Pátria | Page 6

Junqueiro Guerra
hãn! no mesmo peito...
Caramba, duque!...
é bem bonito... é de respeito!
E o povo gosta, deixe lá... De mais a
mais
Duque e plebeu...
MAGNUS, _com dignidade_:
Não me envergonho de meus pais!
Filho dum alfaiate... Honra-me a
origem!...

CIGANUS:
Sei...
E nobreza tão nobreza é que a não dá el-rei.
Nobreza d'alma!
Emfim, meu duque, nem pintado
Se encontraria igual para chefe do
Estado!
Queira ou não queira, pois, o meu ilustre amigo...
MAGNUS, _solene_:
Eu lhe digo, marquês... eu lhe digo... eu lhe digo...
Devagar...
devagar... Um problema importante,
Que exige reflexão, maturação
bastante...
Sou monárquico... Fui-o sempre!... Inda hoje creio
O
trono liberal o mais sólido esteio
Do Progresso e da Paz e a melhor
garantia
Da justa, verdadeira e sã Democracia.
Não precisamos
outras leis... Há leis à farta!
Executem-nas!... Basta executar a Carta!

Cumpram as leis!... Dentro da Carta, realmente,
Cabem inda à
vontade o futuro e o presente...
É êste o meu critério... e já agora não
mudo!...
Honrosas convicções, filhas dalgum estudo
E muitas
brancas... Mas, emfim, se as loucuras alheias...
Desvairamentos...
circunstâncias europeias...
Derem de si em conclusão regímen novo,

Acatarei submisso os ditames do Povo!
Monárquico e leal... no
entretanto, marquês,
Antes de tudo, sou e serei português!!
Ao bem
da Pátria em caso urgente, em horas críticas
Não duvido imolar
opiniões políticas!
Darei a vida até, quando preciso fôr!!
CIGANUS:
El-rei que chega...
MAGNUS, _curvando-se_:
Meu Senhor!
CIGANUS:
Meu Senhor!

OPIPARUS:
Meu Senhor!
SCENA II
*Os mesmos e o rei*
Os três cães acodem festivos ao monarca
O REI, _sombrio e melancólico, repelindo os cães_:
Que noite!
CIGANUS:
Vendaval furioso!
OPIPARUS:
Noite rara
Para uma ceia de champagne e mulher cara...
O REI:
Faz-me nervoso a noite...
MAGNUS:
É da atmosfera espessa...
Eléctrica... Atordôa e desvaira a cabeça...
O REI, _apontando o pergaminho_:
O tratado?
CIGANUS:
O tratado.
MAGNUS:

Um pouco duro... El-rei...
O REI, _indiferente_:
Seja o que fôr... seja o que fôr... assinarei...
Vai ao balcão, ficando abstracto, a olhar a noite.
MAGNUS:
Não há dúvida; el-rei anda enfêrmo... é evidente...
OPIPARUS:
Galhofeiro, jovial, bom humor permanente,
Scéptico, dando ao demo
as paixões e a tristeza,
Caçador, toireador, conviva heróico à mesa...

Pobre do rei... quem o diria!... que mudança!
Oxalá que a loucura,
a vir, lhe venha mansa...
CIGANUS:
O ratão do cronista é que o tem posto assim,
Com mistérios em grego
e aranzeis em latim...
Trovão formidável.
O REI, _voltando do balcão_:
Que noite!
MAGNUS:
Uma trovoada enorme!... Causa horror!...
Ciganus desdobra o pergaminho e vai ler o tratado.
O REI:
Leitura inútil... Deixa lá... Seja o que fôr...
Seja o que fôr... adeus!...

assinarei...
CIGANUS:
Perfeito.
Não há balas? Resignação; não há direito.
Se entra no Tejo
de surpresa um coiraçado,
Quem vai metê-lo ao fundo, quem? A nau
do Estado
Com bispos, generais, bachareis, amanuenses,
Pianos,
pulgas, mangas d'alpaca e mais pertences?
A esquadra? vai a
esquadra rial, um meio cento
De alcatruzes, bidés e banheiras
d'assento?
Sacrificar a vida à honra? Acho coragem,
Mas a honra
sem vida é de pouca vantagem;
Não se goza, não vale a pena. A vida
é boa...
Defendamos a vida... e salvemos a C'roa.
MAGNUS, _eloqùente_:
E salvemos a C'roa! A vida eu da-la-ia
Pela honra da Pátria e pela
Monarquia!
Somos filhos de heróis! mas nesta conjuntura
A
resistência é um crime grave, uma loucura!
Um país decadente,
isolado na Europa,
Sem recursos alguns, sem marinha e sem tropa,

Tendo no flanco, àlerta, o velho leão de Espanha,
Arrojar doidamente
a luva à Gran-Bretanha,
Oh, pelo amor de Deus! digam-me lá quem
há-de
Assumir uma tal responsabilidade?!!...
A pátria de
Albuquerque, a pátria de Camões
Abolida era emfim do mapa das
nações!
Guardemos nobremente uma atitude calma!
Recolhamos a
dôr ao íntimo da alma,
E o castigo do insulto, o prazer da vingança

A nossos netos o leguemos, como herança!
Que Deus há-de punir (é
justiceiro e é bom)
A moderna Cartago, a triunfante Albion!
Saiba,
porêm, El-rei que o brio português
O defendemos nós ante o leopardo
inglês,
À fôrça de critério e sisuda energia,
No campo do direito e
da diplomacia!
Com as Instituìções por norte e por escudo,
Fizemos
tudo quanto era possível!--tudo!!
OPIPARUS, _ao rei, galhofando_:
Quer o duque dizer que ambiciona o colar
Do Elefante Vermelho e do

Pavão Solar...
MAGNUS, _com indignação e nobreza_:
Não requeiro mercê tão grandiosa e tão alta,
Conquanto seja ela a que
ainda me falta.
O Elefante e o Pavão! Um colar e uma cruz
A que
sómente os reis e os príncipes tem jus!
Não ouso... Mas, se um dia a
gran munificência
Da C'roa houver por bem, (florão duma existência!)

Conceder-ma!...................................
Que, deixem-mo explicar: eu,
medalhas e fitas,
Não é por ser vaidoso ou por serem bonitas,
Que
as ostento... Plebeu nasci, de bom quilate...
Não o escondo a ninguêm:
meu pai era alfaiate.
Ora, num peito humilde e franco uma medalha,

Como que atesta e diz ao homem que trabalha,
Ao povo que
moireja em seu ofício duro,
Que hoje na monarquia é dado ao mais
obscuro
Guindar-se à posição mais alta e mais egrégia,
Por
direito,--que é nosso! e por mercê,--que é régia!
Escritura de luz que
em vivo amplexo abarca
O Povo e a Sob'rania augusta do Monarca!
CIGANUS:
Meu caro duque, muito bem... Vamos agora,
Resolvida a questão,
assinar sem demora
O pergaminho...
O
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