olhar jocundo,?S?o rebanhos d'almas pelo azul profundo?As ovelhas novas do Ti Zé-Senhor!...
90-91.
VII
*O CAVADOR*
O CAVADOR
Dezembro, noite, canta o galo...?Rouco na treva canta o galo...?--Oh, dor! oh, dor!--?Alde?o n?o durmas!... Vae chamal-o,?Miseria negra, vae chamal-o!...?--Oh, dor! oh, dor!--?Bate-lhe á porta, é teu vassalo,?Que traga a enxada, é teu vassalo,?Miseria negra, o cavador!
O vento ulula... Tremem ninhos...?Na noite aziaga tremem ninhos...?--Oh, dor! oh, dor!--?A neve cae, fria d'arminhos...?Na escurid?o, fria d'arminhos...?--Oh, dor! oh, dor!--?Passa maldito nos caminhos,?D'enxada ao hombro nos caminhos,?Fantasma negro, o cavador!
Vem roxa a estrella d'alvorada...?Vem morta a estrella d'alvorada...?--Oh, dor! oh, dor!--?Montanhas nuas sob a geada!...?Hirtas, de bronze, sob a geada...?--Oh, dor! oh, dor!--?Torvo, inclinado sobre a enxada,?Rasga as montanhas com a enxada.?Fantasma negro, o cavador!
Cavou, cavou desde que é dia...?Cavou, cavou... Bateu meio dia...?--Oh, dor! oh, dor!--?De pé na encosta erma e bravia,?Triste na encosta erma e bravia,?--Oh, dor! oh, dor!--?Largando a enxada, ?Ave Maria!...??Resa em silencio... ?Ave Maria!...??Fantasma negro, o cavador!
Cavou, cavou na serra agreste,?D'alva á noitinha em serra agreste...?--Oh, dor! oh, dor!--?E um caldo em premio tu lhe deste,?Meu Deos!... seis filhos tu lhe deste...?--Oh, dor! oh, dor!--?Batem trindades... ?Pae celeste!...?Bemdito sejas, Pae celeste!...??Resa, fantasma, o cavador!
Cavou cem montes... que é do trigo?!?Gerou seis bocas... que é do trigo?!?--Oh, dor! oh, dor!--?Bateu a Fome ao seu postigo...?Bateu a Morte ao seu postigo...?--Oh, dor! oh, dor!--??Que a paz de Deos seja comigo!?Que a paz de Deos seja comigo!...??Disse, expirando, o cavador!
Junho--91.
VIII
*OS POBRESINHOS*
OS POBRESINHOS
Pobres de pobres s?o pobresinhos,?Almas sem lares, aves sem ninhos...
Passam em bandos, em alcateias,?Pelas herdades, pelas aldeias.
é em Novembro, rugem procellas...?Deos nos acuda, nos livre d'ellas!
Vem por desertos, por estevaes,?Mantas aos hombros, grandes bornaes.
Como farrapos, coisas sombrias,?Trapos levados nas ventanias...
Filhos de Christo, filhos d'Ad?o,?Buscam no mundo codeas de p?o!
Ha-os ceguinhos, em treva densa,?D'olhos fechados desde nascen?a.
Ha-os com f'ridas esburacadas,?Roxas de lirios, já gangrenadas.
Uns de voz rouca, grandes bord?es,?Quem sabe lá se ser?o ladr?es!...
Outros humildes, riso magoado,?Lembram Jesus que ande disfar?ado...
Engeitadinhos, rotos, sem p?o,?Tremem maleitas d'olhos no ch?o...
Campos e vinhas!... hortas com flores!...?Ai, que ditosos os lavradores!
Olha, fumegam tectos e lares...?Fumo t?o lindo!... branco, nos ares!...
Batem ás portas, erguem-se as m?es,?Choram meninos, ladram os c?es...
Resam e cantam, levam a esmola,?Vinho no bucho, p?o na sacola.
Fructa da horta, caldo ou toucinho,?D?o sempre os pobres a um pobresinho.
Um que tem chagas, velho, coitado,?Quer ligaduras ou mel-rosado.
Outro, promessa feita a Maria,?Deitam-lhe azeite na almotolia.
Pelos alpendres, pelos curraes,?Dormem deitados como animaes.
Em caravanas, em alcateias,?V?o por herdades, v?o por aldeias...
Sabem cantigas, ora??esinhas,?Contos d'estrellas, reis e rainhas...
Choram cantando, penam resando,?Ai, só a morte sabe até quando!
Mas no outro mundo Deos lhes prepara?Leito o mais alvo, ceia a mais rara...
Os pés doridos lh'os lavar?o?Santos e santas com devo??o.
Para laval-os, perfumaria?Em gomil d'ouro, d'ouro a bacia.
E embalsamados, transfigurados,?Tunicas brancas, como em noivados,
Viver?o sempre na eterna luz,?Pobres bemditos, amen, Jesus!...
Outubro--91
IX
*CAMPO SANTO*
CAMPO SANTO
Ai ao relento, ai ao relento, sonham cavadores!...?Somno d'arminho... colx?o de terra... len?ol de flores!...
Cahi dormentes,?Cahi exanimes, trementes,?Palidos silencios do luar dorido!?Litanias fluidas do luar dorido!?Misereres brancos do luar dorido!?Balsamos, piedades, ora??es dolentes?Do luar dorido!...
Ai ao relento, ai ao relento sonham pegureiros!...?Cama t?o fresca!... cobertor branco, de jasmineiros...
Cahi maviosas,?Cahi somnambulas, piedosas,?Concavas tristezas do luar magoado!?Resonancias d'org?o do luar magoado!?Extrema-un??es profundas do luar magoado!?Sincopes, oblivios, quieta??es chorosas?Do luar magoado!...
Ai ao relento, ai ao relento sonha a boeirinha!...?Cama de violetas!... que lhe fez a Virgem, sua madrinha...
Cahi radiantes,?Angelisantes,?Esfolhados lirios do luar divino!?Musselina argentea do luar divino!?Halitos de leite do luar divino!?Perolas, opalas, beijos e diamantes?Do luar divino!...
Ai ao relento, ai ao relento as bisavós dormindo!...?Cama de rosas, sobre-ceo d'astros!... que sonho lindo!...
Cahi cantando,?Cahi mas brando, muito brando,?Misticas nevadas do luar de prata!?Linho da candura do luar de prata!?Angelus da ermida do luar de prata!?Extasis boiando, sagra??es ondeando?No luar de prata!...
Dormi, dormi!... que bellas camas!... ai, que bons len?oes!... Na travesseira, que bem que cheira! cantam roussinoes!...
Dorme de costas, cavador, ao luar, ao luar de neve!...?Ai, como a terra era pesada, e se fez leve, leve!...
Dorme, pastor, ao luar de Junho, dorme sem cuidado!...?Que anda a Senhora dos Montes-Ermos a guardar-te o gado...
Durmam velhinhas! durmam crean?as! durmam donzellas!?Quando acordarem já tem os anjos á espera d'ellas...
Ha-de acordar tudo lá nos ceos doirados...?Ha-de haver banquetes, ha-de haver noivados...
P?e a mesa a Virgem para os pobresinhos...?Ai, que lindos fructos!... ai, que ricos vinhos!...
Vinhos d'um vinhedo, fructos d'um pomar,?Que no ceo os anjos regam com luar...
Ordenhando ovelhas andam serafins,?Cantarinhos d'oiro, leite de jasmins.
Outros nas arribas crestam as colmeias,?Grandes favos brancos como luas cheias.
Ai, que bom almo?o, feito n'um vergel,?Pomos cor de aurora, leite, vinho e mel!...
Para as avósinhas tem lá Deos bastantes?Fusos d'esmeraldas, rocas de diamantes...
Como vós, ó mo?as, lá no ceo casaes,?Ellas dar?o teias para os enxovaes...
Já no setestrello dan?am nos terreiros,?Tamboris e violas, frautas e pandeiros...
Já lá vejo os noivos, com S. Jo?o á espera,?N'uma ermida branca revestida d'hera...
Ai, dormi, donzellas, ai dormi ao luar,?Que no ceo com anjos vos ireis casar...
Ai, dormi, crean?as! que no azul divino?Brincareis alegres
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