Paródia ao primeiro canto dos Lusíadas de Camões por quatro estudantes de Évora | Page 2

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De certo não fez pouco Sua Rev.^{ma} se conseguiu lançar alguma luz
sobre aquelle confuso ou estropeado poema. Nem _Bartholomeu
Varella_, nem o Licenciado _Manoel Luiz_, tiveram a honra de encher
as columnas da Bibliotheca Lusitana; mas João Baptista de Castro de
ambos faz menção no seu Mappa de Portugal. Não é comtudo a Varella,
como elle pensa, que cabem os louvores que lhe dá por esta
composição burlesca. Manoel Luiz Freire--que assim lhe chama um
Padre Francisco da Cruz, citado por Castro,--se deve ter como o
principal e mais chistoso collaborador desta obra. As unicas noticias
biographicas que d'elle sabemos, são as apontadas por Toscano em sua
noticia. O quarto dos theologos, e ao que parece o mais theologo de

todos, foi o pobre _Luiz Mendes de Vasconcellos_, cujo ronceiro estro
só lhe pôde inspirar um unico verso. Não se confunda este obscuro
individuo com o auctor do _Sitio de Lisboa_ e da _Arte militar_,
supposto fossem contemporaneos. Um dedicou-se á Egreja, o outro ás
armas.
Esta parodia chegou a alcançar certa celebridade, ainda que até agora
nunca fosse impressa. Eis-aqui o que d'ella diz Faria e Souza, fallando
de outra de um soneto de Garcilasso, attribuida a Camões: «Lo que mi
poeta hizo conquel soneto de Garcilasso, pasándose de tanta gravedad a
tanta picardia, hizo otro ingenio Portuguez con el canto 1.^o de su
Lusiada, intitulándole _Borrachera_; porque celebra en él á algunos
aficionados del vino; y las mas de las otavas son bueltas á este
proposito con gran felicidad.» E depois de dar como amostra os quatros
primeiros versos da 1.^a oitava, prosegue: «El canto 2.^o continuó (y
no con menos felicidad) _Antonio de Magallanes y Menezes_, señor de
la Ponte da Barca, que este ano de 1645, aqui en Madrid, me referió
algunas estancias. Yo, quando en mi mocedad atendia á esto, bolvi
tambien algunas, de que se me acuerdan los primeros quatro versos de
la 90 del canto 5.^o, que son:
Da boca de facundo capitão, &c.
y mi rebuelta dice deste modo:
Da boca do fecundo borrachão
Pendendo estavam todos bem bebidos,

Quando deu fim a grande inundação
Dos altos copos grandes e
subidos!»
(_Comment. ás Rim. Tom. 1.^o pag. 354_).
FESTAS BACCHANAES:
CONVERSÃO DO PRIMEIRO CANTO DOS LUSIADAS DO
GRANDE LUIZ DE CAMÕES VERTIDOS DO HUMANO EM O
DE-VINHO POR UNS CAPRICHOSOS AUCTORES: S.
O DR. MANOEL DO VALLE, BARTHOLOMEU VARELLA,

LUIZ MENDES DE VASCONCELLOS, E O LICENCIADO
MANOEL LUIZ, NO ANNO DE 1589.

NOTICIA.
Esta obra da conversão do primeiro canto do poema de Luiz de Camões
se fez no anno de 1589, para a qual concorreram quatro pessoas, a saber:
o _Dr. Manoel do Valle_, deputado da Santa Inquisição, que compôz o
livro dos Ensalmos em latim, que agora imprimiu: outro foi
_Bartholomeu Varella_, natural de Vianna, junto a Evora, o qual
falleceu, que era irmão de Diogo Pereira, que foi este anno ás Côrtes,
que El-rei D. Filippe II fez em Lisboa, por Procurador d'esta cidade de
Evora. Foi Bartholomeu Varella clerigo e grandissimo poeta. O terceiro
foi _Luiz Mendes de Vasconcellos_, criado do Arcebispo D. Theotonio;
o qual posto que não era poeta, se achou ao fazer da obra; e só fez um
verso, que é o ultimo da oitava 17; porque estando elles suspensos no
cuidado de completarem a dita oitava e parados no verso que diz:
_Porque este é o que aguenta a velha idade_, acudiu o dito Luiz
Mendes, concluindo:
_Desterrando a agua-pé d'esta cidade._
O quarto e principal auctor foi o Licenciado _Manoel Luiz_, Bacharel;
e este anno de 1619 vive com o Priorado de Terena. Este foi o
promovedor d'esta obra, e a fez quasi toda, ou o melhor d'ella.
Quando a fizeram eram então todos theologos; e ás tardes, acabado o
estudo, sahiam pela porta de Machede, e assentados em um ferrageal,
iam traduzindo para a bebedice as taes oitavas de Camões, fingindo
uma embarcação de Lisboa para Evora, como Camões a de Portugal
para a India Oriental; e compozeram a tal obra dentro em dois mezes,
no cabo dos quaes sahiram com ella: sendo que já os estudantes
suspeitavam de alguma applicação (posto que não soubessem de certo o
que era) pelos verem ir todas as tardes para fóra dos muros, e
communicarem seus papeis, sem darem conta d'isso a ninguem.

Finalmente, sahida a obra, foi muito festejada e estimada de todos; e
lendo-a o Padre Ferrer, castelhano (varão doutissimo da Companhia, do
qual o Dr. Manoel do Valle traz uma carta no seu livro) e fallando-se
n'ella, costumava dizer, que era a melhor obra que nunca sahira nem
elle vira, se não fosse tão suja.
Depois, como se divulgou, cada um a quiz emendar como entendia,
d'onde vem andarem hoje as copias com tanta diversidade de leituras.
Porém eu, esta que aqui vae, a trasladei do
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