Os sonetos completos de Anthero de Quental | Page 8

Antero de Quental
para nós outros, a quem s?o vedados os mysterios da metaphisica buddhista, igual a cousa nenhuma.
Este homem, fundamentalmente bom, se tivesse vivido no seculo VI ou no seculo XIII, seria um dos companheiros de S. Bento ou de S. Francisco de Assis. No seculo XIX é um excentrico, mas d'esse feitio de?excentricidade que é indispensavel, porque a todos os tempos foram indispensaveis os herejes, a que hoje se chama dissidentes.
_Oliveira Martins_.
OS CAPTIVOS
Encostados ás grades da pris?o,?Olham o céo os pallidos captivos.?Já com raios obliquos, fugitivos,?Despede o sol um ultimo clar?o.
Entre sombras, no longe, vagamente,?Morrem as vozes na extens?o saudosa.?Cae do espa?o, pesada, silenciosa,?A tristeza das cousas, lentamente.
E os captivos suspiram. Bandos de aves?Passam velozes, passam apressados,?Como absortos em intimos cuidados,?Como absortos em pensamentos graves.
E dizem os captivos: Na amplid?o?Jamais se extingue a eterna claridade...?A ave tem o v?o e a liberdade...?O homem tem os muros da pris?o!
Aonde ides? qual é vossa jornada??á luz? á aurora? á immensidade? aonde??--Porém o bando passa e mal responde:?á noite, á escurid?o, ao abysmo, ao nada!--
E os captivos suspiram. Surge o vento,?Surge e perpassa esquivo e inquieto,?Como quem traz algum pezar secreto,?Como quem soffre e cala algum tormento.
E dizem os captivos: Que tristezas,?Que segredos antigos, que desditas,?Caminheiro de estradas infinitas,?Te levam a gemer pelas devezas?
Tu que procuras? que vis?o sagrada?Te acena da soid?o onde se esconde??--Porém o vento passa e só responde:?A noite, a escurid?o, o abysmo, o nada!--
E os captivos suspiram novamente.?Como antigos pezares mal extinctos,?Como vagos desejos indistinctos,?Surgem do escuro os astros, lentamente.
E fitam-se, em silencio indecifravel,?Contemplam-se de longe, mysteriosos,?Como quem tem segredos dolorosos,?Como quem ama e vive inconsolavel...
E dizem os captivos: Que problemas?Eternos, primitivos vos attrahem??Que luz fitaes no centro d'onde saem?A flux, em jorro, as intui??es supremas?
Por que esperaes? n'essa amplid?o sagrada?Que solu??es esplendidas se escondem??--Porém os astros tristes só respondem:?A noite, a escurid?o, o abysmo, o nada!--
Assim a noite passa. Rumorosos?Susurram os pinhaes meditativos,?Encostados ás grades, os captivos?Olham o céo e choram silenciosos.
OS VENCIDOS
Tres cavalleiros seguem lentamente?Por uma estrada erma e pedregosa.?Geme o vento na selva rumorosa,?Cae a noite do céo, pesadamente.
Vacilam-lhes nas m?os as armas rotas,?Têm os corceis poentos e abatidos,?Em desalinho trazem os vestidos,?Das feridas lhe cae o sangue, em gotas.
A derrota, trai?oeira e pavorosa,?As fontes lhes curvou, com m?o potente.?No horisonte escuro do poente?Destaca-se uma mancha sanguinosa.
E o primeiro dos tres, erguendo os bra?os,?Diz n'um solu?o: ?Amei e fui amado!?Levou-me uma vis?o, arrebatado,?Como em carro de luz, pelos espa?os!
Com largo v?o, penetrei na esphera?Onde vivem as almas que se adoram,?Livre, contente e bom, como os que moram?Entre os astros, na eterna primavera.
Porque irrompe no azul do puro amor?O sopro do desejo pestilente??Ai do que um dia recebeu de frente?O seu halito rude e queimador!
A flor rubra e olorosa da paix?o?Abre languida ao raio matutino,?Mas seu profundo calix purpurino?Só re?uma veneno e podrid?o.
Irm?os, amei--amei e fui amado...?Por isso vago incerto e fugitivo,?E corre lentamente um sangue esquivo?Em gotas, de meu peito alanceado.?
Responde-lhe o segundo cavalleiro,?Com sorriso de tragica amargura:??Amei os homens e sonhei ventura,?Pela justi?a heroica, ao mundo inteiro.
Pelo direito, ergui a voz ardente?No meio das revoltas homicidas:?Caminhando entre ra?as opprimidas,?Fil-as surgir, como um clarim fremente.
Quando ha de vir o dia da justi?a??Quando ha de vir o dia do resgate??Trahio-me o gladio em meio do combate?E semeei na areia movedi?a!
As na??es, com sorriso bestial,?Abrem, sem ler, o livro do futuro.?O povo dorme em paz no seu monturo,?Como em leito de purpura real.
Irm?os, amei os homens e contente?Por elles combati, com mente justa...?Por isso morro á mingoa e a areia adusta?Bebe agora meu sangue, ingloriamente.?
Diz ent?o o terceiro cavalleiro:??Amei a Deus e em Deus puz alma e tudo.?Fiz do seu nome fortaleza e escudo?No combate do mundo trai?oeiro
Invoquei-a nas horas affrontosas?Em que o mal e o peccado d?o assalto.?Procurei-o, com ancia e sobresalto,?Sondando mil sciencias duvidosas.
Que vento de ruina bate os muros?Do templo eterno, o templo sacrosanto??Rolam, desabam, com fragor e espanto,?Os astros pelo céo, frios e escuros!
Vacila o sol e os santos desesperam...?Tedio re?uma a luz dos dias v?os...?Ai dos que juntam com fervor as m?os!?Ai dos que crêem! ai dos que inda esperam!
Irm?os, amei a Deus, com fé profunda...?Por isso vago sem conforto e incerto,?Arrastando entre as urzes do deserto?Um corpo exangue e uma alma moribunda.?
E os tres, unindo a voz n'um ai supremo,?E deixando pender as m?os can?adas?Sobre as armas inuteis e quebradas,?N'um gesto inerte de abandono extremo,
Sumiram-se na sombra duvidosa?Da montanha calada e formidavel,?Sumiram-se na selva impenetravel?E no palor da noite silenciosa.
ENTRE SOMBRAS
Vem ás vezes sentar-se ao pé de mim?--A noite desce, desfolhando as rosas--?Vem ter commigo, ás horas duvidosas,?Uma vis?o, com azas de setim...
Pousa de leve a delicada m?o?--Rescende amena a noite socegada--?Pousa a m?o compassiva e perfumada?Sobre o meu dolorido cora??o...
E diz-me essa vis?o compadecida?--Ha suspiros no espa?o vaporoso--?Diz-me: Porque é que choras silencioso??Porque é t?o erma e triste a tua vida?
Vem commigo!
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