Os Lusíadas | Page 6

Luís Vaz de Camões
Oriente,
Entre a costa Etiópica e a famosa
Ilha de São
Lourenço; e o Sol ardente
Queimava então os Deuses, que Tifeu

Com o temor grande em peixes converteu.
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Tão brandamente os ventos os levavam,
Como quem o céu tinha
por amigo:
Sereno o ar, e os tempos se mostravam
Sem nuvens,
sem receio de perigo.
O promontório Prasso já passavam,
Na costa
de Etiópia, nome antigo,
Quando o mar descobrindo lhe mostrava

Novas ilhas, que em torno cerca e lava.
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Vasco da Gama, o forte capitão,
Que a tamanhas empresas se
oferece,
De soberbo e de altivo coração,
A quem Fortuna sempre
favorece,
Para se aqui deter não vê razão,
Que inabitada a terra lhe
parece:
Por diante passar determinava;
Mas não lhe sucedeu como
cuidava.
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Eis aparecem logo em companhia
Uns pequenos batéis, que vêm
daquela
Que mais chegada à terra parecia,
Cortando o longo mar
com larga vela.
A gente se alvoroça, e de alegria
Não sabe mais que
olhar a causa dela.
Que gente será esta, em si diziam,

Que costumes,
que Lei, que Rei teriam?
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As embarcações eram, na maneira,
Mui veloces, estreitas e
compridas:
As velas, com que, vêm, eram de esteira
Dumas folhas
de palma, bem tecidas;
A gente da cor era verdadeira,
Que Faeton,

nas terras acendidas,
Ao mundo deu, de ousado, o não prudente:
O
Pado o sabe, o Lampetusa o sente.
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De panos de algodão vinham vestidos,
De várias cores, brancos
e listrados:
Uns trazem derredor de si cingidos,
Outros em modo
airoso sobraçados:
Da cinta para cima vêm despidos;
Por armas têm
adargas o terçados;
Com toucas na cabeça; e navegando,
Anafis
sonoros vão tocando.
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Co'os panos e co'os braços acenavam
As gentes Lusitanas, que
esperassem;
Mas já as proas ligeiras se inclinavam
Para que junto
às ilhas amainassem.
A ,ente e marinheiros trabalhavam,
Como se
aqui os trabalhos se acabassem;
Tomam velas; amaina-se a verga alta;

Da âncora, o mar ferido, em cima salta.
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Não eram ancorados, quando a gente
Estranha pelas cordas já
subia.
No gesto ledos vêm, e humanamente
O Capitão sublime os
recebia:
As mesas manda pôr em continente;
Do licor que Lieo
prantado havia
Enchem vasos de vidro, e do que deitam,
Os de
Faeton queimados nada enjeitam.
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Comendo alegremente perguntavam,
Pela Arábica língua, donde
vinham,
Quem eram, de que terra, que buscavam,
Ou que partes do
mar corrido tinham?
Os fortes Lusitanos lhe tornavam
As discretas
respostas, que convinham:
"Os Portugueses somos do Ocidente,

Imos buscando as terras do Oriente.
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"Do mar temos corrido e navegado
Toda a parte do Antártico e
Calisto,
Toda a costa Africana rodeado,
Diversos céus e terras
temos visto;
Dum Rei potente somos, tão amado,

Tão querido de
todos, e benquisto,
Que não no largo mar, com leda fronte,
Mas no
lago entraremos de Aqueronte.
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"E por mandado seu, buscando andamos
A terra Oriental que o
Indo rega;
Por ele, o mar remoto navegamos,
Que só dos feios focas

se navega.
Mas já razão parece que saibamos,
Se entre vós a
verdade não se nega,
Quem sois, que terra é esta que habitais,
Ou se
tendes da Índia alguns sinais?"
53
"Somos, um dos das ilhas lhe tornou,
Estrangeiros na terra, Lei e
nação;
Que os próprios são aqueles, que criou
A natura sem Lei e
sem razão.
Nós temos a Lei certa, que ensinou
O claro descendente
de Abraão
Que agora tem do mundo o senhorio,
A mãe Hebréia
teve, e o pai Gentio.
Informações. A Ilha de Moçambique.
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"Esta ilha pequena, que habitamos,
em toda esta terra certa
escala
De todos os que as ondas navegamos
De Quíloa, de
Mombaça e de Sofala;
E, por ser necessária, procuramos,
Como
próprios da terra, de habitá-la;
E por que tudo enfim vos notifique,

Chama-se a pequena ilha Moçambique.
55
"E já que de tão longe navegais,
Buscando o Indo Idaspe e terra
ardente,
Piloto aqui tereis, por quem sejais
Guiados pelas ondas
sabiamente.
Também será bem feito que tenhais
Da terra algum
refresco, e que o Regente
Que esta terra governa, que vos veja,
E do
mais necessário vos proveja."
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Isto dizendo, o Mouro se tornou
A seus batéis com toda a
companhia;
Do Capitão e gente se apartou
Com mostras de devida
cortesia.
Nisto Febo nas águas encerrou,
Co'o carro de cristal, o
claro dia,
Dando cargo à irmã, que alumiasse
O largo mundo,
enquanto repousasse.
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A noite se passou na lassa frota
Com estranha alegria, e não
cuidada,
Por acharem da terra tão remota
Nova de tanto tempo
desejada.
Qualquer então consigo cuida e nota
Na gente e na
maneira desusada,
E como os que na errada Seita creram,
Tanto por
todo o mundo se estenderam,
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Da Lua os claros raios rutilavam
Pelas argênteas ondas

Neptuninas,
As estrelas os Céus acompanhavam,
Qual campo
revestido de boninas;
Os furiosos ventos repousavam
Pelas covas
escuras peregrinas;
Porém da armada a gente vigiava,
Como por
longo tempo costumava.
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Mas assim como a Aurora marchetada
Os formosos cabelos
espalhou
No Céu sereno, abrindo a roxa entrada
Ao claro
Hiperiónio, que acordou,
Começa a embandeirar-se toda a armada,

E de toldos alegres se adornou,
Por receber com festas e alegria
O
Regedor das ilhas, que partia.
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Partia alegremente navegando,
A ver as naus ligeiras Lusitanas,

Com refresco da terra, em si cuidando
Que são aquelas gentes
inumanas,
Que, os aposentos cáspios habitando,
A conquistar as
terras Asianas
Vieram; e por ordem do Destino,
O Império tomaram
a Constantino.
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Recebe o Capitão alegremente
O Mouro, e toda a sua companhia;

Dá-lhe de ricas peças um presente,
Que só para este efeito já trazia;

Dá-lhe conserva doce, e dá-lhe o ardente
Não usado licor,
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