_com dignidade_:
N?o me envergonho de meus pais!?Filho dum alfaiate... Honra-me a origem!...
CIGANUS:
Sei...?E nobreza t?o nobreza é que a n?o dá el-rei.?Nobreza d'alma! Emfim, meu duque, nem pintado?Se encontraria igual para chefe do Estado!?Queira ou n?o queira, pois, o meu ilustre amigo...
MAGNUS, _solene_:
Eu lhe digo, marquês... eu lhe digo... eu lhe digo...?Devagar... devagar... Um problema importante,?Que exige reflex?o, matura??o bastante...?Sou monárquico... Fui-o sempre!... Inda hoje creio?O trono liberal o mais sólido esteio?Do Progresso e da Paz e a melhor garantia?Da justa, verdadeira e s? Democracia.?N?o precisamos outras leis... Há leis à farta!?Executem-nas!... Basta executar a Carta!?Cumpram as leis!... Dentro da Carta, realmente,?Cabem inda à vontade o futuro e o presente...?é êste o meu critério... e já agora n?o mudo!...?Honrosas convic??es, filhas dalgum estudo?E muitas brancas... Mas, emfim, se as loucuras alheias...?Desvairamentos... circunstancias europeias...?Derem de si em conclus?o regímen novo,?Acatarei submisso os ditames do Povo!?Monárquico e leal... no entretanto, marquês,?Antes de tudo, sou e serei português!!?Ao bem da Pátria em caso urgente, em horas críticas?N?o duvido imolar opini?es políticas!?Darei a vida até, quando preciso f?r!!
CIGANUS:
El-rei que chega...
MAGNUS, _curvando-se_:
Meu Senhor!
CIGANUS:
Meu Senhor!
OPIPARUS:
Meu Senhor!
SCENA II
*Os mesmos e o rei*
Os três c?es acodem festivos ao monarca
O REI, _sombrio e melancólico, repelindo os c?es_:
Que noite!
CIGANUS:
Vendaval furioso!
OPIPARUS:
Noite rara?Para uma ceia de champagne e mulher cara...
O REI:
Faz-me nervoso a noite...
MAGNUS:
é da atmosfera espessa...?Eléctrica... Atord?a e desvaira a cabe?a...
O REI, _apontando o pergaminho_:
O tratado?
CIGANUS:
O tratado.
MAGNUS:
Um pouco duro... El-rei...
O REI, _indiferente_:
Seja o que f?r... seja o que f?r... assinarei...
Vai ao balc?o, ficando abstracto, a olhar a noite.
MAGNUS:
N?o há dúvida; el-rei anda enfêrmo... é evidente...
OPIPARUS:
Galhofeiro, jovial, bom humor permanente,?Scéptico, dando ao demo as paix?es e a tristeza,?Ca?ador, toireador, conviva heróico à mesa...?Pobre do rei... quem o diria!... que mudan?a!?Oxalá que a loucura, a vir, lhe venha mansa...
CIGANUS:
O rat?o do cronista é que o tem posto assim,?Com mistérios em grego e aranzeis em latim...
Trov?o formidável.
O REI, _voltando do balc?o_:
Que noite!
MAGNUS:
Uma trovoada enorme!... Causa horror!...
Ciganus desdobra o pergaminho e vai ler o tratado.
O REI:
Leitura inútil... Deixa lá... Seja o que f?r...?Seja o que f?r... adeus!... assinarei...
CIGANUS:
Perfeito.?N?o há balas? Resigna??o; n?o há direito.?Se entra no Tejo de surpresa um coira?ado,?Quem vai metê-lo ao fundo, quem? A nau do Estado?Com bispos, generais, bachareis, amanuenses,?Pianos, pulgas, mangas d'alpaca e mais pertences??A esquadra? vai a esquadra rial, um meio cento?De alcatruzes, bidés e banheiras d'assento??Sacrificar a vida à honra? Acho coragem,?Mas a honra sem vida é de pouca vantagem;?N?o se goza, n?o vale a pena. A vida é boa...?Defendamos a vida... e salvemos a C'roa.
MAGNUS, _eloqùente_:
E salvemos a C'roa! A vida eu da-la-ia?Pela honra da Pátria e pela Monarquia!?Somos filhos de heróis! mas nesta conjuntura?A resistência é um crime grave, uma loucura!?Um país decadente, isolado na Europa,?Sem recursos alguns, sem marinha e sem tropa,?Tendo no flanco, àlerta, o velho le?o de Espanha,?Arrojar doidamente a luva à Gran-Bretanha,?Oh, pelo amor de Deus! digam-me lá quem há-de?Assumir uma tal responsabilidade?!!...?A pátria de Albuquerque, a pátria de Cam?es?Abolida era emfim do mapa das na??es!?Guardemos nobremente uma atitude calma!?Recolhamos a d?r ao íntimo da alma,?E o castigo do insulto, o prazer da vingan?a?A nossos netos o leguemos, como heran?a!?Que Deus há-de punir (é justiceiro e é bom)?A moderna Cartago, a triunfante Albion!?Saiba, porêm, El-rei que o brio português?O defendemos nós ante o leopardo inglês,?à f?r?a de critério e sisuda energia,?No campo do direito e da diplomacia!?Com as Instituì??es por norte e por escudo,?Fizemos tudo quanto era possível!--tudo!!
OPIPARUS, _ao rei, galhofando_:
Quer o duque dizer que ambiciona o colar?Do Elefante Vermelho e do Pav?o Solar...
MAGNUS, _com indigna??o e nobreza_:
N?o requeiro mercê t?o grandiosa e t?o alta,?Conquanto seja ela a que ainda me falta.?O Elefante e o Pav?o! Um colar e uma cruz?A que sómente os reis e os príncipes tem jus!?N?o ouso... Mas, se um dia a gran munificência?Da C'roa houver por bem, (flor?o duma existência!)?Conceder-ma!...................................?Que, deixem-mo explicar: eu, medalhas e fitas,?N?o é por ser vaidoso ou por serem bonitas,?Que as ostento... Plebeu nasci, de bom quilate...?N?o o escondo a ninguêm: meu pai era alfaiate.?Ora, num peito humilde e franco uma medalha,?Como que atesta e diz ao homem que trabalha,?Ao povo que moireja em seu ofício duro,?Que hoje na monarquia é dado ao mais obscuro?Guindar-se à posi??o mais alta e mais egrégia,?Por direito,--que é nosso! e por mercê,--que é régia!?Escritura de luz que em vivo amplexo abarca?O Povo e a Sob'rania augusta do Monarca!
CIGANUS:
Meu caro duque, muito bem... Vamos agora,?Resolvida a quest?o, assinar sem demora?O pergaminho...
O REI:
Assinarei... Deixem ficar.
CIGANUS:
E emquanto às convuls?es do le?o popular,?Como diria o nobre duque, afoitamente?Respondo pelo bicho: um c?o ladrando à gente:?Dobrei guardas, minei as pontes à cautela,?E fica a artilharia em volta à cidadela.?N?o há p'rigo nenhum. Durma El-rei sem temor.?Boa noite, Senhor...
MAGNUS, _curvando-se até ao ch?o_:
Meu Senhor!
OPIPARUS:
Meu Senhor...
Saem os três.
MAGNUS, _vai pensando_:
Ora, se o filho do alfaiate qualquer dia?Inaugurava ainda a quinta dinastia!...?Eu sentado no trono!... Eu rei de Portugal!!...?Que, rei ou presidente, emfim é tudo igual...?Muita
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