vestir os netos, p'ra acender o lume...
Toc, toc, toc, como se espaneja,?Lindo o jumentinho pela estrada chan!?T?o ingenuo e humilde, dá-me, salvo seja,?Dá-me até vontade de o levar á egreja,?Baptisar-lhe a alma p'ra a fazer cristan!
Toc, toc, toc, e a moleirinha antiga,?Toda, toda branca, vae n'uma frescata...?Foi enfarinhada, sorridente amiga,?Pela mó da azenha com farinha triga,?Pelos anjos loiros com luar de prata!...
Toc, toc, como o burriquito avan?a!?Que prazer d'outrora para os olhos meus!?Minha avó contou-me quando fui crean?a,?Que era assim tal qual a jumentinha mansa?Que adorou nas palhas o menino Deos...
Toc, toc, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,?Moleirinha branca, branca de luar!...?Toc, toc, e os astros abrem diamantinos,?Como estremunhados cherubins divinos,?Os olhitos meigos para a ver passar...
Toc, toc, e vendo sideral tesoiro,?Entre os milh?es d'astros o luar sem veo,?O burrico pensa: Quanto milho loiro!?Quem será que moe estas farinhas d'oiro?Com a mó de jaspe que anda alem no ceo!...
Novembro de 1888.
II
*CADAVER*
I
PRESTITO FUNEBRE
Que alegrias virgens, campezinas, fremem?N'este imaculado, limpido arrebol!?Como os galos cantam!... como as noras gemem!...?Nos olmeiros brancos, cujas folhas tremem,?Refulgente e novo passarinha o sol!...
Pela estrada, que entre cerejaes ondea,?Uma pequerrucha,--tro-la-ró-la-rá!--?Vae cantando e guiando o carro para a aldeia...?S?o os bois enormes, e a carrada cheia?Com um castanheiro apodrecido já.
Oh, que donairosa, linda boieirinha!?Grandes olhos gar?os, sorrisinho arisco...?D'aguilhada em punho lepida caminha,?Com a gra?a aerea d'ave ribeirinha,?Verdilh?o, arveola, toutinegra ou pisco.
Loira, mas do loiro fulvo das abelhas;?Fresca como os cravos pelo amanhecer;?Brincos de cerejas presos nas orelhas,?Na boquita rosea tres can??es vermelhas,?Na aguilhada, ao alto, uma estrelinha a arder!
Descalcinha e pobre, mas sem ar mendigo,?Nada mais esvelto, mais encantador!?Veste-a d'oiro a gloria do bom sol amigo...?O chapeu é palha que inda ha um mez deu trigo,?A saíta é linho inda ha bem pouco em flor!...
E os dois bois enormes, colossaes, fleugmaticos,?Na aleluia imensa, triunfal, da aurora,?V?o como bondosos monstros enigmaticos,?Almas por ventura d'ermit?es extaticos?Ruminando biblias pelos campos fora!...
Ao arado e ao carro presos noite e dia,?Como dois grilhetas, quer de inverno ou v'r?o!?E, submissos, uma pequerrucha os guia!?E nos sulcos que abrem canta a cotovia,?As boninas riem-se e amadura o p?o!...
Levam as serenas frontes magestosas?Enramalhetadas como dois altares:?Madresilvas, loiros, pampanos, mimosas,?Abelh?es ardentes desflorando rosas,?Borboletas claras em noivado, aos pares...
E eis no carro morto o castanheiro, emquanto?Melros assobiam nos trigaes alem...?Heras amortalham-no em seu verde manto...?Deu-lhe a terra o leite, dá-lhe a aurora o pranto...?Que feliz cadaver, que até cheira bem!...
Musgos, lichens, fetos,--chimica incessante!--?Fazem mont?es d'almas d'essa podrid?o...?Já n'esse esqueleto seco de gigante,?Sob a luz vermelha, n'um festim radiante,?Mil milh?es de vidas polulando est?o!...
Sempre á fortaleza casa-se a do?ura:?Como o le?o da Biblia morto n'um vergel,?Do seu tronco ainda na caverna escura?Um enxame d'oiro rutilo murmura,?Construindo um favo candido de mel!...
Oh, os bois enormes, mansos como arminhos,?Meditando estranhas, incubas vis?es!...?Pousam-lhes nas hastes, vede, os passarinhos,?E por sobre os longos, torridos caminhos?Dos seus olhos caem ben??os e perd?es...
Chorar?o o velho castanheiro ingente,?Sob o qual dormiram sestas estivaes??Almas do arvoredo, o seu olhar plangente?Saberá acaso misteriosamente?Traduzir as lingoas em que vós fallaes?!...
Castanheiro morto! que é da vida estranha?Que no ovario exiguo d'uma flor nasceu,?E criou raizes, e se fez tamanha,?Que tresentos anos sobre uma montanha?Seus tresentos bra?os de colosso ergueu?!...
Onde a alma, origem d'essas formas bellas??Em t?o varias formas que sonhou dizer??Qual a ideia, ó alma, convertida n'ellas??E desfeito o encanto, que nos n?o revelas,?Que aparencias novas tomará teu ser?...
Noite escura!... enigmas!... Ai, do que eu preciso,?Boieirinha linda, linda d'encantar,?é d'essa inocencia, d'esse paraiso,?Da alegria d'oiro que ha no teu sorriso,?Da candura d'alva que ha no teu olhar!...
Grandes bois que adoro, p'ra fortuna minha,?Quem me dera a vossa mansid?o christ?!?Arrotear os campos, fecundar a vinha,?E nos olhos gar?os d'uma boieirinha,?Ter duas estrellas virgens da manh?!...
E tambem quizera, mortos castanheiros,?Como vós erguer-me para o sol a flux,?Dar tresentos anos sombra aos pegureiros,?E n'um lar de cho?a, em festivaes braseiros,?A aquecer velhinhos, desfazer-me em luz!...
1889.
II
IN PULVIS...
Oh, que noite negra, que invernia brava!?Nem uma estrellinha pelo ceo reluz!?Chora o vento ao longe com a voz t?o cava,?Como quando dizem que de dor chorava?Toda a santa noite em que expirou Jesus!...
Vem sanguinolentos gritos muribundos?Das soturnidades torvas do horisonte!...?Já nos ermos andam lobos vagabundos...?Já os rios cheios, com bramidos fundos,?N'um diluvio d'agoa v?o de mar a monte!...
Em casal de serras arde o castanheiro,?Lampada de pobres a fazer ser?o;?De redor do grande, festival braseiro,?A velhinha, o velho, o lavrador trigueiro,?A mulher, os filhos, o bichano e o c?o.
Queima-se o gigante, rude centenario,?Que jamais os astros h?o-de ver florir...?E do seu cadaver o esplendor mortuario?Faz d'essa choupana quasi que um sacrario?Com uma alma d'oiro dentro d'ella a rir!...
Tem o velho ao colo o seu netinho doente;?--Morte negra, foge do telhado, ó, ó...--?E no lar as brasas simultaneamente?Dizem para o anjo:--tudo é oiro ardente...?Dizem para o velho:--tudo é cinza e pó!...
Quantas vezes, quantas! por manh?s radiantes?Em pequeno, alegre como um colibri,?N?o trepara aos bra?os todos verdejantes?D'esse castanheiro, que n'alguns
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