Os Simples | Page 5

Guerra Junqueiro
netinho doente,?V?o pedir noticias d'algum filho ausente,?V?o rogar a Gloria para os mortos já...
Almas de meninos, loiras como abelhas,?A sorrir ao colo d'almas a cantar...?Almas em noivados, roseas e vermelhas...?E almas de pastores ofertando ovelhas,?Chocalhinhos d'astros, velos de luar...
Almas d'assassinos dos montados ermos,?Com o seu remorso como um javali...?Almas de mendigos, d'aleij?es, d'enfermos...?Almas vagabundas, de perdidos termos,?Que atravessam agoas p'ra chegar ali!...
Almas das corolas matinaes, dos ninhos,?Das aradas verdes, da campina em flor...?Almas de borregos, touros, passarinhos...?E almas, sim! das urzes e hervas dos caminhos,?Porque até nas fragas dorme o Sonho e a Dor!...
E essas almas todas ella apasigua?Com o dos seus olhos balsamo eficaz:?Verte sobre as penas sugest?es de lua,?Mantos dá d'estrellas á miseria nua,?Lagrimas aos crimes e ao remorso paz...
Esconjura demos, bruxas, feiticeiras,?E dos sonhos loucos o torpor febril...?Dá verdura aos gados, chuva ás sementeiras,?Faz bailar as mo?as ao luar nas eiras,?Faz fugir os lobos vendo o seu candil.
Mas tambem ha almas, pobresinhas d'ellas!?Que á romagem d'oiro n?o acodem já!?Almas moribundas... Noites de procellas...?Olha nos casebres tremeluzem velas!...?é signal que a Morte anda a rondar por lá!...
Mas a sempre linda Virgem da Amargura?Baixa do altarzinho toda afadigada,?E atravez de serras, pela noite escura,?De menino ao colo,--santa creatura!--?Lá vae ella andando, n?o tem medo a nada!...
Lá vae ella andando... no caminho estreito?Deixa um rasto d'oiro pela escurid?o...?Deixa um rasto d'oiro de divino efeito,?Porque as sete espadas, a fulgir no peito,?P?em-lhe um setestrello sobre o cora??o...
E de povo em povo, que é de serra em serra,?Almas na agonia visitando vae;?Quando chega, a Morte já as n?o aterra,?Ella lhes dá azas p'ra voar da terra,?Seu menino beijos p'ra levar ao Pae...
Virgem das Angustias, Virgem da Bonan?a,?Quantas noites, quantas! tremula de dor,?N?o vae ser parteira da ovelhinha mansa?A parir, balando como uma crean?a,?Entre fragaredos de meter horror!
A deshoras mortas eil-a vigilante,?Prompta a dar socorros ao menor queixume:?Acender estrellas para o navegante,?Ir levar ás m?es o cordeirinho errante,?Defender das cobras a ninhada implume...
Pois como n?o ha-de consolar as dores?Dos humildes, simples, engeitados, nus,?Se inda se recorda de só ver pastores,?Com cordeiros brancos, cantilenas, flores,?Na sagrada noite em que pariu Jesus!...
Sim! adora a rude gente da lavoira,?Sementeiras, gados, matagaes, lebreus,?Porque n?o se esquece da vaquinha loira,?Que se poz de joelhos ante a mangedoira,?Quando nas palhinhas dormitava Deos...
E por isso arreda pestes, ventanias,?Fomes e procellas, bruxas e trov?o,?Lá para malditas, negras penedias,?Onde silvam cobras doudas e bravias,?E onde n?o existe nem christ?o, nem p?o!...
E por isso ex-votos, que relembram dores,?Cobrem de ternura todo o seu altar:?Bustos de meninos, m?os de cavadores,?Tran?as de donzellas, solu?ando amores...?Cora??es e peitos, de fazer chorar!...
Alvas capelinhas, sempre milagrosas,?Sois n'essas alturas para os olhos meus,?Como ninhos virgens d'ora??es piedosas,?Miradoiros brancos de luar e rosas,?D'onde as almas simples entreveem Deos!...
90-91.
V
*CAN??O PERDIDA*
CAN??O PERDIDA
Halitos de lilaz, de violeta e d'opala,?Roxas macera??es de dor e d'agonia,?O campo, anoitecendo e adormecendo, exhala...
Triste, canta uma voz na sincope do dia:
Alguem de mim se n?o lembra?Nas terras d'alem do mar...?ó Morte, dava-te a vida,?Se tu lha fosses levar!...
ó Morte, dava-te a vida,?Se tu lha fosses levar!...
Com o beijo do sol na face cadaverica,?Beijo que a morte esvae em palidez algente,?Eis a lua a boiar sonambula e chimerica...
Doce, canta uma voz melancolicamente:
O meu amor escondi-o?N'uma cova ao pé do mar...?Morre o amor, vive a saudade...?Morre o sol, olha o luar!...
Morre o amor, vive a saudade...?Morre o sol, olha o luar!...
Latescente a neblina opalica flutua,?Diluindo, evaporando os montes de granito?Em colossos de sonho, extasiados de lua...
Flebil, chora uma voz no letargo infinito:
Quem dá ais ó rouxinol,?Lá para as bandas do mar?...?é o meu amor que na cova?Leva as noites a chorar!...
é o meu amor que na cova?Leva as noites a chorar!...
A lua enorme, a lua argentea, a lua calma,?Imponderalisou a natureza inteira,?Descondensou-a em fluido e embebeceu-a em alma...
Triste expira uma voz na can??o derradeira:
ó meu amor, dorme, dorme?Na areia fina do mar,?Que em antes da estrella d'alva?Comtigo me irei deitar!...
Que em antes da estrella d'alva?Comtigo me irei deitar!...
Maio--91.
VI
*O PASTOR*
O PASTOR
Sinos a defuntos! ai, quem morreria!?Olha, foi o pobre do Ti Zé-Senhor!...?Velho t?o velhinho nenhum outro havia...?P'ra cumprir cem anos lhe faltava um dia,?Ha noventa e quatro que era já pastor.
Zagalzinho alegre, desde tenra infancia?Já de surr?osito cheio a tiracol,?A escalar montanhas com ardor, com ancia,?Por pastagens bravas d'auroral fragancia,?Branqueadinho a neve e doiradinho a sol!...
A deserta, imensa, rustica paisagem,?Cordilheiras, campos, astros d'oiro, luar,?Tudo se invertera, por continua imagem,?Em heroica, em livre candidez selvagem?Na extasiada flor do seu ingenuo olhar.
Ordenhado o leite, cantarinho cheio,?Ala para a aldeia, por manh?s sonoras,?Mordiscando a codea do seu p?o centeio,?Arrancando á frauta um pastoril gorgeio,?Rapinando ás sebes chupa-meis e amoras.
Fez-se mo?o e grande pelas serras brutas,?Onde as aguias pairam, onde o roble medra,?E onde os fragaredos barbaros, com grutas,?Se encastelam crespos, infernaes, em lutas,?Tal como tormentas de trov?es de pedra!
Cada serrania alcantilada e brava,?Sob o azul d'Agosto, c?r de fogo e pó,?Recozida a febre e
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