Mas nós preferimos o systema de
Froissant e Fernão Lopes: para cada um dos seus heroes havia n'estas
almas generosas um typo ideal a que procuravam assemelhal-os,
engrandecendo-os: e por ventura que mais proficua é assim a historia
ao genero humano. Para acabarmos um parallelo, que poderiamos levar
mais longe, notaremos a tendencia dos dois escriptores, que collocámos
em frente um do outro, para philosophar trivialidades, e ostentar
elegancias rhetoricas e erudições suadas para elles, impertinentes para
os leitores. Move a riso ver o pobre Azurara a lidar em pôr claro como
a luz do dia, com a auctoridade de S. Jeronymo, Sallustio, Fulgencio, e
_casy todolos outros auctores_, que são temiveis as más linguas, como
causa somno o observar os tractos que o illustre dramaturgo italiano dá
ao juizo para nos fazer odiar a tyrannia, ácerca da qual escreveu um
volume, cousa muito escusada na moderna litteratura. Todavia, em
ambos elles a sinceridade das intenções suppre de algum modo a aridez
e o vazio da obra.
Posto, porém, que Azurara esteja em grau inferior a Fernão Lopes, não
deixou de fazer com seus escriptos bom serviço à litteratura patria. João
de Barros o tinha em subida conta, e até no estylo d'elle se comprazia.
Não assim Damião de Goes, que foi o primeiro em notar-lhe as
affectações rhetoricas. Infelizmente para Azurara, Goes era melhor juiz;
e a posteridade, confirmando a sentença do perspicaz chronista de D.
Manuel, rejeitou o parecer do historiador da India.
III
*Vasco Fernandes de Lucena--Ruy de Pina*
O nome de Lucena parece vir pouco a ponto em uma noticia dos
historiadores portuguezes, porque d'elle não resta uma só pagina
original sobre historia; mas julgamos dever fazer menção de Vasco
Fernandes, não só por ter sido um dos homens mais celebres do seu
tempo, como tambem, e principalmente, por ser d'entre elles o primeiro
que, depois de Azurara, teve o cargo de chronista-mór. Encarregado de
varias missões politicas nos reinados de D. Duarte, D. Affonso V e D.
João II, e vivendo, por tal motivo, a maior parte da vida em paizes
extranhos, occupado, além d'isso, quando residíu no reino, em grandes
negocios d'estado, não pôde provavelmente occupar-se dos estudos
historicos necessarios para poder desempenhar as obrigações do seu
cargo, do qual fez desistencia em Ruy de Pina no anno de 1497.
Escreveu, todavia, Vasco de Lucena varias obras que, ou se perderam,
ou jazem manuscriptas em parte que se não sabe. Da _Instrucção para
Principes_, de Paulo Vergerio, traduzida por elle de ordem do infante D.
Pedro e que Barbosa diz existir na bibliotheca real, não achámos o
menor vestigio, apesar de consultarmos um catalogo anterior, segundo
nos parece, a 1807. Das outras obras suas, de que faz menção Barbosa,
tambem nenhum rasto encontramos, ao passo que existe uma, que não
duvidamos de lhe attribuir, e que o nosso illustre bibliographo não
conheceu. É esta uma traducção franceza de Quinto Curcio, feita no
anno de 1468, a qual pertenceu a Philippe de Cluys, commendador da
ordem de S. João de Jerusalem, e que actualmente se guarda entre os
manuscriptos do Museu britannico.[2]
* * * * *
Ruy de Pina succedeu, como dissemos, a Vasco Fernandes, em 1497,
no cargo de chronista-mór, postoque muito antes exercitasse o officio
de historiador. Dos primeiros annos de Ruy de Pina apenas se sabe que
foi natural da Guarda, mas ignora-se o anno do seu nascimento, ainda
que haja algumas suspeitas de fosse pelos annos de 1440. Em 1482 diz
elle que fôra por secretario da embaixada mandada por D. João II a
Castella, e o mesmo cargo serviu d'ahi a dous annos na embaixada de
Roma. Parece que, voltando de desempenhar esta commissão, o
encarregou el-rei de escrever as chronicas do reino, apesar de então ser
chronista-mór Lucena, o que se deprehende de uma provisão de D. João
II, em que lhe manda dar uma tença de nove mil e seiscentos réis
«esguardando ao trabalho e á occupação grande que Ruy de Pina
escripvão da nossa camara tem com o carrego que lhe demos de
escrepver e assentar os feitos famosos asy nossos como de nossos
regnos que _em nossos dias são passados_, e ao diante se fizerem[3].»
Em outra provisão lhe concede tambem seis mil réis de mantimento.
Depois d'esta epocha ainda Ruy de Pina serviu em outra embaixada a
Castella e andou envolvido nos difficeis negocios publicos d'aquelle
tempo, até que, succedendo na corôa D. Manuel, não só lhe confirmou
as mercês do seu antecessor, mas fez-lhe outras novas, dando-lhe
finalmente o cargo de chronista-mór, e guarda-mór da Torre do Tombo
e da livraria real.
Em 1504 tinha Ruy de Pina concluido os seus trabalhos historicos,
porque n'esse anno recebeu de D. Manuel uma nova tença de trinta mil
réis pelas chronicas de D. Affonso V e
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