de D. João II, accrescentando a
esta somma cinco moios de trigo em Ceuta e um cazal d'el-rei no termo
da Guarda.
«Cheio de honras e de recompensas, diz o abbade Corrêa, que para
aquelle tempo eram grandes, viveu Ruy de Pina todo o reinado de el-rei
D. Manuel, alcançando ainda alguns annos do d'el-rei D. João III, que
lhe encommendou a chronica de seu pae, que deixou adiantada até a
tomada de Azamor, e de que Damião de Goes confessa ter-se servido
para a composição da sua.»
É Ruy de Pina de todos os nossos antigos chronistas o de que nos
restam maior numero de chronicas. Escreveu elle a de D. Sancho I, D.
Affonso II, D. Sancho II, D. Affonso III, D. Diniz, D. Affonso IV, D.
Duarte, D. Affonso V e D. João II. As duas ultimas são sem duvida
escriptas originalmente por elle. Na de D. Duarte, segundo parece a
Damião de Goes, o substancial da historia é de Fernão Lopes; o que é
relativo á expedição de Tangere, de Gomes Eannes de Azurara; e de
Ruy de Pina apenas a coordenação d'esses diversos trabalhos. Quanto
ás da primeira dynastia, quer o mesmo Goes (e esta opinião prevalece
hoje) que não sejam mais que uma recopilação ou resumo do primeiro
volume das chronicas de Fernão Lopes, que existia em poder de um tal
Fernão de Novaes, e que D. João II mandou fosse entregue a Ruy de
Pina. Impossivel parece hoje averiguar até a certeza esta opinião;
porque esse volume de Lopes ou se perdeu, ou foi aniquilado por Pina,
que, ambicioso de pouco suada gloria, quiz, pobre corvo de D. João II,
adornar-se com as brilhantes pennas de pavão do Homero de D. João I.
Segundo o testemunho de João de Barros, Ruy de Pina foi uma
potencia litteraria no seu tempo. O historiador da India refere que o
grande Affonso de Albuquerque tivera a fraqueza de enviar joias a Ruy
de Pina, para que se não esquecesse d'elle na sua historia. Aquella cujo
nome devia encher o mundo não teve a consciencia de que era o maior
capitão do seculo, é creu que a sua immortalidade dependia de um
chronista obscuro! Triste documento de que os genios mais portentosos
estão como os homens ordinarios sujeitos às mais ridiculas fraquezas.
O abbade Corrêa da Serra põe Ruy de Pina acima dos chronistas que o
precederam. É talvez o juizo litterario mais injusto que se tem
pronunciado na republica das letras. Que elle exceda Azurara não o
contestaremos nós; mas que seja anteposto a Fernão Lopes é no que
não podemos consentir: as narrações de Ruy de Pina, postoque
superiores ás de Gomes Eannes, estão mui longe da vida e côr local
que se encontra nos escriptos do patriarcha dos chronistas portuguezes.
Parece que os fados de Ruy de Pina eram ganhar nome e celebridade á
custa do trabalho alheio: ajudou elle o seu destino em quanto vivo;
ajudaram-lh'o outros depois de morto. Em 1608 publicou-se em Lisboa
um volume em 8.^o com o titulo de _Compendio das grandezas e
cousas notaveis d'entre Douro e Minho_, obra que no frontispicio é
attribuida a Ruy de Pina. Este livro, porém, nada mais é do que o que
compoz mestre Antonio, fisiquo e solorgiam, natural de Guimarães, e
que em antigos codices anda juncto ás chronicas de Ruy de Pina,
bastando ler uma pagina d'elle para nos convencermos de que é escripto
em um periodo da lingua anterior á epocha d'este chronista, e que elle
talvez não fez mais que copial-o, com intento de lhe chamar seu,
podendo-se-lhe applicar aquelle distico francez:
Pour tout esprit que le bon homme avait, Il compilait, compilait,
compilait.
IV
*Garcia de Rezende*
Com os começos do reinado de D. Manuel os horizontes da nossa
litteratura estenderam-se consideravelmente. Era a epocha do esplendor
nacional e, ao passo que as nossas conquistas e poderio se dilatavam,
dilatavam-se tambem os progressos litterarios dos portuguezes. A
imprensa tinha produzido o magnifico livro da Vita-Christi, e com isso
dava mostra de que Portugal possuia, esse motor maravilhoso que devia
conduzir a Europa com passos agigantados pela estrada da civilisação e
do progresso. N'este reinado de gloria e de predominio--mas de uma
gloria differente da antiga e de um predominio que assentava sobre
base tão incerta como eram os milhões de ondas do oceano em que elle
se estribava--proseguiu em maior escala o triste systema de D. João II
de substituir a agricultura pelo commercio, como fonte principal da
riqueza publica. Era então que a monarchia, aniquilando os derradeiros
restos da sociedade feudal nas Ordenações Manuelinas, e assentando-se
na larga e firme base do direito romano, realisava e completava, por um
lado o pensamento politico, por outro o pensamento economico do
manhoso filho do nosso ultimo rei cavalleiro. As palavras
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