assi bebendo co'elle a horas?á sua falsidade accommodadas,?Lhe diz como eram gentes roubadoras.?Estas que ora de novo s?o chegadas,?Que das gentes nas vendas moradoras?Correndo a Fama veio que roubadas?Foram por estes homens que passavam,?Que sob capa de paz sempre ancoravam.
LXXIX.
E sabe mais, lhe diz, como entendido?D'estes bebados tenho bagulhentos,?Que deixam Riba-tejo destruido?Em beber com incendios violentos:?E trazem já de longe o engano urdido?Contra nós; que todos seus intentos?S?o para os nossos vinhos esgotarem,?E pipas, toneis, quartos, despejarem.
LXXX.
E tambem sei que tem determinado?Da virem buscar vinho aqui mui cedo,?Mas ter-lhe-hemos um tal ardil tra?ado?Que n?o cheguem a ver o de Louredo.?á justi?a darás logo recado?Que estes galantes prenda, que sem medo?Pelo caminho roubam, pela estrada,?E só com furtos bebem na jornada.
LXXXI.
E se assi n?o tivermos d'este feito?Impedido o caminho totalmente,?Eu tenho imaginado no conceito?Outra manha e ardil que te contente.?Manda-lhe aqui dar guia que de geito?Seja astuto no engano e t?o prudente,?Que os leve adonde sejam submergidos,?Onde a agoa dê fim a seus sentidos.
LXXXII.
Tanto que estas palavras acabou,?O Tridentino André, bebado velho,?Os bra?os ao pesco?o lhe lan?ou,?Agradecendo muito o tal conselho.?Em se apartando d'elle concertou?Para os poder prender todo o apparelho,?Com que em puro desgosto lhe tornassem?D'Evora o vinho puro que buscassem.
LXXXIII.
E busca mais para o cuidado engano?Um homem que d'alli com elle mande,?Sagaz, astuto, sabio em todo o dano,?De quem fiar se possa um quarto grande.?Diz-lhe que acompanhando o Alcochetano?Por ribeiras, por charcos com elle ande,?Que se d'aqui passar, que lá adiante?Vá cahir onde nunca se levante.
LXXXIV.
Já o carro d'Apollo caminhava?Pelo nosso horizonte, quando erguido?O bom Vasco c'os seus determinava?De vir por vinho á terra apercebido.?Os borrach?es a gente desatava,?Corre-se cada qual n?o ter bebido;?E do que á venda veio novamente?Beberam todos logo em continente.
LXXXV.
Assi se vem chegando junto á terra?Para tomar o vinho necessario;?Mas o Marques o vinho todo encerra?Só pelo n?o beber o seu contrario.?Porém Vasco Bagulho que n?o erra?Em n?o se fiar d'este adversario,?Apercebido vem como podia?E entra em Monte-mór com alegria.
LXXXVI.
O gr?o Marques que o vê logo desmaia,?Diz á Justi?a que ande apparelhada?De pistolete, chu?a e azagaia,?De rodela, de casco e boa espada;?E que em dando recado logo saia,?Porque tome esta gente atordoada.?E para que melhor isto se fa?a?Vae-se beber com elles per nega?a.
LXXXVII.
Bebendo André co'a gente sequiosa,?Andam os beleguins fóra espreitando,?E co'a chu?a e azagaia perigosa?Ao Marques se entraram acenando.?Mas a gula que estava desejosa?De beber, sem recado v?o entrando.?Qualquer se lan?a ao copo t?o ligeiro,?Que nenhum dizer póde que é primeiro.
LXXXVIII.
Qual pobre ajuntamento d'estudante?De quatro, cinco ou seis de camarada?Que vê que é pouco o vinho e n?o bastante,?Que ha para todos só uma canada;?Qualquer d'elles pertende andar diante,?Por lhe n?o tocar vez esfarrapada:?Tal pressa ha nos de fóra e nos da terra,?Mas todos se v?o já chegando á serra.
LXXXIX.
Eis no estomago o fumo se levanta?Da furiosa e quente companhia,?Que de tal modo bebem que se encanta?O vendeiro que o vinho lhes vendia.?A multid?o dos fumos era tanta?Do vinho que á cabe?a lhes subia,?Que logo o Alcaide foge de medroso,?De que o Marques ficou mui desgostoso.
XC.
N?o deixam os que ficam sua empreza,?Mas o muito que bebem mal os trata,?Que se o beber tomavam por defeza,?Esse mesmo beber os desbarata.?Alegres ficam todos sem tristeza,?Já julgam a amizade por barata,?E trocam seus enganos á porfia?Pelo amor que do vinho lhes nascia.
XCI.
Vae-se cada um a casa retirando,?Porque quer vomitar muito apressado;?Quem arrota, e alli vae engulhando,?Na boca mette a m?o desatinado.?O vendeiro fugiu, desamparando?A venda, do beber amedrontado;?Gloriam-se os que ficam do seu bra?o?Que a tantos afugenta em breve espa?o.
XCII.
Uns deixam por alli suas espadas,?Dos outros quem a leva n?o o sente;?Quem se deixa cair ás tres passadas,?Quem bebe o vinho e o deita juntamente.?Arrombam as medidas ás pancadas,?á parede se arruma o mais valente;?Assim que a gente d'antes inimiga?Com t?o alto beber se torna amiga.
XCIII.
Passando isto, fica a camarada?Com gosto de haver feito tal empreza;?Manda logo fazer de vinho agoada,?Porque d'alli n?o quer outra riqueza.?Ficou a alma do Marques magoada,?No odio antigo mais que nunca acceza;?E vendo sem vingan?a tanto dano,?Sómente estriba no segundo engano.
XCIV.
Torna-se a elles, tendo-a já cozido,?Levando alguns refrescos que ha na terra,?Com um frasco de vinho mui comprido,?Mas sob capa de paz armado em guerra.?Piloto lhe offerece conhecido,?Dizendo que em taes vias jámais erra,?Com o qual se fizesse o que esperava,?Que a Evora os levaria confiava.
XCV.
O gran Vasco Bagulho, a quem convinha?Fazer já seu caminho desejado,?Que Borrach?es n?o poucos cheos tinha,?Para buscar Louredo t?o amado;?Recebendo o piloto que lhe vinha,?Foi d'elle alegremente agasalhado.?Despede-se com gran contentamento,?C'o guia, sem saber o falso intento.
XCVI.
Dest'arte despedida a gente honrada,?Come?ou a seguir o falso guia.?N?o tinham meia legoa bem andada,?Quando do bom caminho se desvia.?O bom Vasco que n?o cahia em nada?Do grande engano que este tal lhe urdia,?D'elle mui largamente se informava?A que parte Louredo lhe ficava.
XCVII.
Mas o guia instruido nos enganos?Que o malvado do
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