kilo.
Uma bóia de enxúndia; um zero folgazão,
Bispote português
com toucinho alemão,
OPIPARUS:
Sensualismo e patranha, indif'rença e vaidade,
Gabarola balofo e
glutão, sem vontade,
Às vezes moralista, (acessos de moral,
Que
lhe passam jantando e não nos fazem mal)
Eis el-rei. Um egoismo
obeso, alegre e loiro,
Unto já de concurso e de medalha d'oiro.
Termina a dinastia; e Deus, que a fez tamanha,
Põe-lhe um ponto
final de oito arrobas de banha...
Laus Deo!
MAGNUS:
Que má língua! El-rei, coitado! uma criança,
Nem leve culpa tem nos
encargos da herança...
Não se aprende num dia a governar um povo...
E em casos tais, em tal momento, um homem novo,
Habituado á
lisonja, habituado ao prazer...
Maravilhas ninguêm as faz... não pode
ser!...
El-rei é bom! El-rei é um espírito culto,
Ilustrado... Não digo,
emfim, que seja um vulto,
Um talento, uma coisa grande de espantar;
Mostra, porêm, cordura, o que não é vulgar...
Cordura e senso... Eu
falo e falo com razão...
Não minto... sou cortês, nunca fui cortesão!
Duque e plebeu... vim do trabalho honrado que magôa...
Não
lisonjeio o povo e não adulo a C'roa.
Os defeitos d'el-rei?... Não me
custa o dizê-lo:
Eu quisera maior int'resse... maior zêlo...
Mais
idade, afinal... Deixem correr os anos,
E hão-de ver o arquetipo
exemplar dos sob'ranos.
OPIPARUS, _sorrindo_:
Ingénua hipocrisia, duque... Olhe que el-rei
Conhece-nos a nós, como
nós a el-rei...
CIGANUS:
Sabem? Dá-me cuidado el-rei... dá-me cuidado...
Melancolia... um ar
de nojo... um ar de enfado...
Sem comer, sem dormir, não repousa um
minuto,
E é raríssima a vez que êle acende um charuto.
OPIPARUS:
Indício bem pior: ha já seguramente
Três dias que não vai à caça e
que não mente.
Ora, se el-rei não mente e não fuma e não caça,
É
que não anda bom, não anda...
MAGNUS:
Que desgraça!
Pudera! hão-de afligi-lo, e com toda a razão,
As
tremendas calamidades da nação.
Cada hora um desastre, um
infortúnio... Eu scismo,
Eu olho... e vejo perto o cairel dum abismo!
OPIPARUS:
Oh, nunca abismo algum tolheu el-rei, meu amo
De aldravar uma
pêta ou de caçar um gamo.
CIGANUS:
E depois o cronista-mór, tonto e velhaco,
A insinuar-lhe, a
embeber-lhe endróminas no caco,
Telepatias, bruxarias, judiarias
Do _Livro das Visões, Sonhos e Profecias_.
O que vale é que el-rei,
um gordo hereditário,
Pesa de mais para profeta ou visionário.
Não
me assusta...
MAGNUS, _confidencial_:
Marquês... dum amigo a um amigo!
Entre nós... fale franco: a ordem
corre p'rigo?...
O mal-estar... desassocêgo... uma aventura...
Os
quarteis... Diga lá: julga a C'roa segura?...
CIGANUS:
Segura e bem segura. Equivocar-me hei,
No entretanto, parada feita:
jógo ao rei!
Neste lance... No outro... A inspiração é vária,
E bem
posso mudar para a carta contrária.
OPIPARUS:
De maneira que apenas eu, sublime idiota,
Guardo fidelidade ao rei
nesta batota!
Alapardou-se em mim o dever e a virtude!
Quando o
trono de Afonso Henriques se desgrude,
Eu cá vou com el-rei... Isto
da pátria e lar
É boa fêmea, bom humor e bom jantar,
O ditoso
torrão da pátria!... que imbecis!
No globo não há mais que uma pátria:
Paris.
A nossa então, que choldra! Infecta mercearia,
Guimarães,
Policarpo, Antunes, Braga & C.^a!
Um horror! um horror! Não
temam que proteste,
Se emigrando me vejo livre de tal peste.
Fico
por lá... não torno mais... fico de vez...
O que é preciso é bago... Ora,
você, marquês,
Adorável canalha e salteador galante,
Não me deixa
embarcar el-rei como um tunante,
El-rei que vai viver por côrtes
estrangeiras,
Sem duas dúzias de milhões nas algibeiras...
Eu sou
trinchante-mór, e conservo o lugar,
Havendo, claro está, faisões para
trinchar!...
MAGNUS, _imponente_:
Incrível! No momento grave em que a Nação
Dorme (ou finge
dormir!) à beira dum vulcão,
Nesta hora tremenda, hora talvez fatal,
Há quem graceje como em pleno carnaval!
E assim vamos
alegremente, que loucura!
Cavando a todo o instante a própria
sepultura...
No dia d'àmanhã ninguêm pensa, ninguêm!
Os
resultados vê-los hão... caminham bem...
Divertem-se com fogo...
Olhem que o fogo arde...
E extingui-lo depois (creiam-me) será
tarde...
Já não é tempo... As lavaredas da fogueira
Abrasarão
connosco a sociedade inteira!
A mim o que me indigna e ruborisa as
faces
É ver o exemplo mau partir das altas classes,
Sem se
lembrarem (doida e miserável gente!)
Que as vítimas seremos nós...
infelizmente!
Não abalemos, galhofando, assim à tôa,
A égide do
Scetro, o prestígio da C'roa!
Quando a desordem tudo infama e tudo
ameaça,
A Rialeza é um penhor...
CIGANUS:
Destinado a ir à praça.
Questão d'anos, questão de mês ou questão
d'hora,
Segundo ronde a ventania lá por fora...
Observemos o
tempo... anda brusco, indeciso...
Não arme o diabo algum ciclone
d'improviso!...
O trono, defendê-lo emquanto nos convenha;
Depois... trono sem pés já não é trono, é lenha.
Queima-se; e no
braseiro alegre a chamejar
Cozinhamos os dois, meu duque, um bom
jantar!...
O duque a horrorizar-se!... Eu conspiro em segrêdo...
Pode
ouvir, pode ouvir... duque, não tenha mêdo!
A república infame, a
república atroz,
Uma bela manhã será feita por nós,
Meu caro
duque!... E o presidente...
Ora quem... ora quem, duque de S.
Vicente?!...
O duque! Não há outro, escusado é lembrar!...
Um
prestígio europeu... a independência... o ar...
Não há outro!...
d'arromba!... à verdadeira altura!...
Todas as condições, todas... até
figura!
Parece um rei! que nem já sei como se move
Com as trinta
gran-cruzes...
MAGNUS, _lisonjeado_:
Upa!... trinta e nove!
CIGANUS:
Trinta e nove gran-cruzes,
Continue reading on your phone by scaning this QR Code
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.