Os Simples | Page 8

Guerra Junqueiro
com o Deos-menino...
Partirá comvosco, porque é vosso irm?o,?A laranja,--o mundo, que lá tem na m?o...
Dormi, dormi, sem dor, sem penas...?Dormi, dormi!...?E em vossos leitos florescentes,?De rosas brancas e assucenas,?Caiam dormentes,?Caiam exanimes, trementes,?Gra?as do baptismo do luar alvissimo!?Beijos do noivado do luar purissimo!?Lagrimas da morte do luar tristissimo!?Canticos d'exequias, ora??es dolentes?Do luar santissimo!...
Abril--91.
*EPILOGO*
REGRESSO AO LAR
Ai, ha quantos anos que eu parti chorando?D'este meu saudoso, carinhoso lar!...?Foi ha vinte?... ha trinta?... Nem eu sei já quando!...?Minha velha ama, que me estás fitando,?Canta-me cantigas para me eu lembrar!...
Dei a volta ao mundo, dei a volta á Vida...?Só achei enganos, decep??es, pesar...?Oh! a ingenua alma t?o desiludida!...?Minha velha ama, com a voz dorida,?Canta-me cantigas de me adormentar!...
Trago d'amargura o cora??o desfeito...?Vê que fundas maguas no embaciado olhar!?Nunca eu sahira do meu ninho estreito!...?Minha velha ama, que me déste o peito,?Canta-me cantigas para me embalar!...
Poz-me Deos outrora no frouxel do ninho?Pedrarias d'astros, gemas de luar...?Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...?Minha velha ama, sou um pobresinho...?Canta-me cantigas de fazer chorar!...
Como antigamente, no rega?o amado,?(Venho morto, morto!...) deixa-me deitar!?Ai, o teu menino como está mudado!?Minha velha ama, como está mudado!?Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...
Canta-me cantigas, manso, muito manso...?Tristes, muito tristes, como á noite o mar...?Canta-me cantigas para ver se alcan?o?Que a minh'alma durma, tenha paz, descan?o,?Quando a Morte, em breve, m'a vier buscar!...
90.
*NOTA*
NOTA
é este o primeiro dos tres volumesinhos, que h?o-de encerrar as minhas liricas ineditas. Os outros dois--Flores de Ideal_--e _Infinito (_Livro d'ora??es_) vir?o a lume successivamente, com intervalos de mezes.
Duas palavras sobre os Simples.
Precocemente chegado, pelo sofrimento, ao ocaso da vida, atravessei ha anos um periodo agudo, bem doloroso e triste, mas ao mesmo tempo salutar. Ante a morte proxima, n'uma anciedade inenarravel, senti-me electrisado, como por encanto, de energias subitas. O problema do alem (como agora se diz) impunha-se, dilacerante e devorador, á minha natureza inquieta de religioso e de metafisico. Mas o problema da morte é, no fundo, o problema da vida. Estudei, pensei, meditei. Li com sofreguid?o milhares de paginas. Dias, noites, semanas, mezes, revolvi no cerebro escandecido todos os enigmas torturantes. Pedi á historia natural (unica historia verdadeira) o segredo intimo das coisas. Questionei a raz?o, ouvi a consciencia. Dei balan?o a mim proprio. E consegui, ao cabo, o que desejava: ter da vida, ter do universo uma ideia metodica e definitiva. Qual? N?o é este o momento de dizel-o, nem isso interessa seguramente.
A minha metafisica é para uso proprio. N?o construi um sistema de filosofia humana. Tratei de responder apenas ás duvidas e curiosidades do meu espiríto. N?o cheguei sequer a pontos de vista fundamentaes, muitissimo diversos dos que já tinha anteriormente. Mas o que era intui??o tornou-se certeza, e o que era hipotese, mais ou menos sentimental e imaginaria, transformou-se n'um corpo de doutrina raciocinado e logico. Continuei pela mesma estrada; mas d'antes ia ás cegas e tateando, e agora d'olhos bem abertos e a passo firme e resoluto.
D'uma vis?o mais intima e profunda do universo germinaram em mim novas emo??es, e portanto uma nova arte. O poeta renasceu e cresceu. Fecundo renascimento psicologico, e n?o apenas uma evolu??osinha toda literaria, meramente verbal e de superficie.
No prefacio d'outro livro explanarei com vagar as conclus?es ultimas do meu exame de consciencia, n?o pelo seu merito intrínseco, repito, mas como util comentario da minha obra poetica, de que ellas s?o verdadeiramente a alma essencial e geradora.
Apasiguada um pouco a dupla crise de angustia intelectual e padecimento fisico, esbocei e dei come?o a este pequenino poema lirico d'_Os Simples_.
Quiz mentalmente viver a vida singela e primitiva de boas e santas creaturas, que atravessam um mundo de miserias e de injusti?as, de vicios e de crimes, de fomes e de tormentos, sem um olhar de maldi??o para a natureza, sem uma palavra de queixume para o destino. E ent?o encarnei, por assim dizer, no pastor grandioso e asceta, na moleirinha octogenaria e sorridente, no cavador tragico, nos mendigos bíblicos, na mansid?o dos bois arroteando os campos e nas lavarêdas d'oiro do castanheiro, aquecendo a velhice, alegrando a infancia, iluminando a choupana. E, depois d'uma existencia de sacrificio e de puresa, d'abnega??o e de bondade, deitei esses ingenuos e pobres alde?es na terra misericordiosa e florida do campo-santo, pondo-lhes por cima das sepulturas rasas o ceo maravilhoso e candido, que em vida sonharam e desejaram.
é claro que essas figuras n?o s?o inteiramente reaes, da realidade estricta, efemera e tangivel. Criei-as, ou antes completei-as com a minha alma, com o meu proprio ideal.
Quem vir n'este livrinho somente o lado externo e literario, a forma, a paisagem, a pintura rustica, n?o o entendeu, nem o soube ler.
é muito mais uma auto-biographia psicologica que uma serie de quadros campestres e bucolicos.
A fei??o, por assim dizer, regional, do livro é, embora importante, subordinada e secundaria. A Moleirinha é mínhota. O Prestito funebre minhoto é. Mas coisa curiosa, o
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