhuma nascida em Benavente
Ou pelo rio abaixo até Almada.
Vêde-o nas toalhas, que presente
Vos mostra a bebedice já passada,
Nas quaes vivas lembranças vos deixou
O que de vinho mais se
carregou.
VIII.
Vós, alto taverneiro, cujo imperio
O bebado em se erguendo vê
primeiro,
Ou beba n'este nosso hemisferio,
Ou beba lá n'esse outro
derradeiro:
E nem por isso sente vituperio
O fidalgo, o estudante, o
cavalleiro,
Antes o Turco, o Mouro, e o Gentio
Lhes pêza não beber
do vosso rio:
IX.
Inclinae por um pouco a magestade,
Que no azamboado rosto vos
contemplo,
Quando fordes c'os mais d'esta cidade
Offertar-vos a
Baccho no seu templo:
Os olhos da real bebecidade
Ponde no
borrachão, vereis exemplo
De amor de vossos vinhos saborosos
Por
bebados louvados espantosos.
X.
Então vereis se sois bem conhecido
De todos os amigos de Falerno;
Que não é pouco ser obedecido
No estio, primavera, outono,
inverno:
Ouvi, vereis o nome engrandecido
D'aquelles de quem sois
senhor superno;
E julgareis qual é mais excellente
Se ser do mundo
rei, se de tal gente.
XI.
Ouvi, que não vereis com vãs façanhas
Fantasticas, fingidas,
mentirosas,
Louvar os vossos, como nas estranhas
Musas, de
engrandecer-se desejosas:
Bebedices dos vossos são tamanhas,
Que
excedem as sonhadas fabulosas,
Que excedem ao primeiro vinhateiro,
E a Baccho inda que fôra verdadeiro.
XII.
Por estes vos darei um Claudio fero,
Que fez a Peramanca tal serviço,
Um fulano Coutinho, que de mero
A borracha para elle só cubiço.
Pois pelos doze Pares dar-vos quero
Uns doze que sobre um pobre
chouriço
Entornaram tão rijo que de cama
Um monte lhes serviu
d'esterco e lama.
XIII.
E se a troco de Nun'alvres e Barbança
Ou do Luna quereis igual
memoria,
Vêde primeiro a Pedro, cuja lança
No beber escurece
qualquer gloria;
E aquelle que do enxame a segurança
No copo só
quiz ter, por ter victoria;
Aquelle Diogo, invicto cavalleiro,
Que em
quatro não é quarto, mas primeiro.
XIV.
Nem deixarão meus versos esquecidos
Aquelles que na sêde
gastadora
Se fizeram no copo tão subidos,
De Lyeo a bandeira
vencedora:
Um Daniel fortissimo e os temidos
Lacaios, por quem
sei que sempre chora
Da Chamusca e Louredo o vinho forte,
E
outros a quem Thetis causa a morte.
XV.
Em quanto a estes canto, e a vós não posso,
Bom Fernando, que não
me atrevo a tanto,
Essa mão alargae ao vinho vosso,
Dareis materia
a nunca ouvido canto.
Começarão a fugir d'agoa do poço
Os que em
vêl-a sómente tem espanto,
Que em pagodes, merendas e jantares
Empinar querem só de Baccho os mares.
XVI.
Em vós os olhos tem o Mouro frio,
Frio, que usar de vós lhe não é
dado;
Pelo contrario o barbaro gentio
Com desejo de ver-vos 'stá
squentado;
Peramanca o vermelho senhorio
Vos tem s'enviuvaes
apparelhado;
Que pois em dar seus bens sois brando e tenro,
Deseja
de comprar-vos para genro.
XVII.
De Castella se veem n'essa morada
Agoas de duas côres deleitosas,
Quando a
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