Pátria | Page 5

Junqueiro Guerra
jantará, pesará mais um kilo.?Uma bóia de enxúndia; um zero folgaz?o,?Bispote português com toucinho alem?o,
OPIPARUS:
Sensualismo e patranha, indif'ren?a e vaidade,?Gabarola balofo e glut?o, sem vontade,?às vezes moralista, (acessos de moral,?Que lhe passam jantando e n?o nos fazem mal)?Eis el-rei. Um egoismo obeso, alegre e loiro,?Unto já de concurso e de medalha d'oiro.?Termina a dinastia; e Deus, que a fez tamanha,?P?e-lhe um ponto final de oito arrobas de banha...?Laus Deo!
MAGNUS:
Que má língua! El-rei, coitado! uma crian?a,?Nem leve culpa tem nos encargos da heran?a...?N?o se aprende num dia a governar um povo...?E em casos tais, em tal momento, um homem novo,?Habituado á lisonja, habituado ao prazer...?Maravilhas ninguêm as faz... n?o pode ser!...?El-rei é bom! El-rei é um espírito culto,?Ilustrado... N?o digo, emfim, que seja um vulto,?Um talento, uma coisa grande de espantar;?Mostra, porêm, cordura, o que n?o é vulgar...?Cordura e senso... Eu falo e falo com raz?o...?N?o minto... sou cortês, nunca fui cortes?o!?Duque e plebeu... vim do trabalho honrado que mag?a...?N?o lisonjeio o povo e n?o adulo a C'roa.?Os defeitos d'el-rei?... N?o me custa o dizê-lo:?Eu quisera maior int'resse... maior zêlo...?Mais idade, afinal... Deixem correr os anos,?E h?o-de ver o arquetipo exemplar dos sob'ranos.
OPIPARUS, _sorrindo_:
Ingénua hipocrisia, duque... Olhe que el-rei?Conhece-nos a nós, como nós a el-rei...
CIGANUS:
Sabem? Dá-me cuidado el-rei... dá-me cuidado...?Melancolia... um ar de nojo... um ar de enfado...?Sem comer, sem dormir, n?o repousa um minuto,?E é raríssima a vez que êle acende um charuto.
OPIPARUS:
Indício bem pior: ha já seguramente?Três dias que n?o vai à ca?a e que n?o mente.?Ora, se el-rei n?o mente e n?o fuma e n?o ca?a,?é que n?o anda bom, n?o anda...
MAGNUS:
Que desgra?a!?Pudera! h?o-de afligi-lo, e com toda a raz?o,?As tremendas calamidades da na??o.?Cada hora um desastre, um infortúnio... Eu scismo,?Eu olho... e vejo perto o cairel dum abismo!
OPIPARUS:
Oh, nunca abismo algum tolheu el-rei, meu amo?De aldravar uma pêta ou de ca?ar um gamo.
CIGANUS:
E depois o cronista-mór, tonto e velhaco,?A insinuar-lhe, a embeber-lhe endróminas no caco,?Telepatias, bruxarias, judiarias?Do _Livro das Vis?es, Sonhos e Profecias_.?O que vale é que el-rei, um gordo hereditário,?Pesa de mais para profeta ou visionário.?N?o me assusta...
MAGNUS, _confidencial_:
Marquês... dum amigo a um amigo!?Entre nós... fale franco: a ordem corre p'rigo?...?O mal-estar... desassocêgo... uma aventura...?Os quarteis... Diga lá: julga a C'roa segura?...
CIGANUS:
Segura e bem segura. Equivocar-me hei,?No entretanto, parada feita: jógo ao rei!?Neste lance... No outro... A inspira??o é vária,?E bem posso mudar para a carta contrária.
OPIPARUS:
De maneira que apenas eu, sublime idiota,?Guardo fidelidade ao rei nesta batota!?Alapardou-se em mim o dever e a virtude!?Quando o trono de Afonso Henriques se desgrude,?Eu cá vou com el-rei... Isto da pátria e lar?é boa fêmea, bom humor e bom jantar,?O ditoso torr?o da pátria!... que imbecis!?No globo n?o há mais que uma pátria: Paris.?A nossa ent?o, que choldra! Infecta mercearia,?Guimar?es, Policarpo, Antunes, Braga & C.^a!?Um horror! um horror! N?o temam que proteste,?Se emigrando me vejo livre de tal peste.?Fico por lá... n?o torno mais... fico de vez...?O que é preciso é bago... Ora, você, marquês,?Adorável canalha e salteador galante,?N?o me deixa embarcar el-rei como um tunante,?El-rei que vai viver por c?rtes estrangeiras,?Sem duas dúzias de milh?es nas algibeiras...?Eu sou trinchante-mór, e conservo o lugar,?Havendo, claro está, fais?es para trinchar!...
MAGNUS, _imponente_:
Incrível! No momento grave em que a Na??o?Dorme (ou finge dormir!) à beira dum vulc?o,?Nesta hora tremenda, hora talvez fatal,?Há quem graceje como em pleno carnaval!?E assim vamos alegremente, que loucura!?Cavando a todo o instante a própria sepultura...?No dia d'àmanh? ninguêm pensa, ninguêm!?Os resultados vê-los h?o... caminham bem...?Divertem-se com fogo... Olhem que o fogo arde...?E extingui-lo depois (creiam-me) será tarde...?Já n?o é tempo... As lavaredas da fogueira?Abrasar?o connosco a sociedade inteira!?A mim o que me indigna e ruborisa as faces?é ver o exemplo mau partir das altas classes,?Sem se lembrarem (doida e miserável gente!)?Que as vítimas seremos nós... infelizmente!?N?o abalemos, galhofando, assim à t?a,?A égide do Scetro, o prestígio da C'roa!?Quando a desordem tudo infama e tudo amea?a,?A Rialeza é um penhor...
CIGANUS:
Destinado a ir à pra?a.?Quest?o d'anos, quest?o de mês ou quest?o d'hora,?Segundo ronde a ventania lá por fora...?Observemos o tempo... anda brusco, indeciso...?N?o arme o diabo algum ciclone d'improviso!...?O trono, defendê-lo emquanto nos convenha;?Depois... trono sem pés já n?o é trono, é lenha.?Queima-se; e no braseiro alegre a chamejar?Cozinhamos os dois, meu duque, um bom jantar!...?O duque a horrorizar-se!... Eu conspiro em segrêdo...?Pode ouvir, pode ouvir... duque, n?o tenha mêdo!?A república infame, a república atroz,?Uma bela manh? será feita por nós,?Meu caro duque!... E o presidente...?Ora quem... ora quem, duque de S. Vicente?!...?O duque! N?o há outro, escusado é lembrar!...?Um prestígio europeu... a independência... o ar...?N?o há outro!... d'arromba!... à verdadeira altura!...?Todas as condi??es, todas... até figura!?Parece um rei! que nem já sei como se move?Com as trinta gran-cruzes...
MAGNUS, _lisonjeado_:
Upa!... trinta e nove!
CIGANUS:
Trinta e nove gran-cruzes, h?n! no mesmo peito...?Caramba, duque!... é bem bonito... é de respeito!?E o povo gosta, deixe lá... De mais a mais?Duque e plebeu...
MAGNUS,
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