finura agora e muita vigilancia,?Observando e aguardando as coisas a distancia!...?Magnus! lume no ?lho e n?o te prejudiques...?Eu suceder, caramba! a D. Afonso Henriques!!...
SCENA III
*O rei, só*
O temporal aumenta. Relampagos e trov?es.
O REI:
N?o me lembra de ver uma tormenta assim!...?Que demónio de noite!... Ando fora de mim,?Desvairado... Um veneno oculto me afogueia,?Que há três dias que trago uma cabe?a alheia?Nestes ombros... Que inferno!... é esquisito... é esquisito!... Foi beberagem má... droga horrenda... acredito!?Uns vágados de louco, um frenesim medonho...?Sonharei, porventura, e será tudo um sonho?!...?Acordado ando eu, acordado a valer,?Que há três noites n?o pude ainda adormecer!...?Pe?onha?... n?o!... A causa disto... a causa é o doido?O raio do fantasma, êsse maldito doido?Que me persegue!... tenho mêdo... e vergonha em dizê-lo!... E depois o cronista-mór, um pesadelo?Ambulante, um maluco agoireiro e scismático,?Com aquelas vis?es estranhas de lunático,?Faz-me mal... faz-me mal... Que o leve o diabo... O certo?é que há dentro de mim desarranjo encoberto...?Uma insónia danada... um nervoso... um fastio...?Misantropia tal que n?o bebo, nem rio,?Nem de toiros me lembro emfim, nem de ir à ca?a!?Mau sangue... árvore má... Podre... podre... é de ra?a!...
UMA VOZ TRAGICA, _na escurid?o_:
Ai, na batalha destro?ado,?Ai, na batalha destro?ado,?R?ta a armadura, ensangùentado,?Debaixo duma árvore funesta?Fui-me deitar, fui-me deitar... dormir a sésta...?Fui-me deitar... dormi... dormi...?Endoudeci, enlouqueci?Debaixo duma árvore funesta!...
Uivam os c?es, espavoridos e furiosos.
O REI:
O doido! o doido! o doido!... Há três noites a fio?Que êste vélho alienado, horroroso e sombrio,?à volta do palácio, ave negra d'azar,?Anda a cantar!... anda a cantar!... anda a cantar!...
Indo ao balc?o:
Ei-lo!
(Ao clar?o dum relampago, destaca-se, de súbito, fronteiro ào castelo o vulto trágico do doido. Um gigante. R?to, cadavérico, longa barba esquálida, olhos profundos de alucinado, agitando no ar um bord?o em círculos de agoiro, cabalísticos. O manto esvoa?a-lhe tumultuoso, restos duma bandeira vélha ou dum sudário).
Morro de mêdo!... Há n?o sei que de extravagante,?De inquietador, na voz, nas fei??es, no semblante?Dêste doido... Será um doido porventura?...?Mal a sua voz acorda, rouca, a noite escura,?Logo os c?es a ladrar, a ladrar e a gemer,?Como se entrasse a morte aqui sem eu a ver!...?Que raio de fantasma!... é coisa de bruxedo...?N?o ando em mim... n?o ando bom, tremo de mêdo...?Esquisito!...
Sentando-se ao fog?o:
Ora adeus! é do tempo... é da lua...?Nervoso... Passa... Mas, se o diabo continua?Com as trovas de agoiro, eu forne?o-lhe o mote,?Mandando-o escorra?ar a cacete e a chicote.
Vendo o pergaminho s?bre a mesa:
O tratado... Uma léria... Enfastia-me já...?Mais preto menos preto, a mim que se me dá?!?Por via agora duma horrenda pretalhada?Mil barafundas e alvorotos... Que massada!?Que massada!... Fazem-me doido, n?o resisto...
Desenrolando o pergaminho:
é assiná-lo, e pronto! acabemos com isto!
Lendo alto:
?Eu, rei de Portugal, súbdito inglês, declaro?Que à nobre imperatriz das índias e ao preclaro?Lord Salisbury entrego os restos duma heran?a?Que dum povo ficou à casa de Bragan?a,?Dando-me, em volta, a mim e ao príncipe da Beira?A desonra, a abjec??o, o trono... e a Jarreteira.??Cáspite! um pouco forte... Ora adeus!... uma história...?Chala?as... Devo a c'roa à raínha Vitória!
O DOIDO, _na escurid?o_:
Tive castelos, fortalezas pelo mundo...?N?o tenho casa, n?o tenho p?o!...?Tive navios... milh?es de frotas... Mar profundo,?Onde é que est?o?... onde é que est?o?!...?Tive uma espada... Ah, como um raio, ardia, ardia?Na minha m?o!...?Quem ma levou? quem ma trocou, quando eu dormia,?Por um bord?o?!...?E tive um nome... um nome grande... e clamo e clamo,?Que expia??o!?A perguntar, a perguntar como me chamo!...?Como me chamo? Como me chamo?...?Ai! n?o me lembro!... perdi o nome na escurid?o!...
O REI, _desvairado, erguendo-se_:
O doido!... Aquela voz de fantasma titanico?Gela-me o sangue e petrifica-me de panico!?Porque?... Ignoro... O mesmo instinto singular,?Que faz ladrar os c?es, mal o ouvem cantar...?Parece-me um algoz, um carrasco sangrento?D'alêm campa, a marchar no escuro a passo lento,?Direito a mim!... Lá vem!... lá vem vindo... n?o tarda!...?Quem me defende?... a minha c?rte? a minha guarda??A minha guarda!... a minha c?rte!... Ah, bons amigos,?Como hei-de crer em saltimbancos e em mendigos,
Sentando-se ao fog?o, junto dos c?es:
Se nem mesmo nos c?es tenho confian?a já!...
Os três c?es, agachando-se-lhe aos pés, acariciam-no e lambem-no.
O REI, _enxotando Iago bruscamente_:
Iago... Iago!... Ent?o... basta de festas, vá!...?Safado! cachorro imundo!... Olhem o odre?De gordura, já meio leso e meio podre!?Biltre! à f?r?a de comesainas e de enchentes?Emprenhou-te a barriga e caíram-te os dentes!?As unhas foi meu pai quem tas cortou de vez...?Já nem és c?o... és porco; e inda em porco és má rês!?E lembrar-me eu de o ver, canzarr?o duro e bruto,?O ventre magro, o olhar em sangue, o pêlo hirsuto,?Capaz de trincar ferro e mastigar cascalho!...?E ei-lo agora: poltr?o! ventrudo-mór! bandalho!
Iago redobra de festas. O rei dá-lhe um pontapé.
O bandalho! o bandalho!...
E êste Judas esperto,?êste Judas, filho de l?ba e c?o incerto!...?Um chacal remeloso e sarnento e pelado,?Todo carcunda, esguio e vêsgo, a olhar de lado!...?E acredita, o pandilha sorna, o safardana,?Sempre a beijar-me os pés, sempre a tossir de esgana,?Que me ilude!... Cachorro!... Ora diz lá, meu traste:?Por quanto hás-de
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