Paródia ao primeiro canto dos Lusíadas de Camões por quatro estudantes de Évora | Page 6

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cheiro e do sabor das agoas finas,?Porém a demais gente n?o provava?O bom licor que entre esta se brindava.
LIX.
Mas assi como a Aurora marchetada?As fermosas borrachas lhe mostrou?áquella gente meia atordoada,?Cada qual d'elles sua vez tomou.?Come?a a embebedar-se a camarada,?Que de fermosos frascos se adornou,?Para beber com festa e alegria?C'o bebedor da terra que partia.
LX.
Partia alegremente, desejando?De beber já com gentes t?o ufanas,?Que por charnecas sêccas caminhando,?Vem a beber em terras Transtaganas.?A borracha que traz vem empinando?Do licor que se vende n?o com canas.?Já chega, mas sem gota o Tridentino;?E quem sem gota está é bem mofino.
LXI.
Recebem-no alli alegremente,?O Mourisco com sua companhia,?E dá-lhe d'azeitonas um presente,?Que para tal effeito já trazia.?Dá-lhe sardinha frita; salta o ardente?Licor, com que elle tem tanta alegria.?Tudo o Marques contente bem recebe,?Mas triste está com ver que ninguem bebe.
LXII.
Estava o Granadino mui confuso?Com ver que n?o tem já de vinho nada,?Com que brinde ao bebente, como é uso,?Que para o receber fez tal jornada.?Reprende o companheiro seu abuso,?Pois sequer n?o deixára uma canada?Para enxaugoar a boca ao que trazia?Do fresco Monte-mór a alegre via.
LXIII.
Porque em chegando diz que ver deseja?Do vinho os instrumentos; que n?o crê?Que t?o honrada gente alli esteja,?Sem terem pelo menos agoa-pé.?Mas os outros a quem nada sobeja?Do licor da boa planta de Noé,?Aos vendeiros pedem que alli 'stavam,?Das fundagens que para si guardavam.
LXIV.
E disse um d'elles: pois que em tal saz?o?Viemos que entre nós nem gota havia,?Quero-vos dar alguma informa??o?De nós, em quanto o vinho lá se avia.?Posto que granadino é de na??o?Este homem que nos serve aqui de guia,?Perto está de Lisboa a patria nossa,?Buscamos Peramanca amada vossa.
LXV.
Deixamos esgotado todo o imperio?Que Baccho em nossas terras tem visivel;?Vimos correndo agora este hemispherio,?Porque beber por lá n?o é soffrivel:?E posto que sofframos vituperio,?Por um largo beber tudo é soffrivel:?Que melhor é vergonha em quem bebeu,?Que a d?r por n?o soffrer q'outrem soffreu.
LXVI.
Porque bastava só vinho infinito,?Que n?o ha nem gota já na companhia,?Que é tal, e no beber tem tal esp'rito,?Que inda um Tejo de vinho esgotaria.?Se as vasilhas quer ver como tem dito,?Cumprido esse desejo te seria:?Vasias as verás, que eu me obrigo?Que sempre assi 'star?o, s'imos comtigo.
LXVII.
Isto dizendo mostram diligentes?Os vasos com que apagam as seccuras;?Mostram fermosos frascos e as pendentes?Borrachas que em caminhos s?o seguras:?Os odres nas medidas differentes,?Cobertos d'encouradas vestiduras:?Outras borrachas trazem por aljavas,?De còrno copos grandes, ta?as bravas.
LXVIII.
Chega n'isto o vendeiro diligente?Com as suas fundagens saborosas;?Bebe d'ellas André alegremente,?Desafiando as gentes t?o famosas.?Mas d'entre elles um bebado valente?Responde-lhe que as gentes valerosas?N?o sahiam a um; e com raz?o,?Que é fraqueza entre ovelhas ser le?o.
LXIX.
Mas d'isto que André Marques bem notou?E de tudo o que ouviu no copo attento,?Um odio certo n'alma lhe ficou?Uma vontade má de pensamento.?Nas obras e no gesto o n?o mostrou,?Mas com risonho e ledo fingimento?Tratal-os brandamente determina,?Até que mostrar possa o que imagina.
LXX.
Piloto lhe pedia o capit?o?Por quem podesse a Evora ser levado,?Polo qual lhe daria um borrach?o?De vinho de Valbom que é extremado.?André lh'o prometteu, mas com ten??o?De peito venenoso e t?o danado,?Que a morte, se podesse, n'este dia?Em logar de piloto lhe daria.
LXXI.
Tal odio lhe ficou e má vontade?Da resposta que aquelle lhe tornou,?Que agoa lhe ordena dar com falsidade?Em logar do licor que Noé deixou.?Oh que caso cruel! oh que maldade!?Que de uma só palavra que soltou?D'este que elle buscava como amigo?O faz ficar seu perfido inimigo!
LXXII.
Partiu-se n'isto André, sem companhia?Dos bebados que tinha despedido,?Com engano seu e grande cortezia,?O gesto ledo a todos e fingido.?Já sobre seu asninho se subia?Com vinho de que ia apercebido,?E quando se desceu no aposento?N?o levava a borracha mais que vento.
LXXIII.
Da rua das adegas o Thebano,?Que da parternal coxa foi nascido,?Olhando o ajuntamento t?o ufano,?Ser do seu bom André aborrecido,?No pensamento cuida um falso engano?Com que seja de todo destruido.?E em quanto isto n'alma imaginava?Um borrach?o tomando assi fallava.
LXXIV.
Está do Fado já determinado?Que em tantas bebedices t?o famosas?Se tenham d'estes bebados achado,?As suas ta?as sempre victoriosas;?E eu Baccho t?o sublime e t?o honrado?Bebado, e mais de partes t?o honrosas,?Hei de soffrer que o Fado favore?a?Outrem por quem meu copo se escure?a?
LXXV.
Já quizeram os Fados que tivesse?Esta genta victoria n'esta parte,?Cujos campos o Tejo reverdece;?E que com tanto vinho n?o se farte!?Pois n?o se ha de soffrer que o Fado desse?A t?o poucos tamanho esfor?o e arte,?Que venham beber vinho transtagano,?Abatendo o gran nome do Thebano.
LXXVI.
N?o será assi: porque antes que chegado?Seja Vasco Bagulho, astutamente?Lhe será tanto engano fabricado,?Que nunca beba d'Ev'ra o vinho ardente.?A Monte-mór irei, e o indignado?Peito rovolverei do bom bebente:?Porque sempre per via irá direita?Aquelle que no vinho agoa n?o deita.
LXXVII.
Isto dizendo irado e quasi insano?N'esse Monte-mór fresco se desceu,?Onde tomando a fórma e gesto humano,?Para onde estava o Marques se moveu:?E por melhor tecer o astuto engano,?No gesto natural se converteu?De Talha-manco muito seu valido,?Um Taverneiro velho conhecido.
LXXVIII.
Estando
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